sexta-feira, 8 de março de 2013

Vila Real descobriu o valor da biodiversidade, para além da ecologia


Abel Coentrão
03/03/2013
Concelho juntou-se à Universidade de Trás-os-Montes e a outros parceiros num projecto que visa conservar e valorizar, social e economicamente, as suas riquezas ambientais

 É um concelho que tem, muito provavelmente, o maior jardim botânico da Europa. Mas quase não o deu a conhecer, até hoje. A invisibilidade deste tesouro criado em pleno campus da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) na década de 80 diz bem da relação de Vila Real com o seu património biológico. Mas tudo isso está a mudar, graças ao Programa de Preservação da Biodiversidade que, soube-se anteontem, acaba de ser considerado um dos cinco melhores em curso em três centenas de municípios de todo o mundo, pela Associação Internacional de Cidades Educadoras.
 A distinção por esta rede de cidades foi anunciada em plena Bolsa de Turismo de Lisboa, onde o concelho de Vila Real esteve a mostrar-se como um destino interessante para quem gosta de associar férias e ecologia. Entre outras novidades, essas pessoas vão ter, já a partir do Verão, dez biopercursos assinalados no terreno nos quais, além de tratarem da saúde ao andar a pé, poderão descobrir alguma da fauna, flora e ainda património geológico, com informações disponíveis, em cada lugar, no seu smartphone, se este tiver um GPS.
 Vila Real activou o seu "GPS" há três anos, quando, após discussões em torno da Agenda XXI local, muito virada para as questões da sustentabilidade, percebeu que se quer posicionar entre os sítios do mundo conhecidos por uma relação positiva com a natureza, explicou ao PÚBLICO Carlos Lima, do Departamento de Planeamento e Desenvolvimento Sustentável da autarquia. Com metade do território alvo de medidas de protecção, quer fazer disso um valor.
 O termo "uso condicionado", muitas vezes utilizado para falar de áreas onde não se pode edificar, nem sequer foi pronunciado pelo vereador do Ambiente, Miguel Esteves, muito satisfeito com esta parceria. E se, noutros municípios com áreas em parques naturais, o discurso é habitualmente crítico, por causa de oportunidades que tal classificação "impede", aqui, ter 40% da área inserida no Parque Natural do Alvão e no sítio Alvão-Marão da Rede Natura 2000 é visto como uma vantagem.
Borboletas
 E há muito para proteger. Muito para conhecer e ver. Só entre as aves há 126 espécies em Vila Real, território do lobo-ibérico e de outros mamíferos, como morcegos (21 espécies) a lontra ou o gato-bravo; habitat de uma vintena de répteis; e de 14 espécies de micromamíferos, como a vulnerável toupeira-de-água. Este é ainda território de bivalves, como os mexilhões-de-rio, de anfíbios como a rã-de-focinho-pontiagudo ou a Salamandra lusitanica, ambos em situação de vulnerabilidade também, e de uma, entre várias borboletas, a Maculinea alcon, muito famosa pelo risco de desaparecimento que enfrenta e por ter aqui o seu poiso favorito no nosso país.
O reaparecimento da borboleta-azul (ver caixa ao lado) simboliza uma espécie de reconciliação do homem - a actividade mineira no Vale da Campeã foi abandonada - com a Natureza, que voltou a criar condições para este leptidóptero. Outros projectos, como o da renaturalização das margens do rio Corgo, visam proteger as espécies de flora e fauna identificadas ao longo deste importante afluente do Douro. Algo só possível depois de concluído um invísível trabalho de monitorização, levado a cabo, ao longo dos anos, por investigadores da UTAD, pelo Parque Natural do Alvão ou por associações que se tornaram parceiras do programa.
 Coordenador pelo lado da autarquia, Carlos Lima assume que, no fundo, o munícipio tratou de agarrar "várias pontas soltas", agregando num mesmo projecto dezenas de pessoas que, sem o saberem, trabalhavam para um objectivo comum. Em "tempo de vacas magras", o apoio de 1,7 milhões de euros de fundos europeus, por via do Programa Operacional do Norte, foi essencial para levar a cabo todo um conjunto de iniciativas que, além dos objectivos conservacionistas, não esconde a intenção de transformar a sociedade local, chamando-a a participar em acções como as "rogas dos rios" - raides de limpeza de margens de cursos de água - para um maior conhecimento desta riqueza.
 Riqueza que, pretendem os promotores, deverá também ter reflexos no plano económico. O projecto contempla iniciativas de dinamização de algumas actividades, agrícolas, comerciais e turísticas, de baixo impacto na natureza. E segundo o coordenador científico, Mascarenhas Fernandes, há condições para, no futuro, alargar ao resto da região transmontana, pontuada por vários parques e com alguns projectos ligados à biodiversidade, o conceito que está a ser aplicado em Vila Real. Uma cidade que até tem um jardim botânico de 130 hectares, maior do que os famosos Royal Kew Gardens, de Londres, e que pretende dá-lo a conhecer ao país. Os participantes no Fórum da Biodiversidade, que se realiza a 21 e 22 de Março na cidade, vão ter uma oportunidade para o apreciar.

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