Otilia Lage |
2.1. Figuras de destaque
Estas memórias do meu velho conhecido e amigo
sapateiro de Lagoaça levaram-me à pesquisa de figuras destacadas da terra, com eçando pelo Conde de Lagoaça de quem muitas vezes
me falava referindo o seu funeral em Lisboa, com
a presença de ministros, secretários de estado, viscondes e outros nobres e
muitas notícias que dele tinham vindo nos jornais com o
se orgulhava de salientar.
Prosseguimos
então, seguindo o encadeamento
genealógico dos Condes e Viscondes de
Lagoaça:
·
O primeiro Conde e primeiro Visconde de Lagoaça, de seu nome ANTÓNIO JOSÉ ANTUNES
NAVARRO, nascido em Lagoaça, concelho de Freixo de Espada à Cinta, a 11 de
Julho de 1803, foi fidalgo-cavaleiro da Casa Real, por alvará de mercê nova de
30 de Janeiro de 1862; com endador
das Ordens de Nossa Senhora da Conceição e de S. Maurício e S. Lázaro, da Itália; Grã-Cruz da
Ordem de Nossa Senhora de Guadalupe, do México; deputado em várias
legislaturas, par do reino e presidente da Câmara Municipal do Porto. Faleceu
no Porto a 17 de Julho de 1867, havendo casado, sete dias antes, com D. Luísa Benedita Monteiro Antunes Navarro,
nascida a 17 de Julho de 1837. Tiveram um filho, António José Antunes
Navarro, que nasceu no Porto a 15 de Março de 1864. O Conde de Lagoaça era filho
de Manuel José
Antunes , proprietário e negociante, e de D. Helena Teresa Antunes , naturais
da Lagoaça. O título de conde foi-lhe concedido por decreto de 31 de Outubro e
carta régia de 6 de Novembro de 1866 e o de visconde, em duas vidas, por
decreto de 2 de Novembro e carta régia de 2 de Dezembro de 1859. Teve por armas um escudo partido
em pala: na primeira as armas dos Antunes e na segunda as dos Navarros. O
brasão de armas foi-lhe concedido por alvará de Agosto de 1862.
JÚLIO DE CASTRO PEREIRA, foi
segundo Visconde de Lagoaça, em verificação da segunda vida concedida a seu tio
António José Antunes
Navarro, atrás citado. Bacharel formado em direito, com endador
da Ordem de Cristo e da Ordem Militar de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa,
por diploma de 27 de Março de 1873, proprietário e negociante na praça do
Porto. Nasceu a 27 de Março de 1836 e casou a 20 de Junho de 1876 com D. Adelaide Henriqueta de Sousa Basto, que
nasceu a 5 de Março de 1849, filha dos primeiros Viscondes da Trindade.
A renovação do título foi por
decreto de 6 de Julho de 1867.
A correspondência telegráfica de A Palavra de 8
de Outubro de 1906 diz: «Foi agraciado com
a com enda de Leopoldo da Bélgica o
sr. conde de Lagoaça, nosso encarregado de negócios do Brasil».
Descendência:
I. D. Alice de Castro
Pereira, que casou a 15 de Janeiro de 1903, na igreja do Bonfim, Porto, com Jaime Guilherme Pimentel de Faro, bacharel
formado em
direito pela Universidade de Coimbra, delegado do procurador
régio.
II. Júlio de Castro Pereira.
E outros.
Por diploma de 18 de Agosto de
1863, publicado no Diário do Governo de 3 de Outubro seguinte, foi
concedida licença a António
José Antunes Navarro, Visconde de Lagoaça, para aceitar a com enda da Ordem Italiana de S.Maurício e S. Lázaro
.Por diploma de 23 de Outubro de
1865, publicado no Diário do Governo de 1 de Dezembro, idêntica licença
lhe foi concedida para aceitar a Grã-Cruz da Ordem Imperial de Guadalupe, do
México.
O decreto que o nomeou par do
reino é de 30 de Setembro de 1865. O que o nomeou Conde de Lagoaça é de 31 de
Outubro de 1866, por ocasião da visita de El-Rei ao Porto, onde fora inaugurar
o monumento
erigido por esta cidade a D.
Pedro IV, sendo ele governador civil do distrito.
O Diário do Governo de
29 de Julho de 1868 traz a relação dos titulares que formavam a Corte, e, entre
eles, menciona o Visconde de Lagoaça.
O segundo Conde de Lagoaça, ANTÓNIO JOSÉ ANTUNES
NAVARRO, nasceu a 15 de Março de 1864 e era filho dos primeiros Viscondes e
primeiros Condes de Lagoaça, atrás citados.
