sexta-feira, 20 de abril de 2012

Otilia Lage - O SAPATEIRO DE LAGOAÇA: UM ENCONTRO SINGULAR … - 2


 
Otilia Lage
2.1. Figuras de destaque

Estas memórias do meu velho conhecido e amigo sapateiro de Lagoaça levaram-me à pesquisa de figuras destacadas da terra, começando pelo Conde de Lagoaça de quem muitas vezes me falava referindo o seu funeral em Lisboa, com a presença de ministros, secretários de estado, viscondes e outros nobres e muitas notícias que dele tinham vindo nos jornais como se orgulhava de salientar.

Prosseguimos   então,  seguindo o encadeamento genealógico dos Condes e Viscondes de Lagoaça:

·                    O primeiro Conde e primeiro Visconde de Lagoaça, de seu nome ANTÓNIO JOSÉ ANTUNES NAVARRO, nascido em Lagoaça, concelho de Freixo de Espada à Cinta, a 11 de Julho de 1803, foi fidalgo-cavaleiro da Casa Real, por alvará de mercê nova de 30 de Janeiro de 1862; comendador das Ordens de Nossa Senhora da Conceição e de S. Maurício e S. Lázaro, da Itália; Grã-Cruz da Ordem de Nossa Senhora de Guadalupe, do México; deputado em várias legislaturas, par do reino e presidente da Câmara Municipal do Porto. Faleceu no Porto a 17 de Julho de 1867, havendo casado, sete dias antes, com D. Luísa Benedita Monteiro Antunes Navarro, nascida a 17 de Julho de 1837. Tiveram um filho, António José Antunes Navarro, que nasceu no Porto a 15 de Março de 1864. O Conde de Lagoaça era filho de Manuel José Antunes, proprietário e negociante, e de D. Helena Teresa Antunes, naturais da Lagoaça. O título de conde foi-lhe concedido por decreto de 31 de Outubro e carta régia de 6 de Novembro de 1866 e o de visconde, em duas vidas, por decreto de 2 de Novembro e carta régia de 2 de Dezembro de 1859. Teve por armas um escudo partido em pala: na primeira as armas dos Antunes e na segunda as dos Navarros. O brasão de armas foi-lhe concedido por alvará de Agosto de 1862.

JÚLIO DE CASTRO PEREIRA, foi segundo Visconde de Lagoaça, em verificação da segunda vida concedida a seu tio António José Antunes Navarro, atrás citado. Bacharel formado em direito, comendador da Ordem de Cristo e da Ordem Militar de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, por diploma de 27 de Março de 1873, proprietário e negociante na praça do Porto. Nasceu a 27 de Março de 1836 e casou a 20 de Junho de 1876 com D. Adelaide Henriqueta de Sousa Basto, que nasceu a 5 de Março de 1849, filha dos primeiros Viscondes da Trindade.
A renovação do título foi por decreto de 6 de Julho de 1867. A correspondência telegráfica de A Palavra de 8 de Outubro de 1906 diz: «Foi agraciado com a comenda de Leopoldo da Bélgica o sr. conde de Lagoaça, nosso encarregado de negócios do Brasil».

Descendência:

I. D. Alice de Castro Pereira, que casou a 15 de Janeiro de 1903, na igreja do Bonfim, Porto, com Jaime Guilherme Pimentel de Faro, bacharel formado em direito pela Universidade de Coimbra, delegado do procurador régio.

II. Júlio de Castro Pereira.

E outros.

