Durante
os 51 anos que dia 25 deste mês se completam, velhos e novos, andámos às turras por causa do golpe de estado que acabou com os tais 48 anos de fascismo.
Operou-se uma mudança radical à luz daqueles que haviam nascido nesses 48
antes, de fome, opressão, guerra e desemprego.
Portugal,
sendo pobre, sem recursos internos, fez-se à vida e tentou desbravar novas
terras, dentro e fora do continente, fazendo-se à vida para além dos
horizontes. Em persistência, aventura e risco de vida, não foi piegas. Alcançou
territórios nunca antes, por outros, sequer sonhados. E povoou e desenvolveu
muitas terras, a oriente e a ocidente. Nessa nobre causa, sendo pobre, se fez
rico, sendo dos países que mais territórios acresceu, a nível global, enquanto
o planeta Terra foi campo livre para expandir riqueza individual e coletiva.
De um
excesso de míngua, passou-se para outro excesso de abandalhamento. Se foi
melhor o segundo do que o primeiro ou se o primeiro poderia servir de lição ao segundo, é o que se pode concluir do actual estado da situação, mormente, política: um caos.
A
liberdade lê-se, ouve-se, repete-se e, em resumo, pratica-se, transformando-se
no provérbio do futebol: o que se diz ao pequeno almoço, como verdade, ao meio
dia já se condena como mentira; ao
jantar já se negam e se renegam, porque a verdade e a mentira são estados de
alma que nos políticos funcionam como diarreia crónica.
Penso que
estamos todos de acordo que em 1974 o país vivia dois dramas: a guerra do ultramar e a emigração. Como "casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão", Portugal esticava a corda até onde o fio desse, para manter o equilíbrio.
Os jovens enfrentavam o futuro como obstáculo decisivo: ou emigravam ou fugiam ao serviço militar. Só os filhos dos
poderosos do Estado Novo ficavam isentos ou forjavam escapatórias. Alguns desertavam, outros fingiam estudar no estrangeiro. O republicanismo, que em 1910 substituíra a monarquia, descarrilou em 1926 e, desde aí, o país isolou-se durante 48 anos, vivendo de
costas voltadas contra o povo e contra o
mundo exterior.
A
agricultura era quase a única tábua de salvação.
Estudar era um privilégio dos ricos e dos
mangas-de-alpaca dos políticos. Nem todas as cidades tinham liceus. Universidades só em Coimbra, Lisboa, Porto e Évora. Para a academia militar iam os filhos dos oficiais e dos sargentos que em Águeda auferiam passaporte para a oficialidade. Sempre a carreira das armas foi das maiores seduções dos portugueses. Eram os
militares que tinham propensão para
as guerras, internas e externas.
Mas
Portugal entrou no século XX às arrecuas. E nunca
mais readquiriu o estatuto imperial que conquistara na época de Quinhentos. Em terra, mar e ar, falhou esse destino porque perdeu a chama do mítico V Império.
Crescia o
Brasil, mas perdia Goa, Damão e Diu. Foi
nessas aventuras mal sucedidas que se iniciou
a queda imperial que os nossos marinheiros haviam imposto de
Oriente a Ocidente. A II Guerra Mundial dispensou
a nossa participação. Mas não soubemos reerguer-nos como fizeram os outros povos da Europa Ocidental, que se recompuseram depressa e bem. Dessa reorganização beneficiaram os emigrantes portugueses, na segunda metade do século XX, embora muitos milhares tenham inicialmente sido humilhados nas fronteiras e
nos subúrbios das capitais europeias. Uns
vinham cumprir os seus deveres cívicos e
voltavam. Outros por lá ficaram, enviando
para os bancos nacionais os capitais ganhos com o seu suor, o que tanto ajudou o país.
Após a
vergonhosa debandada da Índia, alastrou às então Províncias Ultramarinas, desde a Guiné a Timor, o natural ímpeto dos seus naturais. Esse congénito sentimento de autonomia depressa contaminou algumas mentalidades lusas que, descontentes com os exíguos horizontes de que dispunham para satisfazer os seus apetites ideológicos, trataram de zelar pelo seu umbigo e dos seus. Cada um lutou com as armas que tinha. E assim se estremaram posições, por vezes
antagónicas, quando não eram fatais.
O
caso mais visível partiu dos "Capitães de Abril" contra os
milicianos. Essa rebelião,
que fecundou nos quartéis da metrópole, estendeu-se à diáspora e provocou a queda do poder político. Esse poder estava podre, contaminado nos alicerces de quem o
representava, canceroso nos propósitos de quem o servia, traiçoeiro nos truques de quem o derrubou, à falsa-fé.
Para
justificar esse derrube invocaram-se:
o descontentamento do povo, a falta
de liberdade e a fome. Eram reais essas carências. Mas tudo se fez contra aqueles que menos culpa tinham porque, não escolhendo a carreira das armas, foram obrigados a abandonar tudo e
todos, usando essas armas, lado a lado, com aqueles que os traíram. Estes nunca pediram desculpa desse acto àqueles que tanto os ajudaram. Os milicianos foram as maiores vítimas de toda essa cilada nascida contra quem suportou as guerras, sem
delas tirar proveito. Pelo contrário.
Só agora, quando todos reivindicam a heroicidade, em livros, filmes e em debates, assumem a verdade. Vasco Lourenço, o mais mediático por representar a “Associação 25 de Abril”, explica o
Decreto-Lei 353/73 que
despoletou o golpe militar. São dele essas explicações:
"O
Decreto-Lei 353/73 de 13 de Julho de 1973, aprovado por Sá Viana Rebelo, Ministro do Exército, procurava fazer face à escassez de capitães dos quadros permanentes. Funcionou como autêntico detonador para a contestação que, após rápida e profunda evolução, levaria ao 25 de
Abril de 1974.”
Desde
há muitos anos que o Exército vinha
fabricando os chamados "capitães proveta". Para isso, incorporava oficiais milicianos que haviam prestado serviço militar há vários anos atrás (alguns há mais de dez anos) e não tinham participado na Guerra. Ministravam-lhes um curso
intensivo de 4 a 6 messes, que os graduava em Capitão e mobilizava para a Guerra, normalmente como comandantes de uma companhia de caçadores (cerca de 180 homens).
A
situação era insustentável, daí que o governo resolvesse aliciar os oficiais milicianos que, como alferes, haviam cumprido
uma comissão na Guerra Colonial, propondo-lhes a entrada no Quadro Permanente depois da frequência de um curso intensivo de um ano, na Academia Militar. Ao mesmo tempo, contava-lhes, para efeitos de antiguidade relativa, o tempo que tinham feito como milicianos. Diploma que se aplicava também aos oficiais do Quadro Especial de Oficiais que aceitassem mudar de quadro, bem como a todos os oficiais que
entretanto haviam ingressado no Q. P., oriundos do Quadro de Complemento, os ditos milicianos.
O planeta que habitamos apressa-se a tentar
povoar outros planetas. Mas a tontaria dos poderosos perdeu as estribeiras. O
poder, a jactância, a vaidade e a incompetência sistemática revelam-se todos os
dias e a todas as horas.
Fernando Paixão

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