Donzília Martins Licenciada em Histórico-Filosóficas |
Trás-os-Montes e Alto Douro - Mosaico de ciência e cultura
É para mim uma grande honra estar aqui a apresentar esta maravilhosa obra.
colectânea de autores transmontanos |
Ao ser convidada para escrever um texto, conto, prosa, poesia, que iria integrar uma Colectânea de autores transmontanos, estava longe de imaginar que o mesmo abrangeria um tão ilustre leque de intelectuais, homens de letras, políticos, artistas, músicos, amantes da palavra e mestres da cultura e poesia.
Muito mais me admirava sempre que o Doutor Armando Palavras ia acrescentando à lista nomes importantes dos que já tinham aceitado o convite. E pensava humilde à moda transmontana:
Quem sou eu para estar no meio de autores com uma vida cheia de honrarias e méritos? Como é que eu, tão pequenina, me vou sentir no meio deles? Que honra! Deus é mesmo meu amigo! Deve ser a magia de mais um sonho!
Barroso |
O cúmulo da admiração surgiu no dia em que o Doutor Armando Palavras me convidou para fazer parte do grupo de apresentação do livro aqui na cidade do Porto, na casa regional de Trás-os-Montes. Aceitei-o com muita alegria.
Aguardei os dias em que poderia ter a Grande Obra nas minhas mãos para poder saborear todas as letras, sons, cheiros e cores com que a natureza mesclou o nosso Trás-os-Montes.
Quando o livro chegou, sofregamente o abri, acarinhei no colo, desfolhei e bebi sabedoria em cada página enriquecendo a minha alma.
Li-o devagar! Já reli muitos textos e com eles colori a vida.
O que eu cresci com este livro! O que todos vamos aprender com a sua leitura.
Cada vez que abro as suas 399 páginas mais me orgulho em pertencer a esta casta de gente rude e forte, corajosa e sã, de vontade de aço e ainda o ter nascido para lá dos montes, em ter calcorreado aquelas ásperas e agrestes montanhas, ter estremecido de medo com os negros roncos dos trovões ao passar de noite na serra, ter gelado o meu sangue nas frieiras das mãos e dos calcanhares, nos rigorosos invernos, ter comido o pó fino dos carreiros e bebido o suor poeirento escorrido da teste nas tardes tórridas de verão. Este livro é um hino a Trás-os-Montes.
Só o estar aqui me recompensa de todas essas agruras tão doces, tão saudosas, que, hoje mais do que nunca, me apeteceria voltar a viver, porque reviver, eu as revivo todos os dias.
Foram essas raízes da alma que me alimentaram, me fizeram crescer e chegara aqui.
rosas |
Obrigada aos que tiveram a genialidade de criar esta obra. Também aos que, com sua réstia de sol, me iluminaram, não me esqueceram, e, dando-me a mão, permitiram que eu caminhasse ao seu lado.
Logo na 1ª página, mais precisamente na página nove, o texto de António Neto, encheu-me a alma. E cito:
“Esta colectânea de saberes é uma sentida homenagem a todos os ilustres transmontanos que conseguiram com muito esforço e teimosia tirar da terra o sustento para si e para os seus e que foram capazes do pouco fazerem muito, o que lhes permitiu sonhar que os filhos fossem para doutores em vez de continuarem lavradores. E poucos doutores no país se podem gabar como os que saíram de Trás-os-Montes, de poderem afirmar à boca cheia: eu sei lavrar, sei semear, ceifar, nada me mete medo, muito cedo aprendi a tirar da terra o sustento para mim e para os outros.”
Fim de citação. Estas palavras resumem bem, o espírito transmontano.
Quanto todos nós sentimos isso! Quanto esforço, quanto trabalho, quantas noites por dormir, quanto pão duro, quanta humilhação para atingirmos o sonho de um futuro melhor.
Mais adiante acrescenta:
“Ser transmontano é ser capaz de honrar os seus antepassados, mas acima de tudo é que os nossos filhos sintam orgulho em afirmar, eu sou neto ou filho de transmontano - é um cunho que perdura para lá da morte.”Fim de cit.
Depois todo o livro é um rosário de palavras brancas desfiadas pelo altar de cada autor. Palavras de sabedoria, de heroicidade que fazem da cultura, da vontade e do trabalho o seu cavalo de batalha para uma vida melhor. O seu lema de vida é ser feliz fazendo felizes os outros.
Há nesta obra maravilhas e citações que apetece cantar.
Assim: “Os antigos gregos ofertavam aos seus mortos bolos leite e vinho(…), nós ofertamos-lhe flores e os nossos livros.
cerejas |
É isso mesmo que eu faço. Ofereço flores e os meus livros.
