sábado, 31 de maio de 2014

Costa Pereira - Um pedaço de Portugal suspenso no alto-mar – IX


COSTA PEREIRA
Portugal, minha terra.
Está visto e decidido, com Artur Teodoro de Matos vamos em busca das raízes deste povo, pois sem raízes não se vive: "São muitas as dúvidas que pairam sobre o início do povoamento da ilha Terceira", no entanto está comprovado que essa acção pioneira se deve ao flamengo Jácome de Bruges em data muito aproximada à doação que o Infante Dom Henrique lhe fizera da capitania da ilha, em 1450. Por essa altura Jácome de Bruges terá desembarcado na ilha acompanhado por um grupo de flamengos seus compatriotas, nos quais se incluiu Fernão Dulmo, que deixou sediado na zona das Quatro Ribeiras, regressando de novo ao continente. Após investido como capitão da ilha, Jácome regressa à Terceira agora fazendo-se acompanhar de mais povoadores, talvez oriundos do Norte de Portugal e da Madeira, e trazendo daqui Diogo de Teive, como seu ouvidor. Para residência escolheu a Praia. Entretanto por iniciativa do Infante desembarca na Ribeira Seca ou Ribeira de Frei João (São Sebastião) um grupo de povoadores portugueses com Gonçalo Anes da Fonseca na dianteira, isto ainda antes de Jácome de Bruges ter sido investido como capitão do donatário. Supõem-se que esta decisão é tomada com receio de que mais tarde os flamengos viessem a considerar a ilha como sendo deles. E o certo é que logo, por volta de 1461, chega também à ilha, Álvaro Martins Homem, da casa do infante D. Fernando, com mais povoadores, entre os quais Afonso Gonçalves Baldaia.
Tais decisões não são realmente bem aceites dado que vão dar origem à partilha de influências de poder na ilha, com Jácome de Bruges na zona da Praia e Álvaro Martins Homem na de Angra. Resultando daí que entre ambos passassem a existir disputas, ao ponto de ainda haver hoje quem relacione a morte e desaparecimento de Jácome de Bruges com essas rivalidades. Não é portanto por mero acaso que, em 1474, com Jácome de Bruges já falecido, a infanta D.Beatriz, viúva de D.Fernando, querendo prevenir desavenças semelhantes decide repartir a ilha equitativamente em duas capitanias, atribuindo a de Angra, a João Vaz Corte Real, e a da Praia, a Álvaro Martins Homem, que até então radicado em Angra sai com indemnização pelas obras materiais que anteriormente ali realizou. De recordar que "No seu governo,Angra e Praia terão sido feitas vilas, São Sebastião (próximo do antigo lugar da Ribeira de Frei João) sê-lo-á em 1503 e Angra elevada a cidade em 1534, altura em que se torna sede de bispado".- Faltava esta introdução para melhor se perceber o sentimento bairrista que caracteriza o povo terceirense e que surge retratado nas tradições e festividades religiosas de cada freguesia da ilha, sobretudo por ocasião da festa do orago local ou à volta da do Espírito Santo, onde também rara é a povoação que não tenha o seu Império. Destes, nem mesmo tendo a jeito uma colecção com 18 exemplares, gentilmente ofertada pela terceirense Rita Fagundes Barcelos, de São Sebastião, nos serve de base aproximada aos 68 Impérios existentes na ilha. Quanto à sua configuração e objectividade, a antropóloga Helena Ormonde nos vai falar: "O Império é uma construção de um só compartimento de planta aproximadamente quadrangular, elevada sobre as fundações que o colocam num plano superior ao das outras construções do aglomerado, abrindo-se na fachada através de porta e janelas que o ladeiam, por vezes com peitoris de ferro fundido e frontal triangular encimado por um dos símbolos do Espírito Santo - a pomba ou a coroa - pintado, assim como as barras, estas de cores fortes. Tem acesso por escada exterior, nalguns casos de madeira e removível, e o tecto é de duas águas. O interior é ocupado por uma ou mais mesas, alguns bancos ou cadeiras, nichos e altar na parede do fundo. Encerrado durante quase todo o ano, abre-se nos domingos de Pentecostes e da Santíssima Trindade para receber o imperador e a vereação. Este e os seguintes são alguns dos momentos altos das Festas do Espírito Santo: após a coroação na igreja e a benção do pão e do vinho na dispensa (divisão ou construção próxima em que se guardam), o cortejo dirige-se para o Império, onde depõe as insígnias que transporta (coroas, bandeiras e varas); e, na praça, tem lugar o bodo: a distribuição do pão e do vinho. E, depois deste, a função (jantar) em casa do imperador: de sopas, cozido e alcatra. Durante a tarde e novamente no Império, o imperador deve convidar a entrar e a servir-se da carne assada, massa sovada e vinho, aqueles que páram ou passam no terreiro devem deixar algum dinheiro. Até ao anoitecer, o Império permanece de porta aberta e um constante vaivém de gente. Sob o aparente caos da festa, estreitam-se relações segundo regras mais ou menos definidas, em que a dádiva alimentar e a contra-dádiva são o meio e o imperador a figura central. Com algumas variações, este cerimonial ocorre ciclicamente em toda a ilha e arquipélago, também, reforçando deste modo, em associação ao sagrado, posições sociais, sentidos e sentimentos de comunidade".- Culto que atravessa as ilhas, ou melhor dito o coração dos açorianos, onde quer que vivam, é entretanto na Terceira que mais relevo atinge, e com "as marradas", de que falaremos a seguir, cartaz festivo da ilha.                              

Costa Pereira

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