Neve e altura:
Decano dos jornalistas portugueses publicou primeiro livro de poesia há 60 anos
Foi em Setembro de 1965, enquanto
prestava serviço militar no norte de Angola, que foi publicado o primeiro livro
de poesia de Barroso da Fonte, assinado com o pseudónimo “Fernando Paixão”.
Chamava-se “Neve e altura”, tinha meia centena de páginas e foi impresso em
Chaves, na A Gutenberg.
Barroso da Fonte, que nasceu no
dia 19 de Fevereiro do ano em que começou a segunda Guerra Mundial, foi um dos
vários que deixou a sua pequena aldeia natal, no coração das montanhas do
Barroso, em Montalegre, e conseguiu ir estudar no seminário diocesano de Vila
Real, entre 1952/62.
Nunca saíra da aldeia até lá. Mas
soube ler nos astros o seu destino. Nada sabia de política. Os seus valores
advinham-lhe da norma, enquanto lei natural que rege as comunidades, e assim se
fez à vida, mantendo-se fiel a esses valores que bebeu no leite materno.
Mal conheceu o mundo urbano e
teve contacto com os jornais, reparou que a sua terra e as suas gentes não
tinham o mesmo tratamento de que outras terras e outras gentes usufruíam. Foi
esse o primeiro choque social e político que o levou para o jornalismo e para o
combate à injustiça das desigualdades sociais. Elegeu a palavra escrita para
esse combate que ainda perdura e que o levará, como ele sempre diz, até à cova.
Mas se o percurso de Barroso da
Fonte é tão vasto e diversificado, nas várias dimensões da vida real e cultural
deste país e mais além, vamos focar-nos, neste texto, apenas na vertente
poética, que completa seis décadas de publicação.
O poeta
Na verdade, se agora se completam
60 anos desde a publicação de “Neve e altura”, na extinta gráfica flaviense A
Gutenberg, Barroso da Fonte começou a escrever poesia enquanto estudava no
seminário de Vila Real, o que mais tarde o levaria a abandonar a vida
religiosa.
De facto, foi no longínquo ano de
1958, há 67 anos, que o então jovem seminarista João Barroso da Fonte começou a
escrever os seus primeiros poemas, que reuniu num volume manuscrito a que
chamou: Braços duma cruz (1958-1961), assinado com o pseudónimo João
Montaño. Esses poemas viram a luz do dia, com a
chancela da Editora Cidade Berço, numa edição fac-similada que foi publicada há
10 anos, no dia 19 de Fevereiro de 2015, data em que o poeta barrosão completou
76 anos de idade.
Os quatro “braços” dessa cruz contêm
poemas dos anos: 1958, 1959, 1960 e 1961. Com a poesia escrita em cada um
desses anos, o poeta reuniu cento e vinte e dois poemas num volume manuscrito,
permitindo concluir que o ano de 1958 se deve considerar, na verdade, como
sendo o primeiro da sua longa caminhada literária. Essa produção significa que
Barroso da Fonte, com 19 anos de idade, doze dos quais a guardar cabras na sua
aldeia de Codeçoso da Chã (Meixedo), já tinha escrito vinte e sete poemas, que
foram registados no primeiro braço da sua «cruz». E nos três anos seguintes
prosseguiu inspiradamente a actividade poética.
É de salientar que o
copista original, e que também desenhou a capa, há mais de meio século, foi o
Dr. Eduardo Cardoso de Barros, natural de Covas do Douro e residente em Gaia,
que felizmente ainda está entre nós e também foi surpreendido pela edição deste
livro.
Desde aí até agora, Barroso da Fonte publicou os seguintes livros de poesia, sem contar com as inúmeras participações em antologias, coletâneas e outras publicações lusófonas: Formas e sombras (1966), O sangue e as palavras (1967), É preciso amar as pedras (1970), Terra violada (1978), Tempo Infecundo (1982), Pausa ao Entardecer (1990); Trinta anos de poeta (1996) e Poesia, amoras & presunto (2015 – Prémio Nacional de Poesia Fernão de Magalhães Gonçalves).
Completando-se
agora 60 anos após a
publicação do livro Neve e Altura, e
conhecendo bem de perto o trabalho e as suas obras (jornalismo, investigação,
prosa e poesia), entendi prestar uma homenagem a este Autor, a quem me ligam os
laços de sangue e um exemplo de vida inestimável. Aprendi muito com ele. E
alguns dos méritos que, eventualmente, possa ter, devo-os também a ele, como
por exemplo: o gosto pelo jornalismo, pela literatura, pelos temas históricos,
etnográficos, e pela Cultura em geral.
Mesmo antes de concluir a minha
formação académica, já trabalhávamos juntos, como, por exemplo, como
subdirector do Poetas & Trovadores,
jornal literário de âmbito nacional produzido pela Editora Cidade Berço que
Barroso da Fonte criou em 1998, já depois de aposentado. Fundou, na mesma
altura, o quinzenário local: A Voz de
Guimarães, do qual fui igualmente subdirector. Tive também o gosto de
ajudar a produzir, desde o final do século passado, sobretudo a nível gráfico,
os seus livros, incluindo as teses de mestrado e doutoramento sobre Alberto
Sampaio e Alfredo Pimenta, respectivamente.
