António José Saraiva in: Jornal Sol |
O Parlamento debateu na semana passada a questão
da dívida soberana.
O problema foi recolocado, pois alguns dos
subscritores do célebre 'Manifesto dos 74' sobre a reestruturação da dívida
pública sentam-se hoje nas primeiras filas da bancada do PS - como é o caso do
líder parlamentar, Ferro Rodrigues.
Sucede que bastou alguns deputados (a começar
pelo próprio Ferro) passarem de uma posição irrelevante para uma posição de
responsabilidade para o discurso mudar.
Meteram a viola no saco e deixaram de falar de
'renegociação'.
Isto mostra como as posições políticas se
alteram com a mudança de situação.
E dá para ver como poderão mudar ainda mais se
os socialistas passarem das cadeiras da oposição para os cadeirões do poder.
É evidente que o 'Manifesto dos 74', quando foi
lançado, apenas visava entalar o Governo.
Francisco Louçã, Bagão Félix, Manuela Ferreira
Leite, Ferro Rodrigues, João Cravinho, etc., juntaram-se para fazer oposição.
Porque todos eles sabiam (e sabem) que, se
Portugal entrasse num processo desses, tentando renegociar a dívida do Estado
na praça pública, os juros disparariam e ninguém nos quereria emprestar
dinheiro.
Quem se dispõe a fazer empréstimos a quem
pretende não pagar o que deve?
Se tivéssemos um superavit, ainda se poderia
pensar nisso.
Mas Portugal continua a precisar de pedir
dinheiro emprestado para cobrir o défice.
Por isso, tem de cumprir as suas obrigações -
para ter quem lho empreste a juros razoáveis.
O que aconteceu com a posição do PS sobre a
dívida vai acontecer com tudo o resto.
Vários responsáveis do partido têm dito, ao
longo dos últimos três anos, que um Governo socialista reporá o que foi
“roubado” aos portugueses - em matéria de salários, de pensões, de feriados, de
horas de trabalho, de taxas moderadoras, etc.
Ora, também aqui os socialistas vão perceber que
não têm margem de manobra.
Se isso fosse feito, voltaríamos à situação que
existia antes da chegada da troika.
E o que acontecerá ao défice? O PS tem defendido que esta coligação não
bateu suficientemente o pé a Bruxelas no sentido de “aliviar” as metas do
défice público.
Se - diz o PS - Passos Coelho fosse menos
“subserviente” em relação a Merkel, os portugueses não teriam de fazer tantos
sacrifícios.
Também neste tema o Partido Socialista vai ter
de recuar.
Primeiro, porque Bruxelas não cederá.
Depois, porque, aumentando o défice, é preciso
contrair mais dívida para o pagar - atirando-se mais encargos para cima dos
filhos e dos netos.
Para nos sacrificarmos menos hoje,
sacrificaríamos mais as gerações futuras.
Portugal tem de reduzir o défice não por causa
de Bruxelas, ou da troika, mas por 'sua' causa.
O 'alívio do défice' só faria sentido numa
lógica de extrema-esquerda, para a qual “a dívida não é para pagar”.
Aí sim, poderíamos endividar-nos à tripa forra
(até nos cortarem os empréstimos e termos de viver com um défice zero).
Mas quem tem pretensões de ir para o Governo,
como o PS, não pode defender essas ideias.
Acontece que, se a direcção do partido já
percebeu esta evidência (e por isso António Costa está calado que nem um rato),
uma ala do partido não desarma e ainda sonha com um regresso ao passado.
É insólito ver deputados do PS dizerem o mesmo
que os dirigentes do Bloco de Esquerda, não se distinguindo deles nem pelo
conteúdo, nem pelo estilo, nem pelo vocabulário.
É muito estranho ver destacados apoiantes de
António Costa, como João Galamba ou Pedro Nuno Santos, colados às fantasias e
às loucuras da esquerda radical.
E para além de estranho, é altamente perturbador
e preocupante - pois mostra que há socialistas que não aprenderam nada com a
crise e acham que a bancarrota foi um papão inventado pela direita para
massacrar o povo.
Assim, continuam a pensar que não devemos
respeitar o défice, que temos de ameaçar Bruxelas e os mercados, que compete ao
Estado investir e criar emprego, etc.
Ora, se o Partido Socialista for para o Governo,
esta gente tentará por todos os meios inverter muito daquilo que foi feito
nestes últimos três anos, repondo a situação que nos conduziu ao resgate.
Se assim for, os sacrifícios dos portugueses não
terão servido para nada.
jas@sol.pt
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