sábado, 5 de novembro de 2011

O Vulcão de Turner

O Aguerrido temeraire ...1838
J.M.W. Turner (1775 – 1851) trabalhou incansavelmente durante sessenta anos. A mãe, Mary, neta de um açougueiro, viria a morrer num asilo de idosos, com perturbações emocionais. O pai era barbeiro[1]. A sua habilidade precoce despertou o interesse de vários arquitectos que lhe encomendaram numerosos trabalhos. Acabou por frequentar a Escola de Belas-Artes da Royal Academy e viajou muito, pela Europa[2].
Auto retrato- 1799
Turner conhecia bem a teoria da cor de Goethe[3] e concordava com ele quando afirmava sentir a natureza como um organismo, como algo que funciona de acordo com certas leis[4]. Talvez por isso John Ruskin, o critico de arte mais influente do romantismo, em 1843 no seu Pintores Modernos[5], onde afirmava que “as obras de Turner permitiam ver o mundo de uma maneira inédita”, se tenha encantado pela sua pintura[6].
O Incêndio da Casa de Londres ... - 1834-35
O seu mundo de cor e luz, seu estilo próprio, criado a partir das suas últimas obras, ainda hoje desencadeia no observador, sensações de deslumbramento. Um poder de mudar a visão do observador, que ainda hoje torna a sua pintura um enigma.
Para Giulio Carlo Argan, o pintor inglês intui um espaço universal, cósmico[7]. Diz mesmo que o espaço é uma extensão infinita, onde “as coisas se envolvem em torvelinhos de água e torrentes de luz, acabando por ser absorvidas e destruídas no ritmo do movimento universal”. Afirma ainda que Turner “revela um dinamismo cósmico que escapa ao controle da razão, mas que pode arrastar o espírito humano a um êxtase paradisíaco ou fundi-lo na angústia”[8]. Ele tem, acrescenta, “uma visão emocionante”.
Noutras palavras, Turner liberta a cor da carga representacional, transformando-a numa expressão da “luta travada pelas forças elementares do universo, sob a forma de luz e de trevas, ou de factores climáticos”[9].
E. H. Gombrich diz na sua História da Arte[10]: “ Turner também teve visões de um mundo fantástico, banhado de luz e resplendente de beleza; mas longe de ser calmo, o seu mundo era cheio de movimento e, em vez de harmonias singelas, exibia aparatoso deslumbramento”[11].
Chuva, Vapor e Velocidade - 1844
Foi, sem dúvida, influenciado pelas ideias de Edmund Burke sobre o sublime e o Belo. Por isso as suas paisagens, em parte, são arrebatadoras, heróicas, incidindo no infinito, na natureza estranha e inconquistada, perante a qual o homem se detém, amedrontado e deslumbrado.

Um fenómeno natural terá influenciado a pintura deste artista hábil e célebre.
Bonneville - 1808-9
Em 1815, na ilha de Sumbawa, na Indonésia, um vulcão há muito adormecido, explodiu na montanha de Tambora. Na explosão e nos tsunamis que se lhe seguiram, morreram cerca de 100 mil pessoas. Foi a maior explosão vulcânica em 10 mil anos; 150 vezes mais forte que a do monte de St. Helens. O equivalente a 60 mil bombas atómicas como a de Hiroxima[12].
Sombras e Trevas, O Crepúsculo do Dilúvio - 1843
As notícias, à época, corriam lentamente e o The Times apenas lhe dedicou um pequeno artigo sete meses depois do acontecimento.
A Quinta Praga do egipto - 1800
Nessa altura já os efeitos de Tambora se sentiam a nível global. A Primavera, nesse ano, não chegou. E o Verão nunca verdadeiramente aqueceu. 1816 passou a ser conhecido como o ano sem Verão. As colheitas estragaram-se em todo o lado. Na Irlanda, a fome e uma epidemia de uma febre tifóide, mataram cerca de 65 mil pessoas. Na Nova Inglaterra as geadas prolongaram-se até Junho e as sementes mirraram, não cresceram. O gado, pela falta de feno, ou era abatido prematuramente ou morria à fome. Foi, talvez, o pior ano agrícola da época moderna.
Tudo isto, porque na altura da explosão, 240 km cúbicos de cinzas fumegantes se tinham espalhado na atmosfera, tapando os raios solares e causando um arrefecimento da Terra[13]. Os ocasos passaram a ser excepcionalmente coloridos. Um colorido turvo captado por Turner[14]; uma obscuridade mortal captada por Byron (Darkness):

Tive um sonho, que não era de todo um sonho.
O Sol chamejante extinguiu-se, e as estrelas
Vaguearam …

Armando Palavras


[1] Taschen, 1993, p. 9.
[2] Esboçando muito. Cf.Turneer Landscapes of France, Guillaud Editions, Paris-New York, s.d..
[3] A tal propósito, FIOLHAIS, Carlos, Curiosidade Apaixonada, Gradiva, 2005, pp. 61-63.
[4] CLARK, Kenneth, Civilização, Martins Fontes, 1995, p. 305.
[5] RUSKIN, John, The Elements of Drawing (1857), in: The Warks, 34 vols, E.T.Cook; A. Wedderburn (eds.), Londres, 1903-12, vol  XV, p. 27.
[6] Ruskin considerava que a Natureza ou é uma manifestação da Lei Moral, ou está sujeita a ela.
[7] ARGAN, Giulio Carlo, El Arte Moderno, p. 32.
[8] Idem, p. 33.
[9] Obras-primas da Pintura Ocidental, Taschen, pp. 418-419.
[10] Phaidon, 2005, p. 492.
[11] De seguida, de uma forma soberba, Gombrich descreve “o Vapor numa tempestade de Neve”.
[12] BRYSON, Bill, Breve História de Quase Tudo, Bertrand, 2010, p. 625.
[13] A nível global, contudo, a temperatura apenas desceu 1º centígrado. Era o termóstato natural a funcionar em pleno.
[14] Na sua pintura posterior a 1815, Turner abre-se. A representação esfuma-se; é apenas o jogo de luz e cor que lhe interessa.

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