Por diploma de 18 de Agosto de 1863, publicado no Diário do Governo de 3 de Outubro seguinte, foi concedida licença a António José Antunes Navarro, Visconde de Lagoaça, para aceitar a comenda da Ordem Italiana de S.Maurício e S. Lázaro
.Por diploma de 23 de Outubro de 1865, publicado no Diário do Governo de 1 de Dezembro, idêntica licença lhe foi concedida para aceitar a Grã-Cruz da Ordem Imperial de Guadalupe, do México.
O decreto que o nomeou par do reino é de 30 de Setembro de 1865. O que o nomeou Conde de Lagoaça é de 31 de Outubro de 1866, por ocasião da visita de El-Rei ao Porto, onde fora inaugurar o monumento
erigido por esta cidade a D. Pedro IV, sendo ele governador civil do distrito.
O Diário do Governo de 29 de Julho de 1868 traz a relação dos titulares que formavam a Corte, e, entre eles, menciona o Visconde de Lagoaça.
O segundo Conde de Lagoaça, ANTÓNIO JOSÉ ANTUNES NAVARRO, nasceu a 15 de Março de 1864 e era filho dos primeiros Viscondes e primeiros Condes de Lagoaça, atrás citados.
Bacharel formado em direito pela Universidade de Coimbra (1888), foi par do reino por direito hereditário, antigo secretário geral do Governo de S. Tomé e Príncipe e depois secretário de legação. Tomou parte assídua nos debates parlamentares, sobretudo em 1893, fazendo com Marçal Pacheco e Conde de Tomar oposição a um gabinete regenerador Foi secretário da extinta Câmara dos Pares e serviu como secretário em várias legações no estrangeiro.
Casou, em 1887, com D. Maria Francisca de Castelo Branco, que nasceu a 25 de Julho de 1869 e era filha de D. António de Castelo Branco, terceiro Marquês de Belas e 9º Conde de Pombeiro, e da marquesa D. Júlia de Oliveira Pimentel, neta paterna de D. José Castelo Branco, 8º Conde de Pombeiro, e da condessa D. Maria Francisca Luísa de Sousa; neta materna de Júlio Máximo de Oliveira Pimentel, segundo Visconde de Vila Maior, e da viscondessa D. Sofia de Roure Auffdiener, filha do marechal de campo João Ferreira de Campos e de D. Emília de Roure Auffdiener. Faleceu com 53 anos, a 8 de Março de 1917, na Casa de Saúde das Amoreiras,donde foi para a Igreja de Santa Isabel tendo sido sepultado no Cemitério Ocidental no jazigo do Conde de Farrobo, como noticiaram então os jornais[1]

Augusto César Moreno – Nascido em Lagoaça, concelho de Freixo de Espada-à-Cinta, a 10 de Novembro de 1870; filho legítimo de Carolino José Domingues Moreno e de Maria José Lopes de Matos, concluíu o curso da Escola Normal do Porto, em 1890, onde recebeu vários prémios com altas classificações. Foi professor de ensino primário em Mogadouro, Aldeia Galega do Ribatejo e Miranda do Douro, sendo, por decreto de 7 de Maio de 1903, nomeado professor da Escola Normal de Habilitação ao Magistério Primário de Bragança. Falecido com 84 anos, na sua residência, na cidade do Porto, é actualmente o patrono do Agrupamento de Escolas E/B 2-3 de Bragança. Foi prosador e poeta de mérito, tendo colaborado, ainda como estudante, na Gazeta Fiscal de Alvorada de Famalicão e mais tarde com as seguintes publicações: Revista Nova de Trindade Coelho, Revista Lusitana de Leite de Vasconcelos, Tribuna de Pires de Avelanoso e ainda Educação Nacional, Ocidente, Revista de Portugal e Brasília e Jornal O Primeiro de Janeiro onde tinha uma secção de perguntas e respostas sobre prosódia, intitulada Como falar... Como escrever... e ainda no Dicionário de Cândido de Figueiredo.
Entre as principais obras de Augusto Moreno, contam-se: o Dicionário Popular Elementar e Suplementar de Língua Portuguesa (4 volumes), Lições de Análise, Fonética e Ortografia (3 volumes), Português Popular (2 volumes), Glossário Transmontano, Palavras e Ideias, Curiosidades Filosóficas dentro e fora do Português, Dicionário de Sinónimos da Língua Portuguesa, etc, etc.. Em colaboração com Cardoso Júnior e José Pedro Machado dirigiu o Grande Vocabulário Ortográfico luso-brasileiro e a actualização e revisão do Dicionário de Morais.
Augusto Moreno não era dado a grandes relações sociais, talvez por ter sido vitimado por grave problema de surdez incurável. Era homem de hábitos simples, sóbrio e modesto, afirmando muitas vezes que sabia muito pouco ou nada e que precisava saber mais, muito mais. Muito metódico, trabalhava até de madrugada para cumprir os compromissos que tinha com as editoras, às quais corrigia obras a editar.
De espírito muito vivo e  culto, Augusto Moreno foi filólogo, prosador, poeta, poliglota, tendo levado uma vida de permanente investigação e dedicação à comunidade. Foi vogal, vice-presidente e presidente da Câmara Municipal de Bragança. Era republicano e apesar de ser ateu confesso era respeitador e tolerante com as ideias dos outros.

