TEMPOS SOMBRIOS |
O tempo histórico de entre
guerras afectou as vidas de cidadãos invulgares. Contemporâneos mas muito
diferentes. Alguns mal se conheciam. Essa época triste da Humanidade, matou
alguns deles, determinando a vida e obras de outros. Alguns, contudo, mal
sentiram os seus efeitos. Esses “tempos sombrios” estão expressos no famoso
poema de Brecht “Aos que virão a nascer”[1]. Nele
o poeta e dramaturgo fala da desordem e da fome, dos massacres e dos
assassinos, da revolta contra a injustiça e do desespero, do ódio legítimo que,
apesar de tudo, nos desfigura, da cólera justificada que nos enrouquece a voz.
Tudo isto que não era nem segredo nem mistério, era bem real, pois passava-se
em público, não estava, no entanto, ao alcance de todos, porque a tragédia, a
catástrofe que arrasou tudo e todos foi bem camuflada pelos discursos e pelo
palavreado dos representantes oficiais do “poder estabelecido” (ou do
“sistema”), que engendravam engenhosas variantes para explicar os factos mais
desagradáveis, degradando os valores morais, convertendo a verdade numa
trivialidade sem sentido. Disto trata Sartre na Náusea, descrevendo estas condições em termos de má fé e esprit de sérieux[2], um
mundo onde todo o individuo publico pertence à categoria dos salauds[3]. Do mesmo
modo o faz Heidegger n’O Ser e o Tempo referindo-se
ao “eles” e à sua “tagarelice”. A única forma de fugir a esse mundo banal, de
“trivialidade incompreensível” é aquilo que desde Parménides e Platão, os
filósofos sempre opuseram ao domínio político: a solidão.
Revisitar Brecht, é revisitar
esses “tempos sombrios”, que também são os de hoje:
(…)
Entrei nas cidades no tempo da desordem
Quando lá reinava a fome.
Vim para entre os homens no tempo da revolta
E com eles me revoltei.
Assim passou o tempo
Que na terra me foi dado.
O meu pão comi-o entre as batalhas.
Deitei-me a dormir entre os assassinos.
Dei-me ao amor, descuidado
E vi a Natureza sem paciência.
Assim passou o tempo
Que na terra me foi dado.
As estradas levavam ao pântano no meu tempo.
A língua traiu-me ao carniceiro.
Pouco pude fazer. Mas os que mandavam
Sem mim estavam mais seguros, esperava eu.
Assim passou o tempo
Que na terra me foi dado.
Vós, que haveis de surgir da cheia
Em que nós nos afundámos,
Lembrai-vos
Quando falardes dos nossos fracos
Também do tempo sombrio[4]a que escapastes.
Ai, nós
Que queríamos amanhar o terreno para a amabilidade
Não podíamos nós mesmos ser amáveis.
Pensai em nós
Com indulgência
Num poema escrito alguns anos
mais tarde, durante a guerra, fala-nos da sorte que teve em sobreviver a muitos
amigos. E nele cita Margarete Steffin, o enorme Walter Benjamin que, “cansado
da perseguição”, pusera fim à vida, e Karl Koch[5].
1 - Que razões perversas estarão
por detrás do ataque inqualificável ao carácter do actual Primeiro-ministro, Dr.
Pedro Passos Coelho?
Primeiro foi o trabalho de
investigação (?) de José António Cerejo no jornal Público, agora o caso das “escutas”, levantado pelo Expresso.
No primeiro caso, são notórias as
motivações. Implicar o actual Primeiro-ministro num caso de “favores”. O que se
depreende da “investigação”(?) é que o então cidadão Pedro Passos Coelho
procurou fazer pela vida, trabalhando. Depois de uma tentativa de demonstrar o
“favorecimento” da Tecnoforma,
empresa onde o então cidadão Pedro Passos Coelho trabalhava, Cerejo chega à
conclusão que “O total pago à Tecnoforma
na Região Centro cifrou-se assim em cerca de 2,6 milhões de euros, praticamente
10% dos 25,9 milhões…”. E que no conjunto do país, lhe couberam 3% do total das
verbas! Por outro lado, ao tentar encontrar um “esquema” laranja (que foi, como
o foram muitíssimos milhares dos rosas – as PPP, por exemplo, os Institutos, as fundações, etc.), fabricado pelo
então cidadão Pedro Passos Coelho, Soares Marques, à altura presidente da
Câmara de Mangualde, destrói-lhe a tese perversa engendrada: “Quem liderou
todos os contactos e todo o processo de formação profissional na Câmara de
Mangualde foi o dr. António Silva”. E que acabou por dar luz verde ao projecto
porque não vislumbrou nisso “contornos de ilicitude”.
Ou seja, que essa empresa era um
“esquema” de amigos que faziam pela vida, não restam dúvidas. Mas aonde não
havia “contornos de ilicitude”. E que o cidadão em causa era um dos seus
quadros. Com um bom vencimento. Mais nada do que isso. Quanto ao que disse a
arquitecta Roseta, que como um andorinho passou do PSD para o PS, o que se
passou foi simples. Pedro Passos Coelho propôs-lhe um programa de segurança
para edifícios públicos, que não foi aceite. Ponto final.
