Especialidades
bovinas
Terça,
27 Março 2012 21:01
(Posta
Mirandesa)
Eu
próprio fiquei surpreendido quando há alguns anos me perguntaram, numa
exposição que fazia em Espanha, sobre as especialidades portuguesas de gado
bovino. Eu falava de peixes, eles perguntavam-me sobre bacalhau e doçaria.
Quando surgiu a pergunta: quais as especialidades culinárias confecionadas com
carne bovina? quase me assustei. E em breve resposta afirmei que a excelente
qualidade das nossas carnes leva a que a principal forma de as consumir (lombo
e vazia) seja na grelha. E depois vinha-me sempre à memória o famoso “Lombo de
Vaca de Empada de Espeto” de Lucas Rigaud e publicado no seu livro “Arte de
Cozinha” (1780). Claro que esta receita não nos identifica, nem nesses tempos.
E aquela designação até quase assusta. De facto a carne vai primeiro no espeto
como que a “selar”, depois é envolvida com várias especiarias, e seguidamente
“embrulhada” em massa para acabar de confecionar no forno.
Mas
entrados no século XX, registamos nas primeiras publicações que as
especialidades de carne de bovinos são espacialmente os bifes e pouco mais,
sendo que temos a registar em restaurantes a confeção de rosbifes. Vejamos o
que Carlos Bento da Maia, no seu livro “Tratado Completo de Cozinha e de Copa”
(1904) sugere-nos, e por ordem alfabética, um Arroz de vitela, Acém de vaca em
bifes panados, Carne de vaca assada no tacho à portuguesa, Costeletas de
vitela, Lombo de vaca, Rosbife, Vaca à jardineira, Vaca de fricassé, Vaca
estufada à francesa, Vitela enrolada, Vitela marmórea e Vitela recheada. Por
estas designações são poucas as utilizações da carne nobre. Muitas destas
receitas utilizam partes do bovino menos importantes ou cuja cozedura tem
outras exigências. Ainda do mesmo autor, e na mesma obra encontramos uma série
de receitas das “miudezas” do bovino. Assim encontramos uma receita para a
Cabeça de vitela, Coração de vaca estufado ou grelhado, Fígado de vaca, Iscas
de fígado de vaca, Língua de vaca gratinada, ou com azedas, ou de fricassé ou à
francesa, Língua de vitela panada, Mão de vaca guisada, ou com molho vilão ou
de fricassé, Mão de vitela frita, Moleja à Bento da Maia, ou frita à francesa
ou à portuguesa. Como podemos observar parece haver mais variedade para os
complementos que para as pecas de carne diretamente. Continuando no século XX e
com o primeiro livro dedicado à “Culinária Portuguesa”, Olleboma em 1936, a
predominância vai para os bifes. Mas vejamos o rol de receitas: Almôndegas,
Bife à Cortador, à Marrare, de Carne de vaca de cebolada, de Vaca à indiana, de
Vaca com molho de queijo, de Vaca enrolados à lisboeta, de Vaca enrolados à
moda de Ovar, de Vaca na frigideira de barro à moda de Lisboa (para mim é o que
habitualmente chamamos hoje de “Bife à Portuguesa”), de Vaca na grelha e de
Vaca à moda do Minho, Carne de vaca estufada, Covilhetes à transmontana, Fígado
de vitela de cebolada, Fígado de vitela recheado à transmontana, Iscas de
vitela à lisboeta, Língua de vaca, Lombo de vaca à Marrare, Miolos de vitela, e
Trouxa de vitela à transmontana. Será que nesta época a cozinha transmontana já
se afirmava com tanta evidência? Perdoem-me o meu sentido regionalista mas a
Carne Mirandesa já se afirmava nos melhores sabores.
Chegados
aos finais do século XX, e lendo a inventário de Maria de Lourdes Modesto na
sua “Cozinha Tradicional Portuguesa” (1982), o panorama não é ampliado. Assim
encontramos para bovino adulto, vaca, nos Açores a famosa Alcatra e a Carne de
vaca à antiga, na Madeira uma Carne assada, e depois na região lisboeta o Bife
à café, Bife à Marrare, Bifes de cebolada, e o Bife com ovo a cavalo. Na região
de Lisboa ainda Mão de vaca guisada. Para a vitela encontramos em
Trás-os-Montes a Posta à mirandesa e Vitela assada no espeto, e na Beira Alta
Costeletas à Moda da Beira e Vitela Assada de Lafões. Ainda as Tripas à moda do
Porto e as Tripas aos molhinhos de Vila Real. Depois encontramos carne de vaca
noutros pratos como o Cozido, as Feijoadas e no Rancho.
Bem,
continua a pergunta: onde param as partes nobres dos bovinos? Romanticamente
não vamos repetir a lenda do envio das partes nobres para as novas descobertas,
ou globalização de resposta fácil. Como referi no início, as carnes nobres,
lombos e vazias, são muitas vezes remetidas para os bifes sendo citado nos menus
o tipo de carne utilizado, e o reflexo imediato no preço praticado. Importante
é a forma de grelhar. Parece que muitos portugueses ainda não aprenderam a
saborear estas carnes quando as exigem “bem passadas”. Os bifes também se
simplificaram e passaram ao “prego” no pão ou no prato. Voltando aos lombos e
às vazias eram utilizadas nos restaurantes para assegurar a moda dos
“tournedós” para os lombos, e dos “rosbifes” para as vazias. Recentemente a
famosa “Posta Mirandesa” assumiu papel de prestígio na nossa atividade de
restaurantes. Lembro que este prato só recentemente passou de petiscos de
feiras para a elite restaurativa. Até quase finais do século XX, a posta era um
naco de carne jovem que era assada nas brasas, nas feiras, e colocada sobre
generosa fatia de pão de centeio. Com a navalha que acompanhava todos os
feirantes, iam cortando a carne enquanto o pão iam ensopando com o sumo da
carne. Bendita hora da transformação deste petisco. Mas sempre comemos carne de
bovino…! Onde ficam as memórias? As minhas melhores memórias ficam na carne de
vaca guisada com macarrão, e outros guisados que já referi em crónicas
anteriores. Quanto às “miudezas” lamento o desaparecimento das molejas tão
apreciadas em França, e que como os miolos, também desaparecidos após a doença
“das vacas loucas”. Portanto continuem a grelhar… as carnes nobres, e a
confecionar no tacho as que necessitam de maior e mais cuidada cozedura.
No
Brasil, para onde levamos parte do nosso gado bovino, resolveram bem a questão
das variedades das carnes, servindo em rodízio.
Mas
descansem pois a nossa carne bovina é excelente e recomenda-se. Para
confirmação vejam a proteção que a legislação lhes dá com denominação especial:
para DOP, Carnalentejana, Carne Arouquesa, Carne Barrosã, Carne Cachena da
Peneda, Carne da Charneca, Carne Marinhoa, Carne Maronesa, Carne Mertolenga e
Carne Mirandesa. Temos ainda IGP a Carne de Bovino Cruzado dos Lameiros do
Barroso, Carne dos Açores e Vitela de Lafões. Para terminar o registo ainda em
DO da Carne de Bravo do Ribatejo. Bem, depois desta lista não há que não ter
orgulho. Para melhor entender as classificações queiram ler em detalhe o Site
da QUALIFICA.
Bocas
à obra… mas acompanhadas por um bom vinho, todas as especialidades saberão
melhor.
©
Virgílio Nogueiro Gomes
atualizado
em Quinta, 29 Março 2012 11:02
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