quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Manuela Criner - Histórias de vida



Manuela Criner

"A SOCORRO E A DORES eram duas irmãs espanholas que viviam perto da casa dos meus AVÓS e amigas da minha " futura MÃE ". Um dia foram a COIMBRA ver a Queima das Fitas. Com a confusão cada uma foi para seu lado e às tantas a irmã Dores, muito aflita, vendo a irmã a afastar-se, chamou-a em voz alta :- Socorro !Socorro !
 Quem poderia imaginar que o seu pedido de socorro era apenas a chamar a sua irmã Socorro ? Julgando que a senhora se estava a sentir mal, perguntaram-lhe o que tinha. E ela só dizia - Socorro! Socorro
 Então agarraram-na para a levarem ao Hospital. Aflita, gritou ainda com mais força- Socorro! Socorro!
Finalmente a Socorro veio em seu socorro, socorrendo a irmã Dores do socorro que os outros lhe queriam prestar.

E AGORA UMA OUTRA, PEQUENINA.

Tinha três anos e havia um miudito que ia sempre lá a casa pedir esmola. Tinha uns sete anos - morreu afogado com vinte e cinco- e vestia sempre uma camisola interior sem mais nada. Eu olhava e não compreendia. A minha Mãe agarrava-me ao colo, mandando-lhe dar um prato de sopa e dizendo-lhe que não tornasse a vir sem calças. Mas o miúdo voltava e eu olhava e, sinceramente, lembro-me de perguntar porque é que eu não...
 Eu julgava que éramos todos iguais...alguma coisa não estava bem...
 A minha Mãe se encarregou de lhe arranjar um par de calças...

E MAIS OUTRA...

Mais ou menos nessa idade, antes de ir para o Jardim-escola, não era nada fácil dar-me comida. Nesse dia fizera uma canja, não de galinha, mas com um bocadinho de chouriço. E, pacientemente, lá me ia dando a sopa. Lembro-me que na sala estava um homem para falar com o meu Pai. Por um momento a minha Mãe ausenta-se e no mesmo instante o homem levanta-se, põe a mão na sopa, retira o pedaço de chouriço, engole-o quase inteiro e senta-se de novo. Tudo isto em poucos segundos, porque a minha Mãe vem logo a seguir e repara que há algo diferente. Digo de imediato " ele tirou o chouriço da sopa com a mão e comeu". O homem negou, mas a minha Mãe sabia que eu não era capaz de comer aquele bocado de chouriço e muito menos de o engolir sem mastigar... e era óbvio. Lembro-me que deitou a sopa fora, dizendo ao homem que aquilo não se fazia a ninguém e muito menos a uma criança. E pediu-lhe que saísse. O homem ficou envergonhado porque estava comprometido. Há atitudes que não se compreendem. Vivia bem e fome seria a última coisa que ele teria. Apenas gulodice.

 

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