·                    António Augusto Aires. Doutor em medicina veterinária pela Escola Superior de Lisboa,  nasceu em Freixo de Espada à Cinta a 29 de Março de1892; filho de José Francisco Aires e de D. Josefa Marcelina Aires, esta da Lagoaça e aquele de Carviçais. Foi veterinário em Lourenço Marques, Moçambique, tendo desempenhado altas comissões de serviço público e escreveu. O melhoramento do bovino mirandês – Tese de doutoramento. Junho de 1920. Lisboa, 1920[2]

Augusto Sebastião Guerra. Doutor em medicina pela Escola do Porto. Nasceu em Freixo de Espada à Cinta a 1 de Maio de 1840. Escreveu: Algumas considerações sobre o tifo traumático ou podridão do hospital (tese). Porto, 1864 O seu parente Alfredo Guerra, tenente de artilharia e presidente da Câmara Municipal de Freixo de Espada à Cinta, informa por intermédio de João José Vaz de Morais, tenente de infantaria: «Posto que a referência seja baseada em documentos insufismáveis, não fugiu de Freixo, como se diz; mas recebendo a notícia, dada por sua esposa que vivia em Vila Nova de Gaia, de que um seu filho estava gravemente doente com o garrotilho, com o pedido instante de que o fosse ver ainda com vida, foi, demorando-se alguns dias. Morto o filho, voltou a Freixo, encontrando-se demitido do lugar de médico municipal, para que havia sido nomeado contra qualquer indicação política, creio. Tempo depois(ignoro ao certo quando), o doutor Guerra Tenreiro, irmão do médico, eleito deputado, fazia em pleno parlamento a sua rehabilitação, sendo natural que essa rehabilitação provocasse a rectificação no Diário do Governo do desprimoroso despacho de 11 de Janeiro de 1866. Mais tarde (ignoro datas), havendo-se declarado uma epidemia em Lagoaça, o mesmo médico, já com clínica estabelecida no Pôrto, ofereceu-se para vir tratar os doentes, oferecimento que foi aceito, tendo sido louvado no mesmo Diário pelos serviços prestados. Foi consideradíssimo no Porto, onde, além da larga clínica prestada, teve uma casa de saúde (ruas do Rosário e do Triunfo), onde praticou inúmeras operações (cujo quadro procuro obter para ser também enviado), algumas de imensa responsabilidade e valor».[3]

