JORGE GOLIAS
Num texto dirigido aos jovens
escrevi que “sou aquilo que li”. É uma força de expressão para sublinhar a
fundamental importância da leitura. E disse-o com frases curtas e fortes para
ficarem bem gravadas na memória: “Ler é saber. Saber é poder!”
Continuo a ler, e mais ainda nos
últimos tempos. Porque gosto de livros, compro livros, mas também e cada vez
mais porque alguns que escrevem, e sabem que gosto de ler, oferecem-me os seus
livros. Assim sendo, já não tenho tempo para ler tudo o que gostaria. Mas não
desisto. Quem sabe?!
Com muita frequência perpassam-me
pela memória alguns dos grandes romances que li. O mais recorrente é o Cem
Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez (GGM), o Nobel colombiano,
conhecido por Gabo. No cânone ocidental este livro é considerado o melhor
romance de todos os tempos. Eu concordo, mas a minha opinião vale o que vale –
muito pouco.
É sabido, e Carlos Fuentes
confirma-o, que o Gabo se refugiou em Paris, cortando as ligações com o mundo
para escrever este monumento literário. Mercedes, a sua mulher, até o telefone
cortou, abasteceu a despensa e cuidou da logística do marido. Um ano depois
deu-se o milagre e o amigo Carlos Fuentes foi o primeiro a sabê-lo e lê-lo.
Imagino-o a saborear aquelas páginas do expoente máximo do realismo mágico ou
fantástico que haveriam de produzir um Nobel.
Carlos Fuentes (1928, Panamá –
2012, México) e Gabo (1927, Colômbia – 2014, México), amigos e companheiros de
exílio político, desde que se conheceram nunca mais se largaram. Tinham
praticamente a mesma idade e morreram ambos no México, onde encontraram melhores
ares. Em Paris conviveram com outros exilados como Julio Cortázar e Milan
Kundera, expurgados pelas ditaduras de Buenos Aires e de Praga. A
Insustentável Leveza do Ser do Kundera é outro dos grandes livros do
cânone, que quase todo o mundo leu e cujo título titulou muitas crónicas.
Deixem lá estar a cacofonia que eu gosto dela! Todos tinham acesso fácil ao
presidente Mitterrand, que logo depois da posse assinou decretos outorgando a
nacionalidade francesa a estes dois últimos. Mitterrand era considerado um
demónio de inteligência e de cultura literária. Foi Pablo Neruda (que era
embaixador chileno em França) que um dia lhe disse: -leia imediatamente Cem
Anos de Solidão. É o mais belo romance produzido pela América Latina depois
da 2ª GG.
Este era o tempo em que Paris ainda
era a capital da cultura e em que ainda se poderia dizer “temos sempre Paris”,
uma memória do Casablanca.
Gabo mantinha por perto alguns
livros preferidos, um deles a Metamorfose de Kafka e outro o Conde de
Monte Cristo, de Alex Dumas, conta o amigo, que os deve ter visto e ter
ficado algo surpreendido.
E que bem me servem para acabar
esta incursão pela literatura porque são dois livros que também a mim me
marcaram. A Metamorfose (1915) pela espantosa criatividade do jovem
Kafka (1883, Praga – 1924, Viena), cuja Carta ao Pai (1919) estou agora,
por coincidência, a ler e a ficar impressionado com a severidade negativa do
pai sobre o filho, que ajuda compreender os abismos em que Kafka viveu e sobre
os quais escreveu.
O Conde de Monte Cristo porque
foi outro dos romances que me ficaram na memória. Ainda me lembro do nome do
protagonista – Edmund Dantés. Livro que agora recentemente o ex-presidente
francês Nicolas Sarkozy levou para a prisão! Recordo que Edmund Dantés fugiu do
castelo-prisão onde o meteram num processo fraudulento. Temos aqui, pois, a
literatura e a vida real!
Mas, antes de terminar, Carlos
Fuentes em Gabo Memórias da Memória, um opúsculo oferecido com a 1ª
edição de Viver para Contá-la, de GGM, escreveu isto:
A memória é o género que se
atreve a dizer o seu próprio nome
A biografia diz-nos: «És o que
foste»
O romance diz-nos: «És o que
imaginas»
A confissão diz-nos: «És o que
fizeste»
Mas, todos requerem memória, pois
a memória, diz Shakespeare, é a guardiã da mente.
E termino com a advertência de
GGM no seu livro Viver para Contá-la:
“A vida não é o relato do que
vivemos, mas a maneira como recordamos o que vivemos” (citei de cor). Outra vez
a memória, ou seja, a minha verdade!
“Ler é saber”. “Saber é Poder”.
Agora podia continuar e pôr a
questão: e se se perde a memória? Mas, não, não vou por aí.
CNX1NOV2025JG84 – 270 anos pós-terramoto Lx


Grande lição, grande texto! Até morrer aprender, digo cá eu ... Obrigada...
ResponderEliminar