terça-feira, 30 de dezembro de 2025

O Pão Nosso

 

JORGE  LAGE



O Pão NossoO ilustre Cónego Silvério Pires, nascido em Miradeses, Mirandela, acaba de publicar o seu décimo primeiro livro, sob o título «O Pão Nosso…», carregado de simbolismo espiritual, memorial e cultural, com a edição da Câmara Municipal de Mirandela, e tiragem de 350 exemplares.



 A capa mostra uma saudosa roda de azenha e foi impresso na editora Lema de Origem, de Moncorvo. A capa anuncia, uma leitura enriquecedora carregada de memórias: cursos de água, represas ou açudes, empossadas tudo a conjugar-se para um antigo engenho industrial essencial à produção de farinha para o pão nosso de cada dia, fosse de centeio, trigo, cevada, aveia, castanha e na míngua até de rizomas e «bolotras». A contracapa inclui um poema em que sobressai o apertado diálogo: Ó da casa… E a resposta pronta e hospitaleira: Entre quem é… Diálogo hospitaleiro que hoje é uma saudade. A «Dedicatória» é «ao mártir e corajoso Povo Transmontano». No Prefácio inclui o poema «Oração ao Pão», de Guerra Junqueiro. No I capítulo, «O Pão da nossa cultura» diz-nos que «Uma cultura faz-se de tudo: de agriculturas de pão e de vinho, de mel e de alheiras, (…) cantares e lágrimas, sementeiras e colheitas». No capítulo II, «História dos cereais – Ritual da ceifa à colheita…», refere que o pão teve como «berço do seu cultivo primitivo, na zona do Crescente Fértil, entre o Tigre e o Eufrates (…)». Foca aspectos etnográficos e antropológicos, com ditos populares, que são uma constante, ao longo da obra, bem como citações de autores, fazendo distinção entre as várias espécies de pão. O historial do pão, coloca-o há mais de 8.000 anos a.C., na Babilónia e outras regiões antigas onde floresceram civilizações. Numa perspectiva cristã associa o pão ao «Pão Celeste», ao «Pão da Eucaristia» e à sagrada «Ceia Pascal». As actividades ligadas ao cultivo do pão são aqui referidas: lavras, sementeiras, mondas, segadas, acarretas, malhas, moagens e o cozer o pão. Com os rituais e adágios ligados ao pão. Para haver pão eram precisos, como diz no capítulo III, «Azenhas, moinhos hidráulicos de rodízio, forno comunitário e relógios de sol». Fala no célebre moleiro Escaldado de Miradeses e de outros protagonistas da sua terra e como se tecia a teia dos dias e dos anos. Compara o moleiro ao almocreve, no trazer e levar e divulgar. O ritual de cozer o pão e «abençoada seja a fartura, que a fome ninguém a atura». Mas, o livro do Génesis diz aos míticos, Adão e Eva que «comerás o pão com o suor do teu rosto». Seja o pão negro, o pão alvo ou a sêmea. No capítulo IV descreve o «Pão, azeite e vinho, uma trilogia transmontana», introduz a colaboração do grande escritor mirandelense, dos nossos dias, Henrique Pedro, de Vale de Salgueiro, que no conto e no poetar, é um mestre, sendo pena que o nosso Município não aposte mais nos bons escritores, apoiando-os nas edições e divulgando-os. Aliás, os municípios, em vez de oferecerem bugigangas, a quem os visita, devem ofertar cultura, como fez recentemente a Junta de Freguesia de Cabanelas, a minha junta matriz, espalhando cultura pelas demais freguesias do concelho. Deixo a recomendação de água mole... A colaboração de Henrique Pedro, com Silvério Pires, abre com um «poema ao pão» seja «Por alma de quem lá tem… (…) E também havia solidariedade no amanho do campo// nos desmandos da vida e nas horas de pranto», até «Assobiando aos bois no bebedouro». No capítulo V «O Povo Transmontano» chama para este campo de letras o génio granítico florido, Miguel Torga, que está para Trás-os-Montes e Alto Douro, como Luís de Camões está para o mundo Luso, e, porque não, Rosalía de Castro está para a Galiza. A Galiza Verde e das «viúvas de vivos mortos». Miguel Torga d’«antes quebrar que torcer» canta e do «qu’entre, quem é», que uma ideologia intolerante não digeriu e, por isso, não foi nobelado. No capítulo VI «Glossário» oferece-nos um conjunto um conjunto de vocábulos – estercada, nagalhos, poia,… - que enriquecem a nossa cultura linguística. O Capítulo VII, «Post Scriptum», volta a entrar a magia do conto popular, na talentosa pena de Henrique Pedro, com quatro textos: «Alegrai-vos segadores», «Caldo de Castanhas com Figos secos», «O burro do Pucareiro» e o «Olival Escuro». São contos, do escritor do Quadraçal, que não «desbotam» entre os melhores. Parabéns ao Município pela edição, ao Rev.mo Cónego Silvério por mais obra que nos orgulha e ao Henrique Pedro pela enriquecedora colaboração. Pedidos ao Município de Mirandela.

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