segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Tempos Sombrios (2)

TEMPOS SOMBRIOS

O tempo histórico de entre guerras afectou as vidas de cidadãos invulgares. Contemporâneos mas muito diferentes. Alguns mal se conheciam. Essa época triste da Humanidade, matou alguns deles, determinando a vida e obras de outros. Alguns, contudo, mal sentiram os seus efeitos. Esses “tempos sombrios” estão expressos no famoso poema de Brecht “Aos que virão a nascer”[1]. Nele o poeta e dramaturgo fala da desordem e da fome, dos massacres e dos assassinos, da revolta contra a injustiça e do desespero, do ódio legítimo que, apesar de tudo, nos desfigura, da cólera justificada que nos enrouquece a voz. Tudo isto que não era nem segredo nem mistério, era bem real, pois passava-se em público, não estava, no entanto, ao alcance de todos, porque a tragédia, a catástrofe que arrasou tudo e todos foi bem camuflada pelos discursos e pelo palavreado dos representantes oficiais do “poder estabelecido” (ou do “sistema”), que engendravam engenhosas variantes para explicar os factos mais desagradáveis, degradando os valores morais, convertendo a verdade numa trivialidade sem sentido. Disto trata Sartre na Náusea, descrevendo estas condições em termos de má fé e esprit de sérieux[2], um mundo onde todo o individuo publico pertence à categoria dos salauds[3]. Do mesmo modo o faz Heidegger n’O Ser e o Tempo referindo-se ao “eles” e à sua “tagarelice”. A única forma de fugir a esse mundo banal, de “trivialidade incompreensível” é aquilo que desde Parménides e Platão, os filósofos sempre opuseram ao domínio político: a solidão.
Revisitar Brecht, é revisitar esses “tempos sombrios”, que também são os de hoje:

(…)

Entrei nas cidades no tempo da desordem
Quando lá reinava a fome.
Vim para entre os homens no tempo da revolta
E com eles me revoltei.
Assim passou o tempo
Que na terra me foi dado.

O meu pão comi-o entre as batalhas.
Deitei-me a dormir entre os assassinos.
Dei-me ao amor, descuidado
E vi a Natureza sem paciência.
Assim passou o tempo
Que na terra me foi dado.

As estradas levavam ao pântano no meu tempo.
A língua traiu-me ao carniceiro.
Pouco pude fazer. Mas os que mandavam
Sem mim estavam mais seguros, esperava eu.
Assim passou o tempo
Que na terra me foi dado.

Vós, que haveis de surgir da cheia
Em que nós nos afundámos,
Lembrai-vos
Quando falardes dos nossos fracos
Também do tempo sombrio[4]a que escapastes.

                        Ai, nós
Que queríamos amanhar o terreno para a amabilidade
Não podíamos nós mesmos ser amáveis.

Pensai em nós
Com indulgência

Num poema escrito alguns anos mais tarde, durante a guerra, fala-nos da sorte que teve em sobreviver a muitos amigos. E nele cita Margarete Steffin, o enorme Walter Benjamin que, “cansado da perseguição”, pusera fim à vida, e Karl Koch[5].


1 - Que razões perversas estarão por detrás do ataque inqualificável ao carácter do actual Primeiro-ministro, Dr. Pedro Passos Coelho?
Primeiro foi o trabalho de investigação (?) de José António Cerejo no jornal Público, agora o caso das “escutas”, levantado pelo Expresso.
No primeiro caso, são notórias as motivações. Implicar o actual Primeiro-ministro num caso de “favores”. O que se depreende da “investigação”(?) é que o então cidadão Pedro Passos Coelho procurou fazer pela vida, trabalhando. Depois de uma tentativa de demonstrar o “favorecimento” da Tecnoforma, empresa onde o então cidadão Pedro Passos Coelho trabalhava, Cerejo chega à conclusão que “O total pago à Tecnoforma na Região Centro cifrou-se assim em cerca de 2,6 milhões de euros, praticamente 10% dos 25,9 milhões…”. E que no conjunto do país, lhe couberam 3% do total das verbas! Por outro lado, ao tentar encontrar um “esquema” laranja (que foi, como o foram muitíssimos milhares dos rosas – as PPP, por exemplo, os Institutos, as fundações, etc.), fabricado pelo então cidadão Pedro Passos Coelho, Soares Marques, à altura presidente da Câmara de Mangualde, destrói-lhe a tese perversa engendrada: “Quem liderou todos os contactos e todo o processo de formação profissional na Câmara de Mangualde foi o dr. António Silva”. E que acabou por dar luz verde ao projecto porque não vislumbrou nisso “contornos de ilicitude”.
Ou seja, que essa empresa era um “esquema” de amigos que faziam pela vida, não restam dúvidas. Mas aonde não havia “contornos de ilicitude”. E que o cidadão em causa era um dos seus quadros. Com um bom vencimento. Mais nada do que isso. Quanto ao que disse a arquitecta Roseta, que como um andorinho passou do PSD para o PS, o que se passou foi simples. Pedro Passos Coelho propôs-lhe um programa de segurança para edifícios públicos, que não foi aceite. Ponto final.
Quanto às escutas, o caso é mais grave. Quando é levantado por um jornal como o Expresso, um paladino da democracia!
Transcritas no Sol depois da Procuradora se ter pronunciado, o que ali se vê é balofo, banal (ao contrário de algumas que foram destruídas e que vários magistrados se pronunciaram no sentido de indiciarem crime contra o Estado de Direito!). Uma conversa privada (sem interesse público algum) que nunca devia ter vindo a público. E se veio, deve investigar-se a fundo e mandar para a prisão os responsáveis.

