terça-feira, 17 de abril de 2012

Márcia Trigo - Imperativo do Mercado Global de Trabalho, da Competitividade e da Inovação Empresarial (1)


Maria Márcia de
Almeida Trigo
1.       Imperativo do Mercado Global de Trabalho

Morreu o emprego protegido e para toda a vida, igual ao dos nossos pais e irmãos mais velhos. O que se tem passado por toda a Europa, em especial em França - país fundador, com a Alemanha e a Inglaterra, do Estado Social Protector – é disso um sinal, mas os jovens franceses, a quem prometeram um emprego ainda melhor que no passado gritam «contra as mudanças da história», as quais não mais permitem a garantia de um emprego protegido da competição a todos os níveis, igual ao da geração anterior, a qual viveu num mundo com barreiras mil (que a maioria de nós criticava), onde isso foi não apenas pensado, mas realizado e exportado.
Podemos analisar e chorar o passado, mas importante é desenhar e criar um novo futuro, antes que o futuro nos mude à força e com força.


A Rendeira- Jan Vermeer, c.1669-1670
Participei recentemente, em Lisboa, na apresentação de um estudo sobre as tendências das qualificações e da gestão das pessoas. Tudo muito arrumado, certinho, encantatório, mas adormecedor das nossas competências de competição, antecipação, abertura ao novo, criatividade, empreendedorismo e resiliência ao diferente, ao incerto e ao diverso, porque global. Até ouvi de um profissional de gestão de pessoas que «isto do futuro é como o D. Sebastião, o qual pode vir ou não», o que considero um apelo indecoroso ao reforço dos nossos brandos costumes do «deixa andar e depois logo se verá», sobretudo quando a assistência era substancialmente constituída por jovens ou quadros portugueses em risco de desemprego e/ou abaixamento drástico do nível de vida, porque essa é a única certeza verdadeiramente certa, como Francis Fukuyama (cientista, filósofo, político e professor de Stanford nipo-americano) afirmou nas Conferências do Estoril de 2011, este ano sob a temática «Global Challenges, Local Answers».
O que o tal profissional de gestão de pessoas poderia dizer é que o volume de «trabalho/emprego» continua a crescer, mas globalmente: noutras regiões, países, continentes, sectores e noutros contextos, onde se falam outras línguas e vivem outras religiões e culturas. E deveria acrescentar que o trabalho, ainda existente em Portugal e na Europa, está em mutação profunda, crescendo rapidamente o emprego dito atípico, isto é, diferente do que vigorou durante longo tempo: subcontratado, em «part-time», por turnos, sem horário fixo, precário, com remuneração baseada em resultados mensuráveis e não com base em horas de trabalho, etc. E que as empresas empregadoras procuram cada vez mais pessoas com muita energia positiva, auto-motivadas, resilientes à adversidade, «problem solver people», criativas, pontuais e disponíveis para a mobilidade de emprego, empresa, país e continente.


O tecelão - Van Gogh, 1884
O Mercado de Trabalho, incluindo o trabalho e os trabalhadores de conhecimento, é hoje crescentemente global. Basta reparar na emigração e na imigração de trabalhadores, tanto desqualificados como qualificados e altamente qualificados e na deslocalização das empresas, no todo ou em parte, e respectivos empregos/trabalho.
Redes de trabalhadores do conhecimento (mas também outros) estão hoje disponíveis neste mundo plano em que, de repente, milhares de talentos trocam os EUA por Bangalore, na Índia, ou, por Xangai, na China, ou ainda, Taiwan, México, Nova Zelândia, Islândia ou Singapura, como constata D. Heenam, autor de «Flight Human Capital».
Já nos anos 90, Jack Welch, então CEO da General Electric/GE, descrevia assim a sua visão para a última década do século passado «uma organização sem limites, na qual tenham sido derrubadas todas as barreiras internas e externas». Por isso, a GE criou um Centro de operações de serviços partilhados, na Índia, ainda nos anos 90, o qual assegura mais de meio milhar de processos de negócio às operações mundiais da GE; a Nokia instalou na China o seu principal Centro de I&D; a Wal Mart (a maior cadeia mundial de distribuição e líder de baixos preços) abriu dezenas de «supercentros», vendendo e abastecendo-se, na China de mais de 50 mil milhões de mercadorias; as multinacionais de TI e de Electrónica deslocalizam parte da sua cadeia de valor para a Índia, onde concebem (e não apenas produzem) novos e inovadores produtos, a mais baixo preço e igual qualidade. A Cifial portuguesa passou a fornecer-se de válvulas, na China; a farmacêutica portuguesa Hovione possui fábricas na China, desde 1984, com trabalhadores de uma dezena de nacionalidades, e a partir das quais fornece a indústria farmacêutica dos EUA; a DELTA fabrica a maior parte das suas máquinas de café, na China e isto para referir apenas três das muitas outras empresas que deslocalizam produção e mesmo concepção.
O emprego de proximidade é cada vez mais exigente e em menor número, mas, neste mundo plano há imensas oportunidades à espera dos mais audazes. Hoje, a Esperança escreve-se com outras tintas, outras cores, noutras línguas e com cheiros e sabores de outros lugares. Se o trabalho voa, voemos com ele.