João Pedro Miranda
(jornalista CP 6950)
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ANDAM NO AR PEDAÇOS DE PAPEL
ResponderEliminarAndam no ar pedaços de papel
que foram ontem herança do poeta
Vão pelas ruas gritantes os zés pereiras
e a garotada confirma a rusga
Ai poeta que vais morrer
e deixas o teu nome ligado às fanfarras
Quem sabe se até está escrito
com letras em ziguezague na pele dos bombos
onde o martelo baterá sem fim
como se fora na tua cabeça?
Vão gargalhar de ti os teus amigos
e até os cães hão-de ladrar à tua sombra
para que nem na morte tu sejas esquecido
Canta poeta que vais morrer
In Trinta Anos de Poeta (É preciso Amar as Pedras)
O PÃO DAS CRIANÇAS
ResponderEliminarNa rua
as palavras são braços
de corpos anónimos
lembrando crianças
do país da fome
a fome anda na rua
do país das crianças
com braços anónimos
estendidos ao pão
o pão das crianças
do país da fome
é feito por braços anónimos
da gente da rua
a gente da rua
traz côdeas de pão
no bolso das calças
para entreter os dentes das crianças
do país da fome
no país da fome
a alma das crianças
lembra estátuas mutiladas
por gente da rua
que atira palavras
a quem pede pão
o pão das crianças
tem o sabor dos cardos
em dias de festa.
(É Preciso Amar as Pedras ) Barroso da Fonte
Trinta Anos de Poeta
Saúdo o ilustre jornalista decano transmontano, historiador e escritor. Abraço amigo,.
ResponderEliminarJorge Sales Golias
HEI-DE PARTIR
ResponderEliminarhei-de partir
com lágrimas nos olhos,
como o barco desliza sobre as ondas
feitas de espuma e saudade;
e na praia, ninguém há-de chorar a minha despedida,
nem o lugar vazio da minha mesa de café,
há-de evocar o meu regresso.
hei-de partir
e os lenços brancos hão-de ficar silenciosos
no bolso dos que me ignoram,
como a minha voz triste, há-de clamar em vão
por aqueles que não podem ouvir-me.
serei só no altar-mor
e os olhos dos peixes
hão-de chorar a minha sorte de soldado desconhecido.
na minha terra
os sinos hão-de ecoar trindades
como as donzelas se ajuntam nas fontes,
ouvindo os jovens entoar canções.
hei-de partir
e nas ruas da cidade,
ninguém encontrará o poeta das esquinas.
no cais, hão-de aportar barcos sem fim,
com votos de regresso,
mas o meu nome não constará
na lista dos tripulantes repatriados.
serei só e sem nome
numa trincheira cavada com as próprias mãos,
para que o eco não alerte o inimigo;
e depois da metralha,
até o silêncio há-de ocultar a minha existência na floresta.
floresta amiga,
gémea do meu esquecimento,
o teu segredo completa o meu destino
e a dor do meu ser abandonado
repousará docemente no teu seio!
terra amiga,
cemitério de heróis e de cobardes,
arena de soberbos e facínoras,
o teu nome enluta a minha vida,
projectando sobre mim, sombras de crimes,
com desejos de vingança consumada.
hei-de entender os teus mistérios
e irmanar o teu silêncio, à minha voz emudecida;
e quando o desalento evadir o meu corpo
-- da cor da tua selva --
ou a saudade enegrecer o vão dos meus caminhos,
hás-de contar-me histórias lindas,
como aquela história triste
dum soldado que não teve lágrimas na despedida,
nem lenços brancos a acenar.
e então hás-de chorar comigo
a incerteza do meu regresso.
In Trinta Anos de Poeta (Neve e Altura)
Barroso da Fonte
DE MANHÃ
ResponderEliminarDe manhã
quando desperto
vejo-me ao espelho
e fico incerto:
se volto para novo,
se sigo para velho.
Dr. Barroso da Fonte- grande Poeta Barrosão !
mgraça
O doutor Barroso da Fonte é o HOMEM , historiador, poeta, jornalista e amigo que mais admiro. Ele sabe disso . Sempre lho disse. Homem íntegro como poucos, transparente, leal ,trabalhador e solidário. Foi durante anos o meu editor através da sua Editora Cidade Berço, e quando esta acabou é ainda a ele que recorro a pedir conselhos e opinião. Nunca me desiludiu . Sempre confiei nele porque é Homem de uma só palavra. Ele merecia pela obra e por ser quem é uma homenagem a nível nacional, (tambem já lhe disse isso? HOMEM GRANDE em carater em sabedoria, inteligente e sobretudo O MEU AMIGO DR. BARROSO DA FONTE. Obrigada querido Pedro por fazeres esta pequenina homenagem ao teu pai. Ele merece tudo. Um grande e terno abraço para vós os dois da sempre grata Donzília Martins
ResponderEliminarA HOMENAGEM DA "A BARROSANA"
ResponderEliminarDas montanhas se ergueu,
como rocha a resistir,
na palavra se fez céu,
sem jamais se redimir.
