segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Rui Ramos e a “Polémica “ de Agosto

RUI RAMOS

Rui Ramos, bem como Nuno Monteiro e Bernardo Vasconcelos e Sousa, como historiadores, sabem bem que qualquer análise histórica está sempre sujeita a verificação. E as suas também. Interrogar analiticamente as interpretações históricas é dar um contributo para o progresso da Disciplina que, durante décadas, foi dominada por “tribos ideológicas”.
Mas não foi o que aconteceu com a “apreciação” de Manuel Loff, onde está presente a deturpação pura e simples do sentido da História de Portugal coordenada por Rui Ramos. Não tardou que se levantasse uma “polémica” de “ignorantes”.
Não vamos perder muito tempo com o assunto. O essencial da “polémica” prende-se com a Primeira República e com o Estado Novo (vulgo, “tempo de Salazar”).
Sobre esses dois tempos traremos à liça dois homens das letras: Vasco Pulido Valente para a Primeira República (trabalho que serviu de base à sua tese de Doutoramento em Oxford), e Raymond Aron (sociólogo, filósofo, etc. - francês) e as suas Memórias.
Vasco Pulido Valente n’O Poder e o Povo[1] (Aletheia, 2010), diz-nos sobre a I República: “ A partir de 1903[2], trouxe a politica para a rua. (…) em que não se poupava a demagogia, mas com uma imprensa vituperante, injuriosa e difamadora, que logo se tornou popularíssima”.
“Pior ainda, constantemente provocou a Monarquia à violência. O Mundo, órgão oficioso do jacobinismo indígena, explicava: “partidos como o republicano precisam de violência”, porque sem violência e “uma perseguição acintosa e clamorosa” não se cria “o ambiente indispensável à conquista do poder” (p. 14).
“Surgindo assim de norte a sul bandos terroristas rivais que se combatiam com ferocidade” (p. 15).
“Quando acabou, a I República era execrada e desprezada pela maioria do pais. Não admira que a segurança que a Ditadura trouxe fosse vista e sentida como uma forma de liberdade” (p. 16).
“Porque a questão é esta: como é possível pedir aos partidos de uma democracia liberal que festejem uma ditadura terrorista em que reinavam “carbonários”, vigilantes de vários géneros e pêlo e a “formiga branca (como lhe chamavam) do jacobinismo? Como é possível pedir ao PC que celebre uma República que perseguia os trabalhadores? ” (p.18).
E segue por aí adiante relatando factos e episódios.
De facto, em 2010, foram comemorados[3] os 100 anos, com pompa e circunstância, dessa ditadura terrorista que matava os inimigos e os amigos. António Granjo, o Primeiro-ministro à época, foi um desses exemplos. Depois de se refugiar em casa de um adversário político (Cunha Leal) seu amigo, foi barbaramente assassinado a tiro e a golpes de baioneta, junto ao Arsenal da Marinha, à beira-rio. Foram ainda abatidos a sangue frio o Comandante José Carlos da Maia[4] e Machado Santos[5]. O mesmo destino tiveram o Comandante Freitas da Silva e o Coronel Botelho de Vasconcelos. No estrangeiro o povo português era considerado um povo bárbaro, precisamente devido a estes assassínios em série[6].
Outros políticos (republicanos!) tiveram que saltar pelo meio das hortas para escaparem ao destino de Granjo e dos outros. Foi o caso de António José de Almeida (um politico popular e querido pelo povo) que foi espancado na rua, acabando por fugir pelas traseiras do Rossio (como João Franco) para não ser morto!
Sobre Salazar diz-nos Raymond Aron nas suas Memórias (Guerra e Paz, 2007): “ Salazar detestava a democracia e o seu regime usava, também ele, uma polícia secreta. Baptizá-lo de “fascista”, aproximá-lo de Hitler, de Estaline ou mesmo de Franco, é sacrificar à demagogia ou brincar com as palavras. Professor de economia politica que o exército pusera no poder para pôr fim ao caos[7], não era deste século. Hitler e Mussolini queriam-se e eram efectivamente revolucionários; Franco também se reclamava do passado mais que do futuro mas, para chegar ao poder, tivera de travar uma guerra implacável, com a ajuda da Alemanha hitleriana e da Itália fascista. Salazar recebeu o poder dos militares e defendeu até ao fim um Portugal cristão, um império lusitano, insensível às palavras de ordem que se haviam tornado as da modernidade, o crescimento, a industrialização, os intercâmbios sociais” (pp.512-513).
Sobre Salazar Pulido Valente nos seus Ensaios de História e de Politica (Altheia, 2009) diz-nos: “Que Salazar fosse um intriguista vulgar, um pequeno político e um espírito inculto e medíocre não parece ocorrer a ninguém. O dinheiro e o poder são sempre injustamente associados à inteligência” (p. 185).
Concluindo, diremos que a I República nasceu de uma revolução, Salazar foi chamado ao poder para pôr cobro ao caos[8] existente e o 25 de Abril nasceu de um pronunciamento militar.
Oliveira Salazar pegou nas rédeas de um país que tinha vivido durante 15 anos em guerra civil permanente. Porque a I República nasceu da violência e aí se manteve. E essa violência tornou-se num terrorismo de massa (como aliás aconteceu desde a Revolução Francesa). Os grupos republicanos ligados a outras forças como os anarquistas e bombistas, torturaram, prenderam, perseguiram, degredaram (e até mataram), e ameaçaram os seus concidadãos; foram brutais e vulgares na perseguição da Igreja Católica e verdadeiros falsificadores de recenseamentos e contagens.
Rui Ramos não “branqueou” coisa nenhuma. Analisou factos com o rigor de historiador e lançou-os no papel, nessa excelente História de Portugal. Sempre sujeita a verificações, como é óbvio.

Armando Palavras



[1] Aconselha-se ainda, do mesmo autor, a leitura de A “República Velha” (1910-1917) – Altheia, 2010.
[2] Referindo-se à geração do Ultimatum
[3] Por todo o país houve escolas em que as comemorações duraram meses!
[4] Um dos heróis do 5 de Outubro.
[5] O grande herói da Rotunda.
[6] Até foi assassinado um presidente da República: Sidónio Pais.
[7] Da I República.
[8] Social e económico. Em termos económicos numa situação degradante e preocupante como a de hoje, pois atingiu mesmo a bancarrota.

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