RUI RAMOS |
Rui
Ramos, bem como Nuno Monteiro e Bernardo Vasconcelos e Sousa, como
historiadores, sabem bem que qualquer análise histórica está sempre sujeita a
verificação. E as suas também. Interrogar analiticamente as interpretações
históricas é dar um contributo para o progresso da Disciplina que, durante
décadas, foi dominada por “tribos ideológicas”.
Mas
não foi o que aconteceu com a “apreciação” de Manuel Loff, onde está presente a
deturpação pura e simples do sentido da História
de Portugal coordenada por Rui Ramos. Não tardou que se levantasse uma
“polémica” de “ignorantes”.
Não
vamos perder muito tempo com o assunto. O essencial da “polémica” prende-se com
a Primeira República e com o Estado Novo (vulgo, “tempo de Salazar”).
Sobre
esses dois tempos traremos à liça dois homens das letras: Vasco Pulido Valente
para a Primeira República (trabalho que serviu de base à sua tese de
Doutoramento em Oxford), e Raymond Aron (sociólogo, filósofo, etc. - francês) e
as suas Memórias.
Vasco
Pulido Valente n’O Poder e o Povo[1] (Aletheia, 2010),
diz-nos sobre a I República: “ A partir de 1903[2],
trouxe a politica para a rua. (…) em que não se poupava a demagogia, mas com
uma imprensa vituperante, injuriosa e difamadora, que logo se tornou
popularíssima”.
“Pior
ainda, constantemente provocou a Monarquia à violência. O Mundo, órgão oficioso do jacobinismo indígena, explicava:
“partidos como o republicano precisam de violência”, porque sem violência e
“uma perseguição acintosa e clamorosa” não se cria “o ambiente indispensável à
conquista do poder” (p. 14).
“Surgindo
assim de norte a sul bandos terroristas rivais que se combatiam com ferocidade”
(p. 15).
“Quando
acabou, a I República era execrada e desprezada pela maioria do pais. Não
admira que a segurança que a Ditadura trouxe fosse vista e sentida como uma
forma de liberdade” (p. 16).
“Porque
a questão é esta: como é possível pedir aos partidos de uma democracia liberal
que festejem uma ditadura terrorista em que reinavam “carbonários”, vigilantes
de vários géneros e pêlo e a “formiga branca (como lhe chamavam) do
jacobinismo? Como é possível pedir ao PC que celebre uma República que perseguia
os trabalhadores? ” (p.18).
E
segue por aí adiante relatando factos e episódios.
De
facto, em 2010, foram comemorados[3] os
100 anos, com pompa e circunstância, dessa ditadura terrorista que matava os
inimigos e os amigos. António Granjo, o Primeiro-ministro à época, foi um
desses exemplos. Depois de se refugiar em casa de um adversário político (Cunha
Leal) seu amigo, foi barbaramente assassinado a tiro e a golpes de baioneta,
junto ao Arsenal da Marinha, à beira-rio. Foram ainda abatidos a sangue frio o
Comandante José Carlos da Maia[4] e
Machado Santos[5]. O mesmo destino tiveram o
Comandante Freitas da Silva e o Coronel Botelho de Vasconcelos. No estrangeiro
o povo português era considerado um povo bárbaro, precisamente devido a estes
assassínios em série[6].
Outros
políticos (republicanos!) tiveram que saltar pelo meio das hortas para
escaparem ao destino de Granjo e dos outros. Foi o caso de António José de
Almeida (um politico popular e querido pelo povo) que foi espancado na rua,
acabando por fugir pelas traseiras do Rossio (como João Franco) para não ser
morto!
Sobre
Salazar diz-nos Raymond Aron nas suas Memórias
(Guerra e Paz, 2007): “ Salazar detestava a democracia e o seu regime usava,
também ele, uma polícia secreta. Baptizá-lo de “fascista”, aproximá-lo de Hitler,
de Estaline ou mesmo de Franco, é sacrificar à demagogia ou brincar com as palavras.
Professor de economia politica que o exército pusera no poder para pôr fim ao
caos[7], não
era deste século. Hitler e Mussolini queriam-se e eram efectivamente
revolucionários; Franco também se reclamava do passado mais que do futuro mas,
para chegar ao poder, tivera de travar uma guerra implacável, com a ajuda da
Alemanha hitleriana e da Itália fascista. Salazar recebeu o poder dos militares
e defendeu até ao fim um Portugal cristão, um império lusitano, insensível às
palavras de ordem que se haviam tornado as da modernidade, o crescimento, a
industrialização, os intercâmbios sociais” (pp.512-513).
Sobre
Salazar Pulido Valente nos seus Ensaios
de História e de Politica (Altheia, 2009) diz-nos: “Que Salazar fosse um
intriguista vulgar, um pequeno político e um espírito inculto e medíocre não
parece ocorrer a ninguém. O dinheiro e o poder são sempre injustamente
associados à inteligência” (p. 185).
Concluindo,
diremos que a I República nasceu de uma revolução, Salazar foi chamado ao poder
para pôr cobro ao caos[8]
existente e o 25 de Abril nasceu de um pronunciamento militar.
Oliveira
Salazar pegou nas rédeas de um país que tinha vivido durante 15 anos em guerra
civil permanente. Porque a I República nasceu da violência e aí se manteve. E
essa violência tornou-se num terrorismo de massa (como aliás aconteceu desde a Revolução Francesa). Os grupos
republicanos ligados a outras forças como os anarquistas e bombistas,
torturaram, prenderam, perseguiram, degredaram (e até mataram), e ameaçaram os
seus concidadãos; foram brutais e vulgares na perseguição da Igreja Católica e
verdadeiros falsificadores de recenseamentos e contagens.
Rui
Ramos não “branqueou” coisa nenhuma. Analisou factos com o rigor de historiador
e lançou-os no papel, nessa excelente História
de Portugal. Sempre sujeita a verificações, como é óbvio.
Armando Palavras
[1] Aconselha-se ainda, do mesmo autor, a leitura de A “República Velha” (1910-1917) –
Altheia, 2010.
[2] Referindo-se à geração
do Ultimatum
[3] Por todo o país houve escolas em que as comemorações
duraram meses!
[4] Um dos heróis do 5 de Outubro.
[5] O grande herói da Rotunda.
[8] Social e económico. Em termos económicos numa
situação degradante e preocupante como a de hoje, pois atingiu mesmo a
bancarrota.
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