segunda-feira, 8 de outubro de 2012

A Razão da actual crise europeia



A actual Europa Comunitária ou União Europeia (económica) teve origem na visão extraordinária de dirigentes políticos com uma estatura politica e intelectual incomum, porque a imaginaram fundamentada em princípios éticos e morais. Impulsionada por Robert Schuman,  e Jean Monnet, em tratado assinado em 1951 pela França, RFA, Itália, Bélgica, Holanda e Luxemburgo, surge a CECA (Comunidade Europeia do Carvão e do Aço). Com avanços e recuos, patrocinados negativamente por De Gaulle, outros dirigentes surgiram mais tarde de igual envergadura: Adenauer, Miterrand, H. Kohl e Delors.
Os fundadores tiveram experiências comuns das invasões e tentaram evitar qualquer nova guerra no futuro. E o que testemunharam (as destruições ocasionadas pelos combates, a necessidade de levantar o Velho Continente, a ocupação da Europa de Leste pelo Exército Vermelho, e o receio do expansionismo soviético) obrigou os países da Europa Ocidental a aproximarem-se dos Estados Unidos da América, e a procurarem um meio para uma cooperação orgânica.

Alguns destes gigantes ainda se lembravam da Grande Depressão e sobre a cabeça caíram-lhes toneladas de bombas na Segunda Grande Guerra. Essas memórias tornaram-nos solidários com os povos e inspiraram-nos nessa visão extraordinária que hoje se desmorona porque já não há dirigentes europeus de igual envergadura.

Winstton Churchill
É assim que surge o Estado Social (embora Bismarck tenha iniciado algumas reformas), fundamentado na Social-democracia (que se havia afastado do Socialismo e do Comunismo, mas se aproximara dos liberais) e nos seus princípios éticos e morais.

O que é a ética? Não existe definição concreta. Mas para o senso comum, será fazer o que está certo. E o que é fazer o que está certo? É fazer o Bem. Poder-se-ia então definir ética como a ciência do Bem. E o que é o Bem?
Esta discussão é antiga e não cabe num escrito do género aprofundá-la. Platão dedicou-lhe a vida (e diz-nos que lhe não pode dar uma definição especifica), os não naturalistas como Hobbes e G. E. Moore confrontaram as ideias de Platão, e Aristóteles, numa terceira via, aplica ao Bem, a ética da virtude, ideia também defendida pelos confucionismo e por vários moralistas religiosos.
Perante as limitações de todas estas abordagens podemos, para levar à prática o conceito (já que a ética se situa no campo da teoria e a moralidade no campo da prática, das normas, da conduta), propor como referência um princípio fundamental da filosofia hindu, originário do jainismo: a ahimsa, que significa não causar dano a nenhum ser vivo. Na cultura judaico-cristã, este principio não se estende geralmente aos animais. Esta ideia poderosa, voltamos a encontrá-la no conselho de Hipócrates aos médicos[1]. Está ainda implícita na regra de ouro: “Faz aos outros como queres que te façam a ti”. Que aparece em Mateus (7-12)[2], num comentário à Torah, por Hillel[3], em Aristóteles[4] ou em Confúcio[5].

E vai neste sentido o conceito de justiça que, sendo universal, não se afasta daquilo que propõe Confúcio, ao dizer-nos que “Não é a riqueza que torna um Estado próspero, mas sim a justiça”. Não no sentido judiciário, mas sim no da rectidão, que dá a cada um o que lhe pertence. Num sentido mais lato e abrangente, “Justiça”, neste caso, é tão só o que há de mais sublime nas democracias: igualdade de oportunidades.

Foi isto que a actual Europa perdeu. E perdendo-o, perde-se a si. Perderam-se da memória os valores éticos e morais, a corrupção alastrou e a crise económica chegou[6]. E foi assim, num pico brutal de desemprego, que a República de Weimar (o regime que substituiu a Alemanha imperial) foi derrubada pelos demagogos nazis. E é isto que se começa a observar nos populistas e demagogos que já ameaçam tornar independente a Catalunha (a região mais rica da Espanha) e a Baviera (a região mais rica da Alemanha), ameaçando abrir uma caixa de Pandora na União Europeia, colocando em risco a paz europeia e mundial.
Será justo, será ético o que actualmente se está a fazer aos países endividados? Será ético os credores exigirem juros usurários, agiotas[7], perante a postura impassível dos dirigentes europeus? Será ético pedir tantos sacrifícios à população quando os responsáveis pela crise económica continuam impunes (ressalve-se o caso islandês)?
Gráfico reproduzido no livro de Paul Krugman,
 referindo-se aos Estados Unidos da América. Mas
que bem pode referir-se à Europa - Repare-se como
enquanto a Europa foi solidária, a riqueza se
manteve equilibrada
Será justo que a Europa tenha permitido que 1% da sua população tenha enriquecido escandalosamente, para empobrecer a restante?
É claro que não é justo. É claro que não é ético. É claro que não foi isto que Robert Schuman, Jean Monnet, Adenauer, Miterrand, H. Kohl ou Delors pensaram.
A Europa está a fazer a estes países, o que o pastor-rei (o do mito do anel de Gyges) fez a outros: as maiores malfeitorias sem ser punido[8]. E lembrando-se do primeiro acto da segunda parte da peça de Goethe, Fausto, em que Mefistófeles promete ao Imperador sanear a depauperada economia do Estado imprimindo moeda (o que provocaria a inflação)[9], prefere actuar como Shylock[10] da comédia de Shakespeare, O Mercador de Veneza, que concebe a ideia perversa de trocar dinheiro por carne humana.

Armando Palavras

Mais alguns nomes da maior importância na construção europeia: Willy Brandt, Aristide Briand, Alcide De Gasperi, Valéry Giscard D'Estaing, Georges Pompidou, Harold Wilson.
 



[1] “Duas coisas devem ser um hábito para vós: ajudar os outros ou, pelo menos, não lhes causar dano”.
[2] “E assim tudo o que vós quereis que vos façam os homens, fazei-o também vós a eles. Porque esta é a lei e os profetas”.
[3] “Não faças ao teu vizinho aquilo que não queres para ti”.
[4] “Devemos comportar-nos com os nossos amigos como desejaríamos que eles se comportassem connosco”.
[5] “O que não queres para ti, não o faças aos outros”.
[6] Reeducando os valores sairemos mais fortes dela, mas é para isso preciso reequacionar os programas de Ensino. Porque se deixou de dar importância a uma disciplina como a Filosofia? Houve anos até (em Portugal) que deixou de ser leccionada!
[7] É bem actual o artigo do escritor transmontano Luís Dias de Carvalho, A Usura, em Trás-os-Montes e Alto douro, Mosaico de Ciência e Cultura, 2011, pp. 25-26.
[8] Este mito serviu de alicerce para Platão construir uma das suas obras: A República. E encontra-se descrito no diálogo entre Sócrates e Glaucon, um dos irmãos de Platão.
[9] Tão detestada pelos alemães devido à experiência que tiveram na República Weimar, onde sacos de carvão chegaram a fazer o papel da moeda.
[10] Que bem se distingue de António, o herói da peça, para quem o empréstimo é um dever de amigo de que não pode servir-se para enriquecer.

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