Quanto às escutas, o caso é mais
grave. Quando é levantado por um jornal como o Expresso, um paladino da democracia!
Transcritas no Sol depois da Procuradora se ter
pronunciado, o que ali se vê é balofo, banal (ao contrário de algumas que foram
destruídas e que vários magistrados se pronunciaram no sentido de indiciarem
crime contra o Estado de Direito!). Uma conversa privada (sem interesse público
algum) que nunca devia ter vindo a público. E se veio, deve investigar-se a
fundo e mandar para a prisão os responsáveis.
Tempos sombrios estes.
Porque a alguns que durante o consulado de Sócrates (e pandilha) foram
poupados, finalmente lhes foram aos bolsos.
2 – O País está no meio de uma
tempestade. Criada pelos socialistas (com buracos de milhares de milhões). Este
governo está encurralado com as batatas quentes socialistas e com os credores.
Os credores exigem-lhe procedimentos para pagar a divida. A emergência é de tal
ordem que até aos que estão no limiar da pobreza se pedem sacrifícios ainda
maiores[6]. Dos
agitadores do PS, aos indignados do PSD e do CDS sabem disto. Os colunistas e
comentadores (do tipo TSF e alguns da TV) também. E sabem as causas que
perigosamente e constantemente omitem. Alguns politólogos (as) pedem outro
governo. Justificam-na com a inconstitucionalidade de algumas medidas. [E aqui
convém informá-los (as) do seguinte: o governo com toda a certeza que alertou
os credores para isso. Mas os credores estão-se borrifando para a constituição.
Quase de certeza que a mandaram mudar!]. Outros argumentam a substituição do governo
por um que vá contra a Troika. Como se isso fosse possível! Há gente muito
culta que não passa de analfabeta (Agostinho da Silva). Como é possível “ir
contra” quem nos emprestou o dinheiro para nos salvar da bancarrota socialista?
Outros acusam o Primeiro-ministro
de incompetência (os comentadores). Pois bem, Pedro Passos Coelho conhece bem o
país real, bem melhor do que eles. Sabe muito bem as dificuldades do povo. Não
gostaria de tomar estas medidas. Mas tem de cumprir um programa assinado pelos
socialistas, do qual não tem responsabilidade alguma porque o herdou.
3- O povo não vai aguentar a
austeridade.
Primeiro porque não é temporária,
vai tardar. Por isso o Doutor Salazar se adiantou (depressa mas sem pressa).
Sabia bem que não poderia demorar muito tempo[7]. Mas
tinha condições que o actual governo não tem. Vivia-se em ditadura, não tinha
credores à perna, e o povo tinha saído de um período histórico trágico: a
primeira república.
Exigira condições de “máxima
liberdade e acção, de escolha e de direcção”, que obteve.
Segundo porque o povo já conheceu
a prosperidade.
Só há uma forma de atenuar a
austeridade, para que a sociedade não sucumba ou não embarque na barbárie.
Equilibrar a economia com a política (cfr. Raymond Aron). E aqui (já o
dissemos) tem importância relevante o BCE (Banco Central Europeu).
Reestruturando a divida (com a possibilidade de algum perdão, principalmente a
contraída já em especulação de mercado). Ou seja, fazer o que foi feito com a Alemanha em 1957. É bom que a Alemanha
e aqueles que apoiaram na década de 30 aquele senhor de bigodinho, nada lhes
tendo acontecido, continuando a prosperar (alguns de forma usurária) em
democracia, não se esqueçam do que lhes foi exigido pelas democracias
ocidentais: o pagamento e os juros foram-lhes
indexados ao que o crescimento da sua economia podia pagar.
Armando Palavras
[1] Traduzido por Paulo Quintela, in Bertolt Brecht,
Poemas e Canções, Almedina, Coimbra, 1975, pp. 245-247.
[2] Sisudez, gravidade (com acepção pejorativa).
[4] Na tradução de Paulo Quintela: Tempo escuro.
[5] Listas das Perdas, Paulo Quintela, p.68.
[6] O Estado Providência – Welfare State (que já havia sido ensaiado com algumas medidas de
Bismark e de alguns sociais democratas) concretizou-se sob a batuta do
trabalhista (que também colaborou em governos conservadores de Churchill) Clement Attle, apesar das grandes
dificuldades económicas (penúria do carvão em Janeiro de 47) e financeiras
(crise da libra esterlina em Julho de 47). Foi inspirado no plano Beveridge (1942). Lá está…as toneladas
de bombas que lhes caíram na cabeça, tornou-os verdadeiramente solidários,
verdadeiramente respeitosos da dignidade humana.
[7] “ O povo português não tem persistência de vontade
para esperar, por qualquer coisa, muito tempo. Se não equilibrarmos rapidamente
o orçamento não nos acreditarão” (Declaração feita por Salazar, em 1928, ao
Presidente Carmona, por este citada em entrevista a Leopoldo Nunes, O Século).
Sem comentários:
Enviar um comentário