terça-feira, 4 de novembro de 2025

Crónica sobre Literatura

 

JORGE  GOLIAS


Num texto dirigido aos jovens escrevi que “sou aquilo que li”. É uma força de expressão para sublinhar a fundamental importância da leitura. E disse-o com frases curtas e fortes para ficarem bem gravadas na memória: “Ler é saber. Saber é poder!”

Continuo a ler, e mais ainda nos últimos tempos. Porque gosto de livros, compro livros, mas também e cada vez mais porque alguns que escrevem, e sabem que gosto de ler, oferecem-me os seus livros. Assim sendo, já não tenho tempo para ler tudo o que gostaria. Mas não desisto. Quem sabe?!

Com muita frequência perpassam-me pela memória alguns dos grandes romances que li. O mais recorrente é o Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez (GGM), o Nobel colombiano, conhecido por Gabo. No cânone ocidental este livro é considerado o melhor romance de todos os tempos. Eu concordo, mas a minha opinião vale o que vale – muito pouco.

É sabido, e Carlos Fuentes confirma-o, que o Gabo se refugiou em Paris, cortando as ligações com o mundo para escrever este monumento literário. Mercedes, a sua mulher, até o telefone cortou, abasteceu a despensa e cuidou da logística do marido. Um ano depois deu-se o milagre e o amigo Carlos Fuentes foi o primeiro a sabê-lo e lê-lo. Imagino-o a saborear aquelas páginas do expoente máximo do realismo mágico ou fantástico que haveriam de produzir um Nobel.

Carlos Fuentes (1928, Panamá – 2012, México) e Gabo (1927, Colômbia – 2014, México), amigos e companheiros de exílio político, desde que se conheceram nunca mais se largaram. Tinham praticamente a mesma idade e morreram ambos no México, onde encontraram melhores ares. Em Paris conviveram com outros exilados como Julio Cortázar e Milan Kundera, expurgados pelas ditaduras de Buenos Aires e de Praga. A Insustentável Leveza do Ser do Kundera é outro dos grandes livros do cânone, que quase todo o mundo leu e cujo título titulou muitas crónicas. Deixem lá estar a cacofonia que eu gosto dela! Todos tinham acesso fácil ao presidente Mitterrand, que logo depois da posse assinou decretos outorgando a nacionalidade francesa a estes dois últimos. Mitterrand era considerado um demónio de inteligência e de cultura literária. Foi Pablo Neruda (que era embaixador chileno em França) que um dia lhe disse: -leia imediatamente Cem Anos de Solidão. É o mais belo romance produzido pela América Latina depois da 2ª GG.

Este era o tempo em que Paris ainda era a capital da cultura e em que ainda se poderia dizer “temos sempre Paris”, uma memória do Casablanca.

Gabo mantinha por perto alguns livros preferidos, um deles a Metamorfose de Kafka e outro o Conde de Monte Cristo, de Alex Dumas, conta o amigo, que os deve ter visto e ter ficado algo surpreendido.

E que bem me servem para acabar esta incursão pela literatura porque são dois livros que também a mim me marcaram. A Metamorfose (1915) pela espantosa criatividade do jovem Kafka (1883, Praga – 1924, Viena), cuja Carta ao Pai (1919) estou agora, por coincidência, a ler e a ficar impressionado com a severidade negativa do pai sobre o filho, que ajuda compreender os abismos em que Kafka viveu e sobre os quais escreveu.

O Conde de Monte Cristo porque foi outro dos romances que me ficaram na memória. Ainda me lembro do nome do protagonista – Edmund Dantés. Livro que agora recentemente o ex-presidente francês Nicolas Sarkozy levou para a prisão! Recordo que Edmund Dantés fugiu do castelo-prisão onde o meteram num processo fraudulento. Temos aqui, pois, a literatura e a vida real!

Mas, antes de terminar, Carlos Fuentes em Gabo Memórias da Memória, um opúsculo oferecido com a 1ª edição de Viver para Contá-la, de GGM, escreveu isto:

A memória é o género que se atreve a dizer o seu próprio nome

A biografia diz-nos: «És o que foste»

O romance diz-nos: «És o que imaginas»

A confissão diz-nos: «És o que fizeste»

Mas, todos requerem memória, pois a memória, diz Shakespeare, é a guardiã da mente.

E termino com a advertência de GGM no seu livro Viver para Contá-la:

“A vida não é o relato do que vivemos, mas a maneira como recordamos o que vivemos” (citei de cor). Outra vez a memória, ou seja, a minha verdade!

“Ler é saber”. “Saber é Poder”.

Agora podia continuar e pôr a questão: e se se perde a memória? Mas, não, não vou por aí.

 

 

CNX1NOV2025JG84 – 270 anos pós-terramoto Lx

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