segunda-feira, 2 de junho de 2014

Costa Pereira -Um pedaço de Portugal suspenso no alto-mar – X


COSTA PEREIRA
Portugal, minha terra.
Antes de abordarmos o tema anteriormente prometido queremos ainda fazer mais algumas oportunas considerações à volta dos Impérios e do Culto do Espírito Santo, de modo a que, na medida do possível, os mais ambiciosos em saber, melhor conheçam as raízes culturais do povo açoriano, que são, sem tirar nem pôr, aquelas que sempre alimentaram e alimentam a alma do português continental. Não fora os condicionantes geográficos e  insulares, aliados ao isolamente a que durante muitos anos estiveram sujeitos os açorianos a influírem no viver e sentir do habitante das ilhas, para que em relação ao continente se notasse qualquer diferença quanto à pratica, origem e raiz bem lusitana das tradições populares, do sentimento religioso e dos usos e costumes deste povo afável, simples e hospitaleiro. Mas voltemos aos Impérios, essas garridas "capelas", constituídos por uma porta, duas janelas e uma dispensa, que no século XVII começaram a ser construídas na Terceira e cuja gestão e utilização é autónoma da Igreja, pese entretanto, como a Casa do Povo, se situarem, por norma, junto ao adro ou terreiro do orago local. Aliás, a única função do sacerdote católico na "religião do Espírito Santo" é, nestas circunstâncias, colocar a coroa aos imperadores ou imperatrizes e benzer as carnes e o pão a utilizar na função ou bodo. Nas procissões, na preparação dos bodos, no "sacrifício" dos bovídeos, na reza do terço ou nas "alumiações", a intervenção de clero é nula. A eleição do imperador realiza-se por sorteio, o "pelouro", entre os irmãos do império, no último domingo dos festejos. Que determinará quem será o imperador em cada semana que vai do Sábado Santo (Aleluia) até ao Domingo de Pentecostes, em alguns casos, ou Domingo da Santíssima Trindade, noutros. A quem calhar a "sorte" de sair o número um, será o responsável pelos festejos da primeira das sete ou oito semanas e ficará com a coroa do Espírito Santo em sua casa, durante todo o ano.

No ano seguinte, chegada a Páscoa, com o mesmo ritual de sempre começam as "alumiações", um misto de veneração das insígnias do Divino e de convívio alegre na casa do imperador ou rezando o terço no império, e cantasse o pezinho ao imperador e às pessoas que deram ofertas generosas ao Espírito Santo, uma tradição que lembra os "reis" ou janeiras do continente, pois um grupo vai de casa em casa cantar o pezinho aos benfeitores do império. O Culto do Espírito Santo, vivido deste modo, crê-se remontar a tempos imemoráveis, mesmo anteriores ao do seu registo histórico. Em  Portugal a sua revitalização é atribuída a um projecto concebido por uma elite no final do reinado de D. Dinis. Santa Isabel e a benjamim Ordem de Cristo, onde foram integrados todos os cavaleiros Templários, e não só, devem ter tido uma relação directa com esse circulo interno que difundiu o culto. Recorde-se que, em território continental, este culto foi muito intenso e persistente em locais de implantação templária, como Tomar, Beira Baixa e Sintra. Por tal motivo é de supor que, para além dos Franciscanos, a Ordem de Cristo tenha tido um papel importantíssimo na sua expansão, tanto no continente como, depois, nos Açores. O "bodo", também com o mesmo significado usado nas áreas de Leiria e Pombal é termo bem conhecido no continente. Na Terceira não tivemos oportunidade de participar em nenhum, mas fazendo parte da gastronomia local, podemos saboreá-lo na "Quinta do Martelo" - São Mateus, onde nos foram servidas com todos os requisitos e animação as "Sopas do Santo Espírito", e a alcatra, um cozido, de carne de vaca, em vinho de cheiro (americano) feita em alguidares de barro, temperada com especiarias e cozinhada em forno de lenha, precisamente como é servida pelos imperadores nos festejos do Espírito Santo. Outro elemento importante nestes festejos é o touro, pois não só fornece a carne (como a vaca, além da carne também o leite) para a função ou bodo, ainda empresta a sua força bruta para cabeça de cartaz, quer nas arenas, quer nas "esperas" de rua, onde as "marradas" são espectáculo. As "marradas" é um termo usado pelos terceirenses para distinguirem as "touradas à corda" que, plagiando José Vieira, são o mais popular dos folguedos da ilha e não há quem resista a esse espectáculo rico de emoção e colorido. Têm inicio em Maio, associadas aos festejos do Espírito Santo, e prolongam-se por toda a ilha até Outubro. Normalmente são corridos quatro touros numa tarde. Depois de estalar um foguete, o touro sai, da gaiola ou caixão, amarrado por uma corda de cem metros que é segurada a meio e no extremo por dois grupos de pastores, de camisa branca; e no caminho todos correm à sua frente, embora não faltem os corajosos que se atrevem a uns "passes" utilizando um guarda-chuva ou peças de roupa, a servirem de capa. No continente, a "Vacada das Cordas" ou "Vaca das Cordas" que, na véspera da Procissão do Corpo de Deus, se realiza em Ponte de Lima (Minho) é muito semelhante às "marradas".
E que mais adiantar, por hoje ? A promessa de na próxima falar da Praia.

Costa Pereira

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