COSTA PEREIRA Portugal, minha terra. |
Tais decisões não são realmente bem aceites dado que
vão dar origem à partilha de influências de poder na ilha, com Jácome de Bruges
na zona da Praia e Álvaro Martins Homem na de Angra. Resultando daí que entre
ambos passassem a existir disputas, ao ponto de ainda haver hoje quem relacione
a morte e desaparecimento de Jácome de Bruges com essas rivalidades. Não é
portanto por mero acaso que, em 1474, com Jácome de Bruges já falecido, a
infanta D.Beatriz, viúva de D.Fernando, querendo prevenir desavenças
semelhantes decide repartir a ilha equitativamente em duas capitanias,
atribuindo a de Angra, a João Vaz Corte Real, e a da Praia, a Álvaro Martins
Homem, que até então radicado em Angra sai com indemnização pelas obras
materiais que anteriormente ali realizou. De recordar que "No seu governo,Angra e Praia terão sido
feitas vilas, São Sebastião (próximo do antigo lugar da Ribeira de Frei João)
sê-lo-á em 1503 e Angra elevada a cidade em 1534, altura em que se torna sede
de bispado".- Faltava esta
introdução para melhor se perceber o sentimento bairrista que caracteriza o
povo terceirense e que surge retratado nas tradições e festividades religiosas
de cada freguesia da ilha, sobretudo por ocasião da festa do orago local ou à
volta da do Espírito Santo, onde também rara é a povoação que não tenha o seu
Império. Destes, nem mesmo tendo a jeito uma colecção com 18 exemplares,
gentilmente ofertada pela terceirense Rita Fagundes Barcelos, de São Sebastião,
nos serve de base aproximada aos 68 Impérios existentes na ilha. Quanto à sua
configuração e objectividade, a antropóloga Helena Ormonde nos vai falar:
"O Império é uma construção de um só
compartimento de planta aproximadamente quadrangular, elevada sobre as
fundações que o colocam num plano superior ao das outras construções do
aglomerado, abrindo-se na fachada através de porta e janelas que o ladeiam, por
vezes com peitoris de ferro fundido e frontal triangular encimado por um dos
símbolos do Espírito Santo - a pomba ou a coroa - pintado, assim como as
barras, estas de cores fortes. Tem acesso por escada exterior, nalguns casos de
madeira e removível, e o tecto é de duas águas. O interior é ocupado por uma ou
mais mesas, alguns bancos ou cadeiras, nichos e altar na parede do fundo.
Encerrado durante quase todo o ano, abre-se nos domingos de Pentecostes e da Santíssima
Trindade para receber o imperador e a vereação. Este e os seguintes são alguns
dos momentos altos das Festas do Espírito Santo: após a coroação na igreja e a
benção do pão e do vinho na dispensa (divisão ou construção próxima em que se
guardam), o cortejo dirige-se para o Império, onde depõe as insígnias que
transporta (coroas, bandeiras e varas); e, na praça, tem lugar o bodo: a
distribuição do pão e do vinho. E, depois deste, a função (jantar) em casa do
imperador: de sopas, cozido e alcatra. Durante a tarde e novamente no Império,
o imperador deve convidar a entrar e a servir-se da carne assada, massa sovada
e vinho, aqueles que páram ou passam no terreiro devem deixar algum dinheiro.
Até ao anoitecer, o Império permanece de porta aberta e um constante vaivém de
gente. Sob o aparente caos da festa, estreitam-se relações segundo regras mais
ou menos definidas, em que a dádiva alimentar e a contra-dádiva são o meio e o
imperador a figura central. Com algumas variações, este cerimonial ocorre
ciclicamente em toda a ilha e arquipélago, também, reforçando deste modo, em
associação ao sagrado, posições sociais, sentidos e sentimentos de
comunidade".- Culto que
atravessa as ilhas, ou melhor dito o coração dos açorianos, onde quer que
vivam, é entretanto na Terceira que mais relevo atinge, e com "as
marradas", de que falaremos a seguir, cartaz festivo da ilha.
Costa Pereira
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