Maria Otilia Pereira Lage (Doutorada em História - com Pós Doutoramento) |
APRESENTAÇÃO DA OBRA:
“TRÁS-OS-MONTES E ALTO DOURO:
MOSAICO DE CIÊNCIA E CULTURA
(COLECTÂNEA DE AUTORES ORIUNDOS DE TRÁS-OS-MONTES)”
DOS LIMITES ( inspiração colhida na sugestiva e bem escolhida capa da colectânea) E DO SOBREVOO DO “CRIADO DO CUCO” (abutre do Egipto, ave rara que nidifica nos esconderijos das fragas inacessíveis do Douro Internacional e assim chamado por a sua migração ser imediatamente anterior à do cuco de que se diz que ele traz a bagagem).
colectânea de autores transmontanos |
Nesta breve introdução, o complexo metafórico de uma multiplicidade de sentidos: o abutre, ave necrófaga, que anuncia o cuco que faz o seu ninho nos ninhos dos outros como sinal de um Portugal hoje no limite da sua soberania, diametralmente em oposição à dinâmica nacional em que D. Dinis outorgava forais nos limites territoriais do país de que Lagoaça é espacio-temporalmente um ponto avançado de observação, vigilância e salvaguarda. Começamos assim por simbolicamente referenciar o tempo-espaço desta colectânea e por explicitar também o lugar donde falamos.
A feliz ideia e tão ousado quanto bem sucedido projecto, de elaborar e publicar uma colectânea de textos que se referenciam na perspectiva abrangente e simultaneamente restrita de autores oriundos de ou próximos de Trás-os-Montes e Alto Douro, evidencia a ligação às origens e raízes, a conhecimentos e modos situados de compreender e (auto-)analisar, em última instância, a constituição de sujeitos históricos moldados em saberes múltiplos e plurais, leigos e eruditos, imersos em práticas políticas, sociais e culturais. Ilustra uma vontade e uma utopia de com partilhar esforços e trajectos que têm sido feitos em várias direcções sem nunca se perder o rumo das origens.
Retrato de Dom Dinis (Rousseau sculp. MNAA-IPM |
Tomando como foco de indagação as experiências partilhadas e partilháveis que esta colectânea transporta, diremos que através da sua leitura assistimos a uma delicada trama de relações e modos de constituição dos sujeitos autores, emergindo de condições bem concretas de trabalho, de estudo e de vida.
Meu contributo nesta apresentação diz respeito à questão da internalização/apropriação das práticas e especificidades de escrita estabilizadas na cultura e na ciência, as quais dão corpo a esta singular colectânea que sente, vive, ama e respira.
Um traço subterrâneo vinca o elo que une as vozes ora inéditas ora relocalizadas destes 74 autores – políticos, militares, escritores, poetas, professores, filósofos, sociólogos, artistas, pintores, médicos -, na sua quase generalidade, nomes dos mais destacados do panorama nacional - dos quais, "last but not least", 11 mulheres.
Poesia e histórias populares mais outras palavras sábias abrem a porta transmontana a “entre quem vem por bem”. Compõem assim a abertura deste livro cuja construção Armando Palavras, um de seus obreiros mais visível, explica lembrando generosamente outros autores que por razões várias, mas não de sectarismo vesgo, aqui não figuram.
Tomando como um dos pontos de partida a formulação de Vygotsky de que as funções mentais são relações sociais internalizadas, proponho considerar a apropriação destes textos como uma categoria essencialmente relacional e articulá-la com a significação das acções humanas.
Barroso |
Com base nesse princípio de orientação e na análise baktiniana dos discursos, acentuo que os modos de pensar, historicamente constituídos, afectam e reverberam nos sujeitos imersos na dinâmica das práticas de escrita, mesmo quando o quase-silêncio potenciado pelas imagens ou pela poesia, se assume como modo contido e intenso de interacção.
Foco a dinâmica de coerência que se estabelece nesta obra de autoria colectiva, o que em parte resulta dessa dinâmica e da sua tessitura interdiscursiva e que faz dela: um trabalho com as literaturas, as políticas, as culturas, as ciências e a(s) língua(s) – português falado e escrito mas a que não falta também a assinatura do mirandês e a evocação do yiddish, nas orações de Outro longínquo destas paragens – trabalho que se afirma como um locus de memórias e histórias a redimensionar a naturalidade, como memória primeira, envolvendo os leitores de modo muito especial e afectivo.
Procurando então levar em conta os diversos textos e suas condições concretas, veremos que em todos eles se confrontam várias possibilidades de desenvolvimento humano contingenciado histórica e culturalmente. Todos eles procuram interpretar e dar visibilidade analítica a um desafio invulgar de ambição e simultaneamente rés à terra que os viu nascer e/ou crescer sempre procurando possibilidades e relações além do seu local de pertença “natural”.
Esta colectânea, incisivo traço multivocal e dialógico ancorado na nossa cultura e identidade ancestrais prima pela qualidade a todos os níveis.
Reúne textos de autores transmontanos dos mais destacados em suas artes e ofícios específicos que vêm, há vários anos, realizando trabalhos, actividade e intervenção múltipla de vulto, pesquisa teórica e empírica, relacionados a formas de actuação teórico-prática no âmbito da cultura, da política, da vida militar, da educação e da ciência. Os textos e trabalhos aqui impressos, de uma enorme diversidade e irrefutável riqueza, cada um de per si e no seu conjunto, polemizam concepções de desenvolvimento, de linguagem, de discursos, de sujeitos e de constituição de (inter)subjectividades. Transportam uma pluralidade de relações e ideologias, de significações potenciais das acções humanas e de apropriação múltipla e diferenciada das práticas sociais e culturais.