Bacharel formado em direito pela Universidade
de Coimbra (1888), foi par do reino por direito hereditário, antigo secretário
geral do Governo de S. Tomé e Príncipe e depois secretário de legação. Tomou
parte assídua nos debates parlamentares, sobretudo em 1893, fazendo com Marçal Pacheco e Conde de Tomar oposição a um
gabinete regenerador Foi secretário da extinta Câmara dos Pares e serviu com o secretário em várias legações no estrangeiro.
Casou, em 1887, com D. Maria Francisca de Castelo Branco, que nasceu
a 25 de Julho de 1869 e era filha de D. António de Castelo Branco, terceiro Marquês de
Belas e 9º Conde de Pombeiro, e da marquesa D. Júlia de Oliveira Pimentel, neta
paterna de D. José Castelo Branco, 8º Conde de Pombeiro, e da condessa D. Maria
Francisca Luísa de Sousa ;
neta materna de Júlio Máximo de Oliveira Pimentel, segundo Visconde de Vila
Maior, e da viscondessa D. Sofia de Roure Auffdiener, filha do marechal de
campo João Ferreira
de Campos e de D. Emília de Roure Auffdiener.
Faleceu com 53 anos, a 8 de Março de
1917, na Casa de Saúde das Amoreiras,donde foi para a Igreja de Santa Isabel tendo
sido sepultado no Cemitério Ocidental no jazigo do Conde de Farrobo, com o noticiaram então os jornais[1]
Augusto César Moreno –
Nascido em Lagoaça, concelho de Freixo de Espada-à-Cinta, a 10 de Novembro de
1870; filho legítimo de Carolino José Domingues Moreno e de Maria José Lopes de Matos, concluíu
o curso da Escola Normal do Porto, em 1890, onde recebeu vários prémios com altas classificações. Foi professor de ensino
primário em
Mogadouro, Aldeia Galega do Ribatejo e Miranda do Douro,
sendo, por decreto de 7 de Maio de 1903, nomeado professor da Escola Normal de
Habilitação ao Magistério Primário de Bragança. Falecido com 84 anos, na sua residência, na cidade do Porto,
é actualmente o patrono do Agrupamento de Escolas E/B 2-3 de Bragança. Foi
prosador e poeta de mérito, tendo colaborado, ainda com o
estudante, na Gazeta Fiscal de Alvorada de Famalicão e mais tarde com as seguintes publicações: Revista Nova de Trindade
Coelho, Revista Lusitana de Leite de Vasconcelos, Tribuna de Pires de Avelanoso
e ainda Educação Nacional, Ocidente, Revista de Portugal e Brasília e Jornal O
Primeiro de Janeiro onde tinha uma secção de perguntas e respostas sobre
prosódia, intitulada Como falar... Como
escrever... e ainda no Dicionário de Cândido de Figueiredo.
Entre as principais obras de Augusto Moreno, contam-se: o
Dicionário Popular Elementar e Suplementar de Língua Portuguesa (4 volumes),
Lições de Análise, Fonética e Ortografia (3 volumes), Português Popular (2
volumes), Glossário Transmontano, Palavras e Ideias, Curiosidades Filosóficas
dentro e fora do Português, Dicionário de Sinónimos da Língua Portuguesa, etc,
etc.. Em
colaboração com Cardoso Júnior
e José Pedro Machado dirigiu o Grande Vocabulário Ortográfico luso-brasileiro e
a actualização e revisão do Dicionário de Morais.
Augusto Moreno não era dado a grandes relações sociais,
talvez por ter sido vitimado por grave problema de surdez incurável. Era homem
de hábitos simples, sóbrio e modesto, afirmando muitas vezes que sabia muito
pouco ou nada e que precisava saber mais, muito mais. Muito metódico,
trabalhava até de madrugada para cumprir os com promissos
que tinha com as editoras, às quais
corrigia obras a editar.
De espírito muito vivo e culto, Augusto Moreno foi filólogo, prosador, poeta, poliglota, tendo levado uma vida de permanente investigação e dedicação àcom unidade.
Foi vogal, vice-presidente e presidente da Câmara Municipal de
Bragança. Era republicano e apesar de ser ateu confesso era respeitador
e tolerante com as ideias dos
outros.
De espírito muito vivo e culto, Augusto Moreno foi filólogo, prosador, poeta, poliglota, tendo levado uma vida de permanente investigação e dedicação à
·
António
Augusto Aires. Doutor em medicina veterinária pela
Escola Superior de Lisboa, nasceu em Freixo de Espada
à Cinta a 29 de Março de1892; filho de José Francisco
Aires e de D.
Josefa Marcelina Aires, esta da Lagoaça e aquele de Carviçais. Foi veterinário
em Lourenço Marques, Moçambique, tendo desempenhado altas com issões de serviço público e escreveu.