Tempos sombrios estes. Porque a alguns que durante o consulado de Sócrates (e pandilha) foram poupados, finalmente lhes foram aos bolsos.


2 – O País está no meio de uma tempestade. Criada pelos socialistas (com buracos de milhares de milhões). Este governo está encurralado com as batatas quentes socialistas e com os credores. Os credores exigem-lhe procedimentos para pagar a divida. A emergência é de tal ordem que até aos que estão no limiar da pobreza se pedem sacrifícios ainda maiores[6]. Dos agitadores do PS, aos indignados do PSD e do CDS sabem disto. Os colunistas e comentadores (do tipo TSF e alguns da TV) também. E sabem as causas que perigosamente e constantemente omitem. Alguns politólogos (as) pedem outro governo. Justificam-na com a inconstitucionalidade de algumas medidas. [E aqui convém informá-los (as) do seguinte: o governo com toda a certeza que alertou os credores para isso. Mas os credores estão-se borrifando para a constituição. Quase de certeza que a mandaram mudar!]. Outros argumentam a substituição do governo por um que vá contra a Troika. Como se isso fosse possível! Há gente muito culta que não passa de analfabeta (Agostinho da Silva). Como é possível “ir contra” quem nos emprestou o dinheiro para nos salvar da bancarrota socialista?
Outros acusam o Primeiro-ministro de incompetência (os comentadores). Pois bem, Pedro Passos Coelho conhece bem o país real, bem melhor do que eles. Sabe muito bem as dificuldades do povo. Não gostaria de tomar estas medidas. Mas tem de cumprir um programa assinado pelos socialistas, do qual não tem responsabilidade alguma porque o herdou.

3- O povo não vai aguentar a austeridade.

Primeiro porque não é temporária, vai tardar. Por isso o Doutor Salazar se adiantou (depressa mas sem pressa). Sabia bem que não poderia demorar muito tempo[7]. Mas tinha condições que o actual governo não tem. Vivia-se em ditadura, não tinha credores à perna, e o povo tinha saído de um período histórico trágico: a primeira república.
Exigira condições de “máxima liberdade e acção, de escolha e de direcção”, que obteve.
Segundo porque o povo já conheceu a prosperidade.

Só há uma forma de atenuar a austeridade, para que a sociedade não sucumba ou não embarque na barbárie. Equilibrar a economia com a política (cfr. Raymond Aron). E aqui (já o dissemos) tem importância relevante o BCE (Banco Central Europeu). Reestruturando a divida (com a possibilidade de algum perdão, principalmente a contraída já em especulação de mercado). Ou seja, fazer o que foi feito com a Alemanha em 1957. É bom que a Alemanha e aqueles que apoiaram na década de 30 aquele senhor de bigodinho, nada lhes tendo acontecido, continuando a prosperar (alguns de forma usurária) em democracia, não se esqueçam do que lhes foi exigido pelas democracias ocidentais: o pagamento e os juros foram-lhes indexados ao que o crescimento da sua economia podia pagar.

Armando Palavras



[1] Traduzido por Paulo Quintela, in Bertolt Brecht, Poemas e Canções, Almedina, Coimbra, 1975, pp. 245-247.
[2] Sisudez, gravidade (com acepção pejorativa).
[3] Patifes.
[4] Na tradução de Paulo Quintela: Tempo escuro.
[5] Listas das Perdas, Paulo Quintela, p.68.
[6] O Estado Providência – Welfare State (que já havia sido ensaiado com algumas medidas de Bismark e de alguns sociais democratas) concretizou-se sob a batuta do trabalhista (que também colaborou em governos conservadores de Churchill) Clement Attle, apesar das grandes dificuldades económicas (penúria do carvão em Janeiro de 47) e financeiras (crise da libra esterlina em Julho de 47). Foi inspirado no plano Beveridge (1942). Lá está…as toneladas de bombas que lhes caíram na cabeça, tornou-os verdadeiramente solidários, verdadeiramente respeitosos da dignidade humana.
[7] “ O povo português não tem persistência de vontade para esperar, por qualquer coisa, muito tempo. Se não equilibrarmos rapidamente o orçamento não nos acreditarão” (Declaração feita por Salazar, em 1928, ao Presidente Carmona, por este citada em entrevista a Leopoldo Nunes, O Século).

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