3. NOVA ABORDAGEM A LAGOAÇA

Já perto de Espanha, surge-nos Lagoaça, significando, etimologicamente, terreno alagadiço, pantanoso ou pequena lagoa. Em torno da sua origem antroponómica, conta-se uma lenda fundacional, a Lenda da Serpente, que a relaciona com a existência mítica de uma serpente gigante, conhecida por Lagóia (que por evolução fonética, teria originado o topónimo actual Lagoaça). Habitava a terrível serpente uma caverna perto do Vale de Santa Marinha. Quando despertava do seu torpor devido à fome ou por qualquer outro motivo, a Lagóia saía do seu esconderijo e ai da criança ou adulto que lhe estivesse ao alcance. Fez tantas vítimas ao longo dos tempos que o povo vivia aterrorizado, sem conseguir que as montarias para a sua captura dessem resultado pois ela sempre se escapava. Até que um dia conseguiram enfrentar o terrível réptil, e armados de objectos cortantes o mataram, voltando a paz à terra.
Lagoaça, onde outrora os judeus eram chamados cházaros[4],  é hoje uma das freguesias mais a norte do concelho de Freixo de Espada à Cinta, de cuja sede dista cerca de 20 km, vizinha do município de Mogadouro, com uma área de 41,00 km² (4.100 ha) e mais de 700 habitantes. Historicamente, a sua importância foi bem maior do que hoje à primeira vista se imagina. Durante a Idade Média, chegou a ser vila e concelho com foral outorgado pelo rei D. Dinis, em 26 de Abril de 1286, tendo beneficiado, mais tarde, já no séc. XVI, do foral de Bemposta, dado por D. Manuel em Lisboa a 4 de Maio de 1512.
Outras referências à história de Lagoaça, mencionam várias alterações administrativas que terá protagonizado desde que foi criada como concelho em 1286, e pertencendo, desde fins do século XVI, ao curato do Marquês de Távora, passando a ser da coroa em 1759, e tendo mais tarde transitado para o priorado, até à sua inclusão definitiva no concelho de Freixo de Espada-à-Cinta, em 1842, com as Reformas Administrativas do país, deixando então de pertencer ao concelho de Mogadouro.
Típica aldeia rural transmontana, Lagoaça tem a noroeste a Serra do mesmo nome, e apresenta duas zonas naturais e agrícolas distintas: uma área de planalto de terras férteis, com características climáticas e produções agrícolas tipicamente transmontanas e uma outra área, a Terra Quente, de terrenos acidentados voltados para as encostas do rio Douro, com microclima e culturas próprias do Alto Douro. Vivendo ainda hoje sobretudo da agricultura (cereal, azeite e azeitona de conserva, vinho, laranja, alguma castanha e outras frutas e produtos hortícolas), acompanhada da pecuária e do artesanato (rendas e bordados), Lagoaça continua a realizar, no primeiro dia de cada mês, uma feira mensal para troca de produtos.
A sua população que conserva fortes tradições culturais, dispõe de alguns equipamentos sociais, como o Centro de Dia/Lar de Idosos, locais de lazer e espaços lúdicos como o Lago da Fonte Santa, o Miradouro da Cruzinha, o Cais do Douro, um Polidesportivo e Campo de Futebol, para além de várias Festas e Romarias  em que se destacam as Festas de Stº Antão, o padroeiro, em Janeiro, de Stª Marta em Maio, de Stº António em Junho, de Nossa Senhora da Stª Cruz em Agosto, e de Nossa Senhora das Graças em Setembro. Está organizada em 4 associações: Associação Recreativa e Desportiva de Lagoaça, Associação de Caça e Pesca de Lagoaça, Associação de Agricultores e Produtores Florestais de Lagoaça e a recém constituída Associação Amigos de Lagoaça (AAL).
Encaixada no Parque Natural do Douro Internacional, a freguesia de Lagoaça detém um inesquecível património natural e paisagístico, em que se destaca um significativo património arqueológico, cujos vestígios inclusivé castrejos, como as ruínas do povoado fortificado do Castelo Velho, em Teixão, datado da Idade do Ferro, ilustram a antiguidade do seu povoamento inicial. Localizada em esporões graníticos sempre teve boas condições de defesa natural que seriam reforçadas pela antiga construção de uma linha de muralhas em cujo recinto interior tem sido descoberta cerâmica do mesmo período pré-histórico. Num outro cabeço sobre a Ribeira do Vale da Marinha se localiza também um castro de dimensão média, o povoado fortificado de Casal dos Mouros / Fonte Santa em cujo interior foram já encontrados achados de cerâmica e em cujas imediações se descobriram as já referidas pinturas antropomórficas, de arte rupestre. A norte da sede da freguesia, local onde está hoje a capela de Santa Marta, regista-se ainda o habitat de Santa Marta, supostamente usado durante a ocupação romana e Idade Média. Outra referência arqueológica digna de nota é a Necrópole de Cabeço / Vale Travesso que parece remontar ao período de ocupação romana, como uma ara em granito com inscrição, dedicada ao deus Júpiter.
Menção ainda para a Atalaia do Cabeço do Outeiro, no cume da Serra de Lagoaça, o ponto mais alto da região, supostamente de origem medieva que foi descrita pelo abade de Baçal como uma pequena torre com porta, mas de cuja existência, actualmente, restam ruínas. Teria sido provavelmente construída durante a guerra peninsular, pois há notícia de em 1644, se ter dado o saque de Lagoaça e Fornos pelos Castelhanos.
No património cultural e artístico edificado de Lagoaça, para além de alguns solares oitocentistas, da Fonte Romana, e da Capela de Stº António, datada de 1646 e com um relógio de sol na fachada, das capelasde Stª Maria, da Senhora da Lapa e do Senhor da Stª Cruz, entre outras, destaca-se a Igreja Matriz ou Paroquial de Santo Antão, um templo maneirista e barroco, construído provavelmente no século XVI mas posteriormente muito alterado (Nicho e Campanário de 1740), mantendo, no seu interior, retábulos de talha dourada de estilo barroco nacional e o retábulo-mor, rococó.

                                                 (Continua)

[1] In Abade de Baçal- Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança.Tomo VI, p. 243-246.
[2] In Abade de Baçal – Ob cit., Tomo VII, p. 599
[3] In Abade de Baçal, ob cit., Tomo VII, p. 425.
[4] Conforme notícia avulsa In Abade Baçal  ( ALVES, Francisco Manuel)Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança: repositório amplo de notícias corográficas, hidro-orográficas, geológicas, mineralógicas, hidrológicas, biobibliográficas, heráldicas (…) (2ª ed.). Bragança: 2000. Tomo V, dedicado à história dos Judeus no distrito . Esta obra de Abade Baçal (1909-1947), em onze volumes,  hoje editada em CDROM, edição patrocinada pela Câmara Municipal de Bragança, Instituto Português de Museus e patrocínio da União Europeia é uma fonte incontornável para o estudo da vida, história e valores do nordeste transmontano.


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