O melhoramento do bovino mirandês – Tese de doutoramento. Junho de 1920.
Lisboa, 1920[2]
Augusto Sebastião
Guerra. Doutor em
medicina pela Escola do Porto. Nasceu em Freixo de Espada
à Cinta a 1 de Maio de 1840. Escreveu: Algumas considerações sobre o tifo
traumático ou podridão do hospital (tese). Porto, 1864 O seu parente
Alfredo Guerra, tenente de artilharia e presidente da Câmara Municipal de
Freixo de Espada à Cinta, informa por intermédio de João José Vaz de Morais,
tenente de infantaria: «Posto que a
referência seja baseada em documentos insufismáveis, não fugiu de Freixo, com o se diz; mas recebendo a notícia, dada por sua
esposa que vivia em Vila Nova de Gaia, de que um seu filho estava gravemente
doente com o garrotilho, com o pedido instante de que o fosse ver ainda com vida, foi, demorando-se alguns dias. Morto o
filho, voltou a Freixo, encontrando-se demitido do lugar de médico municipal,
para que havia sido nomeado contra qualquer indicação política, creio. Tempo
depois(ignoro ao certo quando), o doutor Guerra Tenreiro, irmão do médico,
eleito deputado, fazia em pleno parlamento a sua rehabilitação, sendo natural
que essa rehabilitação provocasse a rectificação no Diário do Governo do desprimoroso despacho de 11 de Janeiro de
1866. Mais tarde (ignoro datas), havendo-se declarado uma epidemia em Lagoaça,
o mesmo médico, já com clínica estabelecida
no Pôrto, ofereceu-se para vir tratar os doentes, oferecimento que foi aceito,
tendo sido louvado no mesmo Diário pelos
serviços prestados. Foi consideradíssimo no Porto, onde, além da larga clínica
prestada, teve uma casa de saúde (ruas do Rosário e do Triunfo), onde praticou
inúmeras operações (cujo quadro procuro obter para ser também enviado), algumas
de imensa responsabilidade e valor».[3]
3. NOVA ABORDAGEM A LAGOAÇA
Já perto de Espanha, surge-nos
Lagoaça, significando, etimologicamente, terreno
alagadiço, pantanoso ou pequena lagoa. Em torno da sua origem antroponómica,
conta-se uma lenda fundacional, a Lenda da Serpente, que a relaciona com a existência mítica de uma serpente gigante,
conhecida por Lagóia (que por evolução fonética, teria originado o
topónimo actual Lagoaça). Habitava a terrível
serpente uma caverna perto do Vale de Santa Marinha. Quando despertava do seu
torpor devido à fome ou por qualquer outro motivo, a Lagóia saía do seu
esconderijo e ai da criança ou adulto que lhe estivesse ao alcance. Fez tantas
vítimas ao longo dos tempos que o povo vivia aterrorizado, sem conseguir que as
montarias para a sua captura dessem resultado pois ela sempre se escapava. Até
que um dia conseguiram enfrentar o terrível réptil, e armados de objectos
cortantes o mataram, voltando a paz à terra.
Lagoaça, onde outrora os judeus eram chamados cházaros[4], é hoje uma das freguesias mais a norte do
concelho de Freixo de Espada à Cinta, de cuja sede dista cerca de 20 km , vizinha do município
de Mogadouro, com uma área de 41,00
km² (4.100 ha )
e mais de 700 habitantes. Historicamente, a sua importância foi bem maior do
que hoje à primeira vista se imagina. Durante a Idade Média, chegou a ser vila
e concelho com foral outorgado pelo
rei D. Dinis, em 26 de Abril de 1286, tendo beneficiado, mais tarde, já no séc. XVI, do foral de Bemposta, dado por D. Manuel em
Lisboa a 4 de Maio de 1512.
Outras referências à história de
Lagoaça, mencionam várias alterações administrativas que terá protagonizado
desde que foi criada com o concelho
em 1286, e pertencendo, desde fins do século XVI, ao curato do Marquês de
Távora, passando a ser da coroa em 1759, e tendo mais tarde transitado para o
priorado, até à sua inclusão definitiva no concelho de Freixo de
Espada-à-Cinta, em 1842, com as
Reformas Administrativas do país, deixando então de pertencer ao concelho de
Mogadouro.
Típica aldeia rural transmontana,
Lagoaça tem a noroeste a Serra do mesmo nome, e apresenta duas zonas naturais e
agrícolas distintas: uma área de planalto de terras férteis, com características climáticas e produções agrícolas
tipicamente transmontanas e uma outra área, a Terra Quente, de terrenos
acidentados voltados para as encostas do rio Douro, com
microclima e culturas próprias do Alto Douro.
