Vasco Pulido Valente - jornal Público
19/02/2016 - 00:05
De certa maneira, Ratti
contribuiu mais do que Pio XII para a instalação do fascismo e do nazismo na
Europa.
A literatura histórica
contemporânea estudou minuciosamente o pontificado de Pio XII, mas tem ignorado
o pontificado de Pio XI (Achille Ratti), que foi eleito no mesmo ano em que
Mussolini subiu ao poder (1922 ) e viveu até 1939. E, no entanto, de certa maneira,
Ratti contribuiu mais do que Pio XII para a instalação do fascismo e do nazismo
na Europa. O Vaticano de Pio XI deu uma ajuda crucial para o advento e
estabilidade do regime de Mussolini; a Acção Católica cooperou
entusiasticamente com a polícia na eliminação de toda a espécie de opositores
ao Duce (chegou mesmo a encobrir alguns crimes); e principalmente tomou a
iniciativa ideológica e política na perseguição aos judeus. Porquê? A troco de
quê?
A troco de interesses
institucionais que pouco valiam e de uma revanche anacrónica que só o clero
italiano partilhava, queria um Estado autónomo (recebeu o Vaticano), queria que
o catolicismo fosse a religião oficial de Itália, queria liberdade para a Acção
Católica e queria dinheiro. Mussolini com tudo ou quase tudo e ao longo do
tempo acrescentou alguns prémios por bom comportamento: cruzes nas salas de
aula, penas para as mulheres que mostravam as costas nuas (para não falar em
parte do peito, coisa que perturbava particularmente Ratti) e uma censura apertada ao cinema, ao
teatro e à imprensa, que por qualquer razão desagradavam ao Vaticano. No fundo,
a Igreja aspirava a um regime tão opressivo como o de Mussolini, desde que ele
estivesse sob o seu controlo, uma política ingénua e torpe que durou para lá da
queda do ditador.
Seja como for, o pior
que o Vaticano fez nessa época de horror foi exprimir e popularizar o
anti-semitismo latente na Europa. A revista dos Jesuítas La Civiltà Católica,
que o papa de facto dirigia, e o L’Osservatore Romano começaram a publicar
entre 1920 e 1930 a propaganda nazi, que na Alemanha teve de esperar por 1933.
O mito da conspiração dos judeus com o comunismo, o capitalismo, o liberalismo
e a Maçonaria apareceu em Roma antes de se tornar corrente na Alemanha e, a
seguir, em Espanha. Claro que Ratti recusou um racismo “biológico”.
Infelizmente, nessa altura, os compromissos com Mussolini não lhe permitiram
romper claramente com a nova orientação do regime e acabou por se resignar à
lei, imposta pela insistência de Hitler, que declarava “ariano” o povo de
Itália e não permitia o casamento legal entre um cristão e um judeu convertido.
O populismo nunca levou a nada de bom.
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