É
bom que António Costa não se esqueça de que é líder do PS e de que não o deve
negligenciar.
Como estava anunciado no céu da política
portuguesa, o professor Marcelo transformou-se no Presidente Marcelo por força
de uma maioria de votos que ultrapassa o resultado de eleição para o primeiro
mandato de Cavaco Silva e de Mário Soares. Com a confirmação de uma vitória de
que ninguém duvidava, o resultado eleitoral expôs a dimensão das mudanças em
curso na esquerda portuguesa.
Com o pano de fundo da falência ideológica
da social-democracia europeia e do fim do comunismo real no Leste da Europa, a
esquerda tradicional entrou em colapso ideológico. A isto soma-se o crescendo
do populismo político, potenciado em novos moldes pela suposta facilidade de
comunicação de todos com todos através das redes sociais. Um populismo que tem
campo de crescimento fertilizado pela crise económica que cavou o
empobrecimento e a desconfiança dos eleitores cansados, por outro lado, da
mediatização da sucessão de erros, falhas e até actos de corrupção.
Mas se o caldeirão explosivo da evolução
da política na Europa se fez sentir sobretudo nos países do Sul atingidos
especialmente pela crise do capitalismo especulativo, em Portugal esta crise
tem consequências específicas à esquerda que se têm manifestado por um
crescendo eleitoral do Bloco de Esquerda, o partido do sistema que assume o
perfil de partido de protesto e de contestação ao próprio sistema, à semelhança
do que aconteceu na Grécia com o Syriza, partido das margens do poder que foi
catapultado para o Governo pela crise, e, ao contrário da Espanha, onde o corte
com os partidos tradicionais de poder levou à criação de novos partidos saídos
dos movimentos de rua.
O Bloco de Esquerda parece consolidar o
crescimento enquanto força alternativa de poder à esquerda, papel até aqui
representado pelo PS. Uma consolidação que tem como movimento complementar a
queda eleitoral do PCP nestas presidenciais, a qual pode não ter sequência nas
legislativas e ser apenas uma consequência de uma escolha desastrosa de
candidato. Mas a consolidação do BE deve preocupar sobretudo o PS. Até porque é
já uma evidência que, com este BE, o PS dificilmente voltará a conquistar uma
maioria absoluta.
Daí que por mais que a eleição de Marcelo
Rebelo de Sousa possa até não preocupar António Costa enquanto
primeiro-ministro, na sua qualidade de secretário-geral do PS ele tem de estar
preocupadíssimo com o que se passou nestas eleições, bem como com a forma como o
PS se arrasta na política portuguesa, em estado de ferida aberta e exposta,
profundamente debilitado na sua condição de fazer política. O que é facto é que
a direcção do PS, e em particular António Costa, ainda não teve capacidade de
dar resposta à crise que o partido vive. Pior: parece ignorá-la, tal o
inebriamento de ser chefe de Governo.
É certo que o problema do PS não é de
hoje. A sua falência como partido organizado no modelo introduzido por António
Guterres esgotou-se durante os dois Governos de José Sócrates e, desde então,
as sucessivas direcções não têm conseguido travar a degradação orgânica e a
falta de propostas que surgem sob o fundo da falência ideológica da
social-democracia europeia. António José Seguro não resolveu a exaustão do PS e
a subida de António Costa ao poder partidário apenas agravou as debilidades de
um partido que estava já exaurido.
As feridas expostas pela guerra entre
Costa e Seguro mantêm-se abertas e as presidenciais lançaram sobre elas sal. A
forma como a candidatura de Maria de Belém Roseira foi apresentada pelos
apoiantes de Seguro contra Costa é apenas mais um momento dessa guerra que
rasga a carne e o corpo partidário. E que termina com o espectáculo feio dado
pelos seguristas ao deixarem cair a sua candidata, uma demonstração de como é
verdade a máxima de que os ratos abandonam o navio quando se anuncia o
naufrágio.
António Costa negligenciou as
presidenciais pensando que depois das legislativas, que esperava ganhar com
maioria absoluta, podia impor Sampaio da Nóvoa ao PS. Enganou-se: perdeu as
legislativas e ficou politicamente sem legitimidade para o fazer. Perante a
derrota nas legislativas, a opção foi forçar a conquista do poder, aproveitando
o facto de a direita não ter maioria absoluta, alcançando um inédito acordo à
esquerda e rompendo caminhos desconhecidos no sistema de governação em
Portugal. Só que o actual poder executivo de António Costa não tem força para
cimentar o PS, até porque a legitimidade política do Governo está ferida pela
falta de legitimidade eleitoral, ainda que tenha legitimidade constitucional.
É bom que António Costa não se esqueça de
que é líder do PS e de que não o deve negligenciar. O risco é fácil de
explicar: quando tiver de disputar eleições e precisar do partido, onde estará
e qual será a relação do PS com o eleitorado? Para onde vai o PS?
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