Vivendo ainda hoje sobretudo da agricultura
(cereal, azeite e azeitona de conserva, vinho, laranja, alguma castanha e
outras frutas e produtos hortícolas), acom panhada
da pecuária e do artesanato (rendas e bordados), Lagoaça continua a realizar,
no primeiro dia de cada mês, uma feira mensal para troca de produtos.
A sua
população que conserva fortes tradições culturais, dispõe de alguns
equipamentos sociais, com o o Centro de Dia/Lar de Idosos,
locais de lazer e espaços lúdicos com o
o Lago da Fonte Santa, o Miradouro da Cruzinha, o Cais do Douro, um
Polidesportivo e Campo de Futebol, para além de várias Festas e Romarias em que se destacam as Festas de Stº Antão, o
padroeiro, em Janeiro, de Stª Marta em Maio, de Stº António em Junho, de Nossa
Senhora da Stª Cruz em Agosto, e de
Nossa Senhora das Graças em Setembro. Está organizada em 4 associações:
Associação Recreativa e Desportiva de Lagoaça, Associação de Caça e Pesca
de Lagoaça, Associação de
Agricultores e Produtores Florestais de Lagoaça e a recém constituída
Associação Amigos de Lagoaça (AAL).
Encaixada no Parque Natural do
Douro Internacional, a freguesia de Lagoaça detém um inesquecível património
natural e paisagístico, em que se destaca um significativo património
arqueológico, cujos vestígios inclusivé castrejos, com o
as ruínas do povoado fortificado do Castelo Velho, em Teixão, datado da Idade
do Ferro, ilustram a antiguidade do seu povoamento inicial. Localizada em
esporões graníticos sempre teve boas condições de defesa natural que seriam
reforçadas pela antiga construção de uma linha de muralhas em cujo recinto
interior tem sido descoberta cerâmica do mesmo período pré-histórico. Num outro
cabeço sobre a Ribeira do Vale da Marinha se localiza também um castro de
dimensão média, o povoado fortificado de Casal dos
Mouros / Fonte Santa em cujo interior foram já encontrados achados de cerâmica
e em cujas imediações se descobriram as já referidas pinturas antropomórficas,
de arte rupestre. A norte da sede da freguesia, local onde está hoje a capela de Santa Marta , regista-se
ainda o habitat de Santa
Marta , supostamente usado durante a ocupação romana e Idade
Média. Outra referência arqueológica digna de nota é a Necrópole de Cabeço /
Vale Travesso que parece remontar ao período de ocupação romana, com o uma ara em granito com
inscrição, dedicada ao deus Júpiter.
Menção ainda para a
Atalaia do Cabeço do Outeiro, no cume da Serra de Lagoaça, o ponto mais alto da
região, supostamente de origem medieva que foi descrita pelo abade de Baçal com o uma pequena torre com
porta, mas de cuja existência, actualmente, restam ruínas. Teria sido
provavelmente construída durante a guerra peninsular, pois há notícia de
em 1644, se ter dado o saque de Lagoaça e Fornos pelos Castelhanos.
No património cultural
e artístico edificado de Lagoaça, para além de alguns solares oitocentistas, da
Fonte Romana, e da Capela de Stº António, datada de 1646 e com um relógio de sol na fachada, das capelasde Stª
Maria, da Senhora da Lapa e do Senhor da Stª Cruz, entre outras, destaca-se a Igreja Matriz ou
Paroquial de Santo Antão, um templo maneirista e barroco, construído
provavelmente no século XVI mas posteriormente muito alterado (Nicho e
Campanário de 1740), mantendo, no seu interior, retábulos de talha dourada de
estilo barroco nacional e o retábulo-mor, rococó.
(Continua)
[1] In Abade de Baçal- Memórias Arqueológico-Históricas
do Distrito de Bragança.Tomo VI, p. 243-246.
[2] In Abade de Baçal – Ob
cit., Tomo VII, p. 599
[3] In Abade de Baçal, ob
cit., Tomo VII, p. 425.
[4] Conforme notícia avulsa In Abade Baçal ( ALVES, Francisco Manuel) –Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito
de Bragança: repositório amplo de notícias corográficas,
hidro-orográficas, geológicas, mineralógicas, hidrológicas, biobibliográficas,
heráldicas (…) (2ª ed.). Bragança: 2000. Tomo V, dedicado à história dos
Judeus no distrito . Esta obra de Abade Baçal (1909-1947), em onze
volumes, hoje editada em CDROM, edição
patrocinada pela Câmara
Municipal de Bragança, Instituto Português de Museus e
patrocínio da União Europeia é uma fonte incontornável para o estudo da vida,
história e valores do nordeste transmontano.
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