Assumindo, a nosso ver, uma perspectiva de “conhecimento situado”, como todo o conhecimento é, sempre parcial e incompleto, os seus autores e autoras, numa concepção de sujeito que se constitui nas relações concretas da vida socio-cultural, propuseram-se descrever, narrar, investigar, criar, imaginar e partilhar as condições e a dinâmica de suas práticas, ideias e ideais de vida fundamentais. Na globalidade, os seus trabalhos na grande maioria, inéditos – condição prévia -, permitem entender:
1) os modos de participação dos sujeitos na “causa pública” e seu enraizamento cultural e científico,
2) a sensibilidade criativa e o valor que contribuem para percepcionar também os modos como as instituições vão marcando os indivíduos e como os sujeitos interagem, provocando ou produzindo mudanças singulares e colectivas.
E no entanto, apesar dos pressupostos comuns indicados pelo coordenador da colectânea, trabalho colectivo de que podemos todos orgulhar-nos, os contributos individuais não são nada homogéneos. Referem-se ou têm subjacentes múltiplas perspectivas e aspectos teóricos, conceptuais, empíricos ou metodológicos. As indagações, as esferas de actividade, as condições de realização; a formação, a história e a biografia de cada autor vão configurando modos singulares de eleição e aproximação dos focos de escrita e de investigação - acção.
Cada um dos textos, cada um dos autores, e todos, no seu conjunto poliédrico - mosaico que se transfigura em dinâmico caleidoscópio – indaga, discorre e discute, aponta e identifica contribuições, intersecções e nuances, pontua ênfases e especificidades, indica desdobramentos e a emergência de novos olhares.
No conjunto dos 74 trabalhos de autores transmontanos e autores que adoptaram as terras transmontanas como suas, organizados em 24 temáticas, cada um se diferencia como um lugar de indagação dos seus autores das suas próprias práticas de escrita, de pesquisa e de intervenção, como tentamos aqui resumidamente ver, numa leitura discutível, a nossa, que se quer deliberadamente aberta a uma polifonia de leituras outras que vos convidamos desde já, a fazer.
A abordagem global ao conjunto dos textos, já que na sua especificidade de cada um que consta do guião de leitura que produzimos mas não iremos ler, tão só porque o tempo que temos para esta apresentação, o não permite, dá-nos uma mundivisão multi-escalar que parte do local, a aldeia de Lagoaça, em que imergimos e de que emergimos, pela mão impulsionadora de António Neto e Armando Palavras, para o país e o mundo, com Adriano Moreira e Loureiro dos Santos, por dentro do que a identidade natural e cultural de Trás –os -Montes e Alto Douro nos levou a produzir e conhecer.
Trás-os-Montes como reserva essencial (Adriano Moreira –Voltar à terra e ao mar) desafiando o dilema sergiano pela utopia de unir enfim a política de fixação e a política de transporte que tem vindo a pautar, secularmente, a história do nosso país e da nossa terra
onde se frisa que “pode ganhar quem contar a melhor “história” no sentido jornalístico do termo” (General Loureiro dos Santos –A Guerra na era da informação). Do local ao ciberespaço as fronteiras diluem-se, face ás guerras com plexas de hoje
Tendo em mente citações que compilamos nas mensagens, testemunhos e reminiscências dos autores presentes nesta colectânea, relevamos núcleos temáticos tão significativos como: o da existência entre nós de duas línguas, o da Diáspora transmontana, o da hospitalidade incondicional e o do reconhecimento do Outro de raízes judaicas, o das Artes (Poesia, e Narrativa, Pintura, Música…), o dos Saberes técnicos e leigos, e o da Ciência (em áreas como as Ciências da Vida, a Arqueologia, a Museologia, a Etnografia e a Antropologia, a Economia, a História, a Geografia, a Informação e a Educação).
Chegados ao termo desta peregrinação por tão diversos périplos, perguntamo-nos, com Hirondino Fernandes e, afirmativamente respondendo, E não é que a luz se fez…!
Assim, num correr sumariado dos textos desta colectânea - rico e variado repositório de saberes múltiplos atravessados porém, pelo mesmo denominador comum: o amor pelo conhecimento e por trás-os-montes e alto douro - , chegámos também nós ao fim da nossa leitura - exercício de múltiplos olhares que não podem ser tomados num sentido empirista e de mero senso comum, antes merecem ser considerados em seu carácter indiciário, no lusco-fusco do (in)visível.
Olhares que trazem implicados modos de conceber, modos de actuar e criar como transmontanos e durienses que assim prestam simbólica vassalagem aos primeiros povoadores de Lagoaça que na raia de países ainda informes foram agraciados por um rei símbolo de lavrador e poeta.
Na medida em que outras leituras tornem visíveis aspectos não necessariamente destacados ou relevados, contribuirão com certeza para uma compreensão mais rica deste mosaico de escritas que se reconfigura no ancestral dom transmontano que a todos une, circunstancialmente, como é o caso aqui, em torno de um acto histórico, cívico, cultural e religioso no seu sentido mais profundo de religar o disperso, assumido como fundacional, numa multiplicidade de formas e de (im)possibilidades de se tornar sujeito e manter activo nas práticas sociais e culturais.
Porto, Casa de Trás-os.Montes, 16 de Julho de 2011
Maria Otília Pereira Lage
Bom dia,
ResponderEliminardesejo adquirir o seguinte livro :
Trás-os-Montes e Alto Douro - Mosaico de Ciência e Cultura
Quais são as possibilidades, para o comprar ?
Aguardo sua resposta,
Melhores cumprimentos,
Domingos