sábado, 7 de julho de 2012

Memórias de Céu e Inferno de António Passos Coelho

VILA REAL - BLBLIOTECA MUNICIPAL (Auditório Dr. Júlio Teixeira)


Amónio Passos Coelho nasceu em Valnogueiras (Vila Real)
em 1926. Formou-se em Medicina na Universidade de Lisboa.
 Estagiou no caramulo (1954). Em 1960 obtém a especialidade
em Pneumotisiologia. Em 1970 exerce funções em Angola, onde
é encarregado de organizar a luta antituberculosa. Em 1973 é
nomeado Director do Hospital-Sanatório de Luanda  e é responsável
pelo curso de Tisiologia na Faculdade de Medicina de Luanda.
Regressado a Portugal desenvolveu a actividade em Vila Real,
 onde desempenhou numerosos cargos. Paralelamente desenvolveu
uma considerável actividade literária, publicando vários livros de
contos como Gente da Minha Terra e Histórias Selvagens. Além de
poesia,  dedicou-se ao romance: Caramulo (reeditado em 2006),
Zélia (2008)  e Angola, Amor Impossível (2011).
Vai ser lançado em Vila Real, no próximo dia 13 de Julho, pelas 21H, o livro de António Passos Coelho, Memórias de Céu e inferno (Fronteira do Caos Editores), no Auditório da Biblioteca Municipal, Dr. Júlio Teixeira, uma iniciativa do Grémio Literário Vila-realense.
A história passa-se no tempo em que foi inventada a esferográfica. Dela deixamos um resumo alargado dos três primeiros capítulos.

Silvestre foi entregue à tia, irmã de sua mãe, ainda de peito, com treze meses e sete dias. A vida miserável que padeciam, pois não raras vezes se alimentavam de caldo, não deixou que fosse tratado como mais um dos cinco filhos do casal. Em Peneda, uma pequena aldeia do Douro, a tia tinha, além da labuta da casa, que carregar água para casa da professora e tratar da casa do vendeiro, para onde se deslocava acompanhada por um dos fedelhos (muitas vezes o pequeno Silvestre) para pôr termo às más línguas.
O tio trabalhava numa quinta de Além Douro e só vinha a casa aos Sábados. Nos dias da semana a tia dormia com a pequena Graça, algumas vezes também com Silvestre. O resto da canalha distribuía-se num dos compartimentos do pobre casebre. Havia outras duas famílias no povoado, tão pobres como eles. Os Ranholas que eram uns calaceiros e os Peneiras, cujo pai fabricava peneiras. Por vezes faziam algum dinheiro com o estrume que trocavam por haveres agrícolas.
O pequeno Silvestre soubera pela tia que a mãe tinha sido enganada por um mariola, caseiro de uma quinta do Douro. Mas nunca o conheceu. Embora gostasse de todos, tinha uma terna amizade pela Graça que, por sua vez, lhe a retribuía.
A miséria era tanta que andavam descalços no Inverno e a roupa era remendo sobre remendo. Chegou a andar coirapato durante o dia para a tia lavar, corar e secar a sua única roupa.
O Verão que se seguiu ao termo das aulas da primeira classe foi o período mais negro da sua turbulenta infância. Uma tragédia, porque se separou, para toda a vida, da família que o criara até aos oito anos de idade. Porque o iam abandonar como um cabrito? Sentia-se como Hansel e Gretel da história dos irmãos Grimm . Silvestre e a prima, a Graça, choraram juntos, e a tia abraçada a ele molhou-o com as suas lágrimas copiosas e repetidas vezes murmurara que era para seu bem, tratando-o por filho.
Seguiu com o tio para a quinta do Douro e aí pernoitou. No dia seguinte partiu para Lamego na companhia do senhor Xando. O tio insistia para o senhor Xando que honrasse a palavra de tratar bem o menino, pondo-o na escola, pois haviam-no criado como um filho. E, aproximando-se de Silvestre, de voz embargada despediu-se.
Em Lamego, Silvestre tinha a incumbência de fazer companhia ao Cesarinho, filho paraplégico do casal. E tudo foi novidade. Saíra da pobreza extrema para uma vida de fidalgo, onde o ensinaram a comportar-se à mesa, onde o vestiram com as melhores roupas, onde o trataram como filho, matriculando-o na escola, e onde, na verdade, nada lhe faltara. Inclusive umas simples luvas de algodão!
Depois da escola, onde muitas vezes era acompanhado pela D. Guida, esposa de Xando, ia com Cesarinho dar uma volta. Cesarinho, entretanto, ajudava-o nas matérias escolares, pois era ensinado por uma professora particular. Aos fins-de-semana saíam com o senhor Xando para passearem nas vilas da redondeza. A criada, Balbina, também se afeiçoara a Silvestre.
No início custou-lhe muito deixar os tios e os primos, principalmente a tia e a prima, depois…o tempo foi curando as mazelas. Mas a marca ficou para sempre.
D. Guida era como uma mãe, trabalhava nos correios. Em criança e na adolescência, acompanhara os pais em todos os actos religiosos. A vida, porém, havia de a afastar de tais práticas: a primeira adversidade seria a morte da mãe que deixara a família sem o sustento de um vencimento de professora primária; a segunda foi o incêndio do prédio onde se situava o negócio do pai. Ardeu tudo; a terceira desgraça atingiu-a impediosa e brutalmente. O filho, Cesarinho, nascera com aquela doença que o não deixava movimentar-se sozinho.
Ao contrário da esposa, o senhor Xando continuava crente praticante. Para ele os santos não se metiam nestas coisas. E Silvestre acompanhava-o à missa. Mas a critica à religião está bem expressa no diálogo do casal.
O senhor Xando era funcionário do tribunal judicial. E era um crítico do sistema. Nas horas livres recreava-se com a caça, mas não era viciado pois tinha fraca pontaria. Ainda quis levar Silvestre uma ou outra vez, mas D. Guida interpôs-se. O sr. Xando conversava muito com Cesarinho, inclusive contava-lhe os sonhos que tinham, e no fim riam muito.
Cesarinho polarizava as atenções do casal e da Balbina, para lhe mudar as fraldas, etc. E Silvestre ficava perturbado com a instabilidade e insegurança do menino.
Quanto ao resto, uma trama bem urdida, leva-nos pelos caminhos do destino do pequeno Silvestre, desde a viagem de comboio da Régua até Chaves, ao amor vivido com D. Céu.

Adquiram o livro que vale a pena. É uma história emocionante e desconcertante. António Passos Coelho é um "poeta da prosa" como Baudelaire; é um Arquíloco da prosa.

Armando Palavras

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