sexta-feira, 11 de março de 2016

Pão de Maio ou Pão das aflições


JORGE    LAGE
Dos nascidos na década de quarenta e cinquenta do século XX, no mundo rural da Terra Quente, não se lembra da primeira malha a pulso, na eira varrida? Era fruto duma colheita anterior que não chegou para a renda e aconchegar o estômago e o pão deixava a arca limpa. Outras vezes, um filho pródigo vendia o que era de todas as bocas da família e não havia mais pão. O alarme era dado com semanas de antecedência pela dona da casa. Depois, corriam-se os pães mais soalheiros para ver qual era a que ameaçava aloirar. O Maio escaldante fazia o resto e, depois dos 25, já se aguçavam as seitouras e o pão tombava às mãos cheias, para ficar um dia ou dois em tendal, enquanto se untavam com sebo os couros dos malhos e as mulheres com vassouras, de couras ou de cáximos, varriam o melhor chão da eira. Uma manhã com o sol bem escaldante, estendia-se o pão na eira, em corredor, espigas com espigas e a quatro, a seis ou a oito malhadores, os malhos rebimbavam, dois, três ou quatro de um lado e outros tantos do outro. Enquanto os de um lado rebimbavam e desciam sobre as espigas loiras e avançavam um pouco, outros batiam impiedosamente nas espigas e recuavam e redopiavam lentamente. De um lado uma voz rouca e baixa comandava com um ofegante «ããã…ã», os malhos que desciam e batiam e já os opostos estavam a iniciar a descida com outro «ããã…ã», de timbre diferente. E iam rodando e recuando ou avançando como se uma grande máquina humana tivesse um só coração. As mulheres com os lençóis de linho (liteiros ou mantas no Minho) faziam uma cortina para deter o grão de pão que queria saltar para mais longe assustado. A seguir retirava-se a palha para as baraças da segada do trigo e acribaba-se o pão. Seguia o primeiro taleigo para a azenha e no dia seguinte já havia pão novo. Era o pão das aflições, da primeira e apressada segada, porque a maior demorava mais uns dias e a acarreja para a eira ainda demorava mais umas semanas e mais para o motor a tratol fazer girar as correias e a malhadeira.

Jorge Lage – jorgelage@portugalmail.com – 26FEV2016

Provérbios ou ditos:

      Em Março, morre a fraca, a colmeia, que não a vaca.
      A castanha é de quem a come e não de quem a apanha.
      Pelas obras e não pelo vestido é o homem conhecido.


Pão Novo de Milho *

Não quero fazer sozinho,
Por isso conto convosco,
Pra escrever poema tosco,
E atrancá-lo no caminho


Saltar o muro dos campos,
Escrever nas espigas do milho,
Matar a fome a um filho,
Que não chegou por encanto


Esconder poemas no monte,
No ninho da cotovia,
Que cedo os lava na fonte,
E os canta ao longo do dia,


È sempre no fim do Verão,
Saudades que ainda lembro,
Do sabor que tem o Pão,
Feito do primeiro grão,
Seco no mês de Setembro.

* Poema inédito de Abílio Bastos, escrito em Timor em 1967 ou 1968.


Nota1: Tinha-se acabado o pão do ano anterior. O milho verde mudava a cor e as espigas saíam fora do folhelho com os seus grãos dourados. A mãe colheu as mais maduras e colocou-as ao sol atrás da casa. Dois dias bastaram para secarem. Depois, desgrenhou-as á mão, e deixou o grão a secar  por mais uns dias, sobre um liteiro. Quando teve vaga no moinho, lá foi moer o milho, cuja farinha tinha um cheirinho especial. Era o pão novo cosido no forno de pedra. Era sempre, no mês de Setembro. Tinha a certeza que era igual para todos os meninos e lançava um desafio. (Abílio Bastos)

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