José Veríssimo |
No alto daquele cesto da gávea, onde cumpria castigo por ter
escorregado num dos muitos peixes voadores que jaziam agonizantes ao longo do
tombadilho da velha nau de velas esfrangalhadas e ter entornado um barril de
rum, um jovem marinheiro gritou aos quatro ventos:
-Terra à vista! Terra! Terra!
Um arrepio de liberdade percorreu-lhe os ossos entorpecidos
e fê-lo transbordar de alegria. Finalmente ver-se-ia liberto, numa terra
virgem, longe desses malditos voadores que, por vaidade se meteram a ser aves,
redobrando os perigos face a ambição tão enganosa que os matou e for a causa do
seu castigo, bem como da ruína da velha nau.
A natureza não os fizera bons nem maus, tal como a ele, cada
um se fez por si seguindo o seu caminho e cruzando-se com o dos outros. Eles
abraçaram o vício da vaidade, ele a vaidade da virtude, eles por terem maiores
barbatanas teimaram em voar por presunção, capricho e vaidades desmedidas; ele
sábio e venturoso, das coisas mais impróprias fez asas em direcção à liberdade.
Eles, no enredo das velas, dos mastros e do cordame sucumbiram ao narcisismo
dos seus actos; ele, do alto do cesto da gávea, desfrutou da grandeza do seu
voo, eles...
Hoje, tal como ontem neste mar de terra, peixes voadores
pavoneiam os seus dons. Dos mais altos púlpitos esbracejam barbatanas coloridas
em coreografias de voos desajeitados, apregoam retóricas, cujos argumentos não
sustentam, de vaidades e de ambições tão desmedidas a que sucumbem sobre
endividados enquanto embebedam plateias de “loiras” produzidas.
Empertigados de soberba tombam de seus voos perigosamente.
As naus de outrora, privadas de armações, jazem escondidas pelo lodo da sua putrefacção,
no mar da palha ou nas covas mais profundas de mares de areias africanas,
carregadas de promessas. E sempre um jovem marinheiro como dantes, num castelo
de gávea num pinheiro, cumprindo castigo por ter pontapeado um voador
agonizante, perscruta o horizonte «...a árvore, a praia, a flor, a ave, a
fonte, os beijos merecidos da verdade.» ensaia mais um voo rumo à liberdade...
José Veríssimo
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