quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Reviver o passado no Largo do Rato - António José saraiva


António José Saraiva

Reviver o passado no Largo do Rato - Sol

De uma forma geral, considerou-se que a escolha de Ferro Rodrigues para líder parlamentar do PS foi uma boa decisão.
Acho o contrário.
Não está em causa a sua seriedade e competência.
É um político sério e que se esforça por fazer o seu trabalho bem feito.
A questão é outra: Ferro Rodrigues traz de volta o passado.
Foi líder do PS, demitiu-se por discordar de Jorge Sampaio (quando este aceitou Santana Lopes como primeiro-ministro), e o seu regresso à ribalta remete para tempos idos.
Não é uma aposta virada para o futuro: é uma espécie de acerto de contas com a História.
Além disso, Ferro Rodrigues não é um bom tribuno.
É um orador fraco, como se viu nos debates que manteve na campanha eleitoral de 2002, em que foi derrotado por Durão Barroso.
A escolha de Ferro Rodrigues reforça a impressão já existente de que António Costa está a rebobinar o filme do PS.
Reconheça-se que António José Seguro, com todas as suas limitações, trazia consigo a ideia de um virar de página, enterrando o socratismo e iniciando na vida do PS um ciclo novo.
Mas António Costa não.
Veio repescar os socráticos (como Pedro Silva Pereira ou Vieira da Silva), promoveu o regresso à ribalta de militantes como Jorge Lacão ou Ana Catarina Mendes, para lá de ter atrás dele toda a 'brigada socialista do reumático', por muito ilustre que seja (e é): Mário Soares, Jorge Sampaio, Almeida Santos, Vera Jardim, Manuel Alegre…
Em vez de apontar para a frente, construindo um PS renovado e desempoeirado, António Costa traz de volta um PS gasto e envelhecido.
E há outras questões delicadas, que vão no mesmo sentido.
Como é público, José Sócrates, nos seus comentários na RTP, tem-se posto ao lado de duas pessoas: António Costa e… Ricardo Salgado.
Mário Soares, um pouco inesperadamente, fez o mesmo - e saiu à liça em defesa do banqueiro.
Com estes gestos (e outros no mesmo sentido), o caso BES ameaça tornar-se uma questão política.
Cabe recordar, a propósito, a cumplicidade que sempre existiu entre Salgado e Sócrates, quando este foi primeiro-ministro - enquanto Passos Coelho, desde o primeiro dia, se demarcou da família Espírito Santo (recusando, por exemplo, solicitações feitas por José Maria Ricciardi).
O actual chefe do Governo será, neste momento, uma persona non grata para a família mais poderosa do país, que não perderá oportunidades para o atacar.
Ora, também aqui, a ascensão de António Costa à liderança socialista pode representar um passo atrás - com o PS a defender os Espírito Santo e a acusar este Governo de os ter perseguido.
Acresce que este regresso ao passado de António Costa abre um largo espaço às críticas dos seus adversários.
Costa arrisca-se a que, na próxima campanha eleitoral, a actual maioria adopte o slogan 'Portugal não pode voltar atrás', perguntando aos eleitores:
“Querem andar para a frente connosco ou entregar de novo o Governo aos socialistas, correndo o risco de um 2.º resgate?”.
“Querem apostar nos que vos tiraram do buraco ou nos que querem voltar a aplicar  a receita que nos enfiou no buraco?”.
E o problema é que qualquer promessa que Costa faça servirá para confirmar esta ideia.
Se ele prometer que vai repor os salários e as pensões; que vai voltar a investir no Estado Social; que vai apostar no investimento público, etc., só estará a dar argumentos aos seus inimigos, que dirão:
“Como vêem, ele vai fazer tudo o que nos levou à bancarrota!”.
António Costa, até aqui, tem falado para dentro do PS - que, sejamos francos, gostou da sua reconciliação com os socráticos e até da reivindicação orgulhosa da obra do Governo de José Sócrates.
Mas daqui em diante vai falar para o país - o que é outra coisa.
Há muitos anos, no fim do cavaquismo, António Guterres dizia-me: “A partir de agora, basta-me fazer de morto para ganhar as eleições”.
Talvez António Costa pense o mesmo.
Só que, desta vez, os portugueses - que estão magoadíssimos com o Governo por lhes ter cortado nos salários ou nas pensões, ou por ter subido os impostos - pensarão assim:
“Vamos votar nestes, que nos fizeram muito mal mas conseguiram evitar a bancarrota - ou apostar nos outros, que nos prometem devolver tudo mas que nos podem atirar outra vez pela ribanceira abaixo?”.
A escolha não é fácil - e a luta vai ser renhida.

Reviver o passado no Largo do Rato - Sol

 

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