Pela pena foi guerreiro,
pela verdade, clarim,
decano, farol inteiro,
contra o silêncio sem fim.
Se o destino lhe foi duro,
ele fez dele bandeira,
com o verbo abriu futuro,
com coragem verdadeira.
Pela pátria levantou
as pedras da tradição,
e em poesia eternizou
o sangue vivo do chão.
Sessenta anos são rasto
de uma chama sem quebranto,
neve e altura no pasto,
voz que ecoa em todo canto.
Poeta, mestre e memória,
de granito é o seu ser,
Barroso da Fonte é história
que A Barrosana já escreveu.
POR ISSO É QUE ESTE MUNDO CAMINHA PARA UM DESERTO, SEM ALMA! O NOSSO PRESIDENTE SÓ DÁ MEDALHAS A QUEM NADAR MUITO BEM, CHUTAR A BOLA E GANHAR MUITO PILIM, E A SALTAR MUITO ALTO, MAS, QUE NÃO VENHA DO BARROSO!!!, POIS DO BARROSO SÓ PODEMOS IR TIRAR O LÍTIO - ESSE SIM, ATÉ VAI CHEGAR PARA AS AMÉRICAS -, SÃO TERRAS RARAS ... ... - mgraça
ResponderEliminarOs Céus abriram-se, sentimos a Poesia a vibrar, os nossos sentidos ficaram mais aptos e capazes de apreciar a bela Poesia. O esplendor mostrou-se em toda a sua magnitude! Os nossos corações mostram-se livres e libertos para deliciarem-se com a sua Escrita...
ResponderEliminarParabéns, muitos parabéns Dr. Barroso da Fonte por não deixar secar a sua fonte inspiradora...
- hoje nada te prometo
Eliminarneste poema concreto vai
apenas um beijo o
desejo de
contigo correr entre os silvedos
colher amoras contar
com os dedos pelos
grãos de areia os anos a que faltam horas
horas guardadas nestas
conchas dobradas flores das
areias que
tens nas mãos cheias
fechadas
F.M.G. Obra poética´- antologia
Minha Pátria Geme
ResponderEliminarMinha pátria geme
minha terra minga
minha gente morre.
Levanta-te Poeta
que é urgente gritar às armas
para que as corujas não chupem
as caveiras das crianças.
Guimarães 1976
(Terra Violada) In Poesia, amoras e presunto
Prémio Nacional de Poesia FERNÃO DE MAGALHÃES GONÇALVES
MEU POEMA TEM
ResponderEliminarMeu poema tem
a forma e o desdém
das coisas transviadas
poema de impiedade
sofrendo a crueldade
dos homens de mau fim
poema incongruente
que morre de repente
por só falar de mim.
Codeçoso 1972 In Poesia, amoras e presunto
ATIRO PALAVRAS AO NOME DA RUA
ResponderEliminarAtiro palavras ao nome da rua
que tem mulheres gordas à porta de casa
-mulheres de soalheiro
que mostram as coxas
aos homens que passam
quem anda na rua
não sente o calor
das virgens que gemem
o cio da hora
a hora do cio
emprenha vulcões
que parem na rua
das mães abortadas
o nome da rua
tem alma de gente
que ensina às crianças
o signo do amor.
Chaves, 1972
(Terra Violada) IN Poesia, amoras & presunto
EM CADA PEDRA
ResponderEliminarEm cada pedra
encontro a minha seiva
em cada árvore
descubro o meu destino
em tudo o que palpita
me sinto renascer
e quanto mais revivo
mais quero morrer.
Apúlia, 1973
IN Poesia, amoras & presunto
Barroso da Fonte
AINDA QUE NÃO TENHA PALAVRAS DOCES
ResponderEliminarAinda que não tenha palavras doces
rosmaninho
ou rebentos de primavera
este poema é teu
MULHER PRETA
que envergas um pano branco
e vais pela rua da sanzala
de prato à cabeça
com peixe ou mandioca
descalça e original
como as tuas formas
esteticamente modeladas
seduzindo os desejos de tantos
que te compram barato.
Se pudesse fazia-te importante
e tu serias a rainha das mulheres
de todas as cores e nacionalidades.
Queria ver os teus pés descalços
pisar tapetes de veludo
e teu corpo
esteticamente modelado
vestir mantos de cambraia
para que esse teu rosto
escorraçado e abatido
se transfigurasse para sempre
num destino de recuperação.
Tenho pena de ti
por querer levar-te nos braços
entre todas as mulheres
e não poder contigo
porque sou apedrejado pelos homens da minha raça!
Queria pedir à vida
os teus despojos
e mascará-la com infâmia e maldição
para que não morras sem tréguas
pela sina com que nasceste.
Será lida no tempo
a tua história simples
para ser no coração dos homens
a voz de todos os instantes
pedindo flores para o teu sepulcro,
(O Sangue e as Palavras)
In Trinta Anos de Poeta