Ao longo destas páginas nascem pérolas, brilham cristais, lapidam-se diamantes de palavras que são aquelas encastradas nas pedras que se deitam na colina a corar ao sol. As jóias das colinas de Lagoaça, consolam-se a olhar o Douro.
Cito também da página 28, Telmo Verdelho: “A nossa terra faz-nos falta para falarmos de felicidade.”E da pag 29:
“O reconhecimento do outro é uma oportunidade de superação dos nossos limites, alarga a esperança de vida e aproxima da felicidade”. Fim de cit.
Que diferença do povo transmontano, de muitos outros!
Caracterizam-nos a hospitalidade:” Entre quem é”. Há sempre um pedaço de pão …
E referindo Torga: “O universo é um lugar sem paredes.”
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E ainda: a humildade, o acreditar, a universalidade, são características que herdamos dos nossos antepassados e nos vêm agarradas à pele.
Da pag 31 cito: ”o gosto da heroicidade vem-nos com certeza da experimentação da extrema humildade da afirmação da vontade contra a aspereza dos montes, da consciência da solidão. Em todo o caso a nossa presunção de heróis é discreta, afirma-se sobretudo fora da terra…”Fim de cit.
Este livro fala sobre mim porque é nele que me encontro, porque é tudo isto que eu sinto, é tudo isto que eu sou sem me aperceber.
Apetecia-me cantar, multiplicar, desmultiplicar e singularizar cada sílaba deste mosaico de cultura e ciência. Toda a página é um cântico de amor ao povo transmontano. É um desbravar de emoções em sons coloridos a forrar-nos a carne e os ossos.
Comemorar os 725 anos duma terra distante para lá dos montes, mas sempre viva pela fé e grandeza dos seus homens, com uma obra desta envergadura, assemelha-se a um sonho de gigante a que um anjo azul emprestou asas para com força, serenidade e beleza alcançar todos os sonhos.
Ao longo duma apetecível leitura pude deliciar-me com os mais variados matizes, cores, cheiros, sabores, costumes, tradições, história, vida, caminho que, nas minhas “Divagações”são lições de vida que me fortalecerão de terra húmida e fértil os restantes dias da minha vida.
Cada colaborador deu de si o melhor que tinha e a sua alma sentia.
Assim, o Dr. Adriano Moreira aproveita para nos dar uma pista para sairmos da crise: E cito:“ trata-se de tirar da terra e do mar os recursos possíveis que tornem menos severa a dependência do estrangeiro e, menos dolorosas as carências que derivam de não se poder gastar mais do que aquilo que se tem.”
Os 73 autores, todos mestres harpistas nos temas que tocam, bem podem alcandorar-se nas fragas que nos olham para lá dos montes e, subidos a elas, abarcarem todo o horizonte estendido no sonho de mais além.
rosas |
Esta é uma obra preciosa para ler e meditar depois de tudo ensinar. Marca, sensibiliza, faz renascer as saudades, o desejo de agarrar o torrão da pequena pátria que é o lugar onde nascemos. Aí, as raízes nunca morrem. Ressuscitam sempre, cada vez que lá vamos regá-las com o olhar.
Razão por que eu também quis fisicamente ocupar a casa onde nasci. Porque ela é a minha identidade. É com ela que falo, nela que vivo mais intensamente, que renasço, e ainda é nela que planto sonhos. É lá a fonte onde bebo, o meu jardim secreto onde colho flores que sempre me perfumam as mãos. São elas os lírios roxos erguidos do chão, as beladonas e as rosas vermelhas da minha infância. É também na minha terra que guardei um pouco de chão, que, em cima dos corpos daqueles que amei, me acolherá para sempre.
Sei que tudo acabará ali, que as raízes, com o tempo, vão secando, que a seiva dos meus não correrá por aqueles caminhos, mas eu caminharei neles até ao fim e serei feliz.
Bem hajam os filhos de Lagoaça e de Trás-os-Montes por tão magnifica iniciativa de dar cor e vida às palavras vividas no coração com uma pintura salpicada de luz, de azuis e verdes que só Trás-os-Montes tem. Esta colectânea mais se assemelha a orlas de mar em que a areia dourada foi substituída por ondas de espigas loiras a marejar a montanha de rochas batidas pelo vento.
Tudo neste livro me prendeu. Cada sílaba foi uma lição, uma saudade, um afecto, um mimo, um colo a levar-me de novo embalada aos braços da minha infância.
Obrigada Doutor Armando Palavras. Obrigada a todos os autores e mentores desta obra de valor incalculável. Quanto mais me apetecia dizer dela, mas fico por aqui.
Leiam. Apalpem a jóia. Saboreiem. Vale bem a pena. Vale bem muitas leituras.
Obrigada e parabéns a todos.
Com o meu abraço amigo da
Donzilia Martins – 16 de Julho 2011
(Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro do Porto)
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