domingo, 16 de março de 2025

«Caminho Romântico de Luís de Camões e Biolante» (2)

 

JORGE  LAGE


«Caminho Romântico de Luís de Camões e Biolante» (2) As últimas eleições legislativas, mudaram a política (wokista, em parte) e deram um impulso, na recta final ao V Centenário do nascimento do poeta Luís Vaz de Camões. Assim, houveram várias homenagens a Luís de Camões, nas escolas e não só. O Notícias de Mirandela revelou alguns dados em que se concluiu que Luís Vaz de Camões terá nascido em Chaves na aldeia de Nantes (como diz a população de Vilar de Nantes e de Nantes). Penso que a maioria dos flavienses não sabe que existe Nantes e Vilar (de Nantes), isto é, só conhecem a última. Eu próprio só soube da existência de Nantes porque, duas anciãs de Vilar (de Nantes) me apontaram Nantes como o lugar onde nasceu Luís de Camões. Sendo eu um curioso da toponímia apercebi-me que, primitivamente (pelo menos desde a romanização), Nantes seria um burgo rural. «Villar» quer dizer um pequeno lugar e «de» o determinativo geográfico de origem. Quer isto dizer que a aldeia de Nantes tinha, por perto, um pequeno lugar habitado. Vilar (de Nantes) beneficiou da sua localização estratégica e foi crescendo. Outrora que Vilar de Nantes era o nome de todo o território da freguesia, pois na obra «As Freguesias do Distrito de Vila Real nas Memórias Paroquiais de 1758 (séc. XVIII)», da autoria de José V. Capela e outros (2006), nas p. 263-264, refere, que a «freguezia do Salvador de Villar de Nantes» (…) «hé terra da Sereníssima Caza de Bragança. Tem toda esta freguezia cento e outenta e cinco moradores ou vezinhos e pessoas de sete anos para cima seiscentas e treze (…). Tem esta freguezia coatro lugares (…) Villar, Nantes, Outeiro João e Ribeira de Avellans. O lugar de Villar tem setenta e sete vezinhos e trezentas e sete pessoas, (…) tem mais dous bairros que lhe ficam para o Sul, o mais cercunvizinho se chama Fonte Carriça, dista (…) duzentos passos, tem dezasseis moradores e quarenta e sete pessoas (…), o outro se chama Valdazirma e dista (…) coatrocentos e sessenta passos, tem oito moradores e trinta e coatro pessoas, o lugar de Nantes tem quarenta e sinco vezinhos e cento e sete pessoas. (…). Há no dito lugar de Nantes hum hospício de religiosos capuchos». Mais de 200 anos depois de nascer Camões, Vilar era o lugar mais populoso junto à estrada nacional e no presente chamam Vilar de Nantes, ao Vilar, quando aquele englobava os quatro núcleos populacionais da freguesia de Vilar de Nantes. Por isso, os habitantes mais velhos, de Vilar e de Nantes, que incorporam o saber da tradição ancestral, dizem que «a casa onde nasceu Camões situa-se em Nantes». Mas, deixando a análise toