MIRANDELA |
Jorge Lage |
Eu sei que o Artur Ferreira se vai recordar dos «ganchos» que
ele e outros (como o Zé Santos e o Fernando Paulino) faziam para arranjarem uma
folga ao saudoso Fernando Azevedo, na cabine sonora da «Sonomir», enquanto ele
trabalhava de caixeiro no sótão do Arnaldo Morais.
Mas, das minhas indagações e algumas recordações posso dizer
que a aparelhagem «Sonomir» e «Hipólito Seramota» eram as que animavam a
«Bila», e os bairros festivos, e para as aldeias eram mais a «Estáquio» do
Montevideu e a «Seixas» do Amílcar Seixas de Contins.
Para os que os exercícios de memória são maçadores eu ajudo.
Recuem aos anos
cinquenta e sessenta,
quando a maioria das aldeias do nosso concelho não tinham luz eléctrica. Na
escuridão da noite era a candêa, o lampião, o gasómetro, o petromax e o
candeeirinho de mesinha de cabeceira.
Em finais dos anos sessenta, à luz da candeia, na mesa da
cozinha, li muito do Eça, dos Lusíadas, do Gil Vicente e dos autores,
perfilados na «Selecta Literária» do António José Saraiva e Óscar Lopes, e dos
medievos trovadores e cronistas. Os meus pais viam na luz mortiça da torcida e
do murraco gasto o meu trabalho. E tínhamos pensamentos antagónicos. Eles
pensavam que o meu trabalho de estudo era mais custoso, porque «dava cabo da
cabeça» e eu achava que era um privilegiado, que o estudo era férias, porque
trabalho era o braçal e extenuante da faina campesina.
Fosse como fosse, vamos ser realistas, trabalho duro qualquer
um que não fosse mandrião ou se não tivesse deixado «morder pela mosca» o
conseguia fazer. Mas, passar nos estudos, naquele tempo, tinha que ter um
mínimo de inteligência. Embora os rurais mais expeditos lançavam logo a máxima:
«um doutor é um burro carregado de livros». Por isso, o Capitão Esteves se
lamentava que o filho, engenheiro agrónomo, não sabia distinguir na horta uma
figueira de um pessegueiro, para gáudio e zombaria dos empregados, cujo último
rosto foi o Frederico de Vale Madeiro.
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