2. O Imperativo da Inovação Empresarial

Em 2005, um estudo publicado pela conceituada Harvard Business Review identificou quatro características, comuns às empresas consideradas, nesse ano, as mais inovadoras do mundo: Apple, 3M, Microsoft, GE, Sony, Dell, IBM, Google, P&G e Nokia.
Uma dessas quatro características identificadas consiste precisamente no desenvolvimento de uma cultura e de uma estrutura empresarial capaz de estimular e suportar a Inovação. De facto, todas as empresas referidas foram capazes de institucionalizar a Inovação, criando e mantendo não apenas culturas organizacionais que fazem emergir as melhores ideias e as melhores «performences» do seu capital humano, como todas elas garantiram a recriação continuada de uma estrutura organizacional, ao serviço da Inovação. Ou seja, a inovação empresarial não é uma variável independente que funcione e se justifique por si e para si própria, mas antes uma variável ao serviço da Inovação, baseada em fontes de «destruição criativa», na concepção de Schumpeter:

        Inovação do modelo de negócio da empresa;

          Inovação na criação de novos materiais;

        Inovação de novos produtos, novos serviços ou novas funcionalidades;

        Introdução de um novo método de produção (inovação no processo);

        Abertura de um novo mercado e novos clientes;

        Identificação e captação de novas fontes de fornecimento de matérias-primas, produtos ou serviços.
A ideia e a prática – muito arreigada na maioria das empresas portuguesas, em particular as PME´s e PMI´s - de que a estrutura da empresa ou organização é uma coisa pensada e feita para durar, durante toda a vida, é pois uma ideia a apagar das nossas crenças e atitudes empresariais.
E qual é o tempo certo para mudar a estrutura da organização? Perguntam-me por vezes os quadros e executivos do EMBA. E a resposta é:

        sempre que a estrutura é uma  ameaça e um peso acrescido da qual todos se queixam, porque em vez de ajudar, complica e demora;

        sempre que a estrutura vive sobretudo para se alimentar a si própria, em vez de estar voltada para o negócio da empresa, seus projectos, resultados e para as pessoas que fazem acontecer esses resultados;
        sempre que há mudanças no modelo de negócio, nas tecnologias ou na estratégia;

        e, sempre, que tudo parece estar a correr muito bem, porque podemos estar certamente no fim de um ciclo, sendo altura de nos interrogarmos e interrogar o mercado local e global, sobre qual é a nova vaga ou a nova inovação que é preciso antecipar, para não ficarmos obsoletos e «fora do tempo». E acrescento, citando Charles Handy, «o mundo previsível no espaço de uma geração acabou (...) basear-se naquilo que funcionou bem até ontem, não nos ajudará hoje a encontrar soluções para novos problemas». 

3. Intensidade do Conhecimento e Inovação Empresarial

Durante longos anos, a maioria das empresas mais tradicionais da economia industrial, adoptaram uma «abordagem baseada nos recursos», enquanto as empresas mais competitivas são hoje «organizações criadoras de conhecimento e produtoras de inovação», o que lhes garante uma liderança global, em determinado produto, serviço ou sector de actividade (...), se e enquanto continuarem a ser líderes de inovação e na criação de valor, nesse mesmo domínio ou produto/serviço, isto é, enquanto adoptarem uma estratégia de oceano azul vs oceano vermelho, onde todos competem com todos, por preço quase sempre, numa guerra sem glória e com destino marcado (Blue Ocean Strategy, 2005).
Estas «Empresas Globais do Conhecimento» são complexas e até paradoxais, suportadas por cadeias de «Supply-Chaining» de fornecimento e distribuição igualmente globais, infra-estruturas tecnológicas poderosas que permitem a desconstrução da cadeia de valor, passando da integração vertical para a integração horizontal, com estratégias de produção em «outsourcing global» e/ou mesmo estratégias de concepção (innovation sourcing). Mas, à complexidade dos modelos de negócio, dos processos de concepção e produção, à diversidade de trabalhadores do conhecimento e dos diferentes stakeholders (investidores, accionistas, trabalhadores, gestores, fornecedores, clientes, etc.) corresponde, nessas empresas globais, uma estrutura e uma gestão cada vez mais flexível, mais fluída e mais descentralizada, semelhantes a Orquestras de Jazz, nas quais «a criatividade e o erro fazem parte do processo de inovação, no seio de estruturas ágeis, com baixos níveis hierárquicos» (Weick, 1998).
Podemos sintetizar e sistematizar as principais macrotendências empresariais, no que respeita a cinco dimensões críticas: 1) ambiente externo; 2) estrutura organizativa; 3) gestão das pessoas; 4)  relações de trabalho; 5) novas e inovadoras dimensões.



in: Trás-os-Montes e Alto Douro, Mosaico de Ciência e Cultura (2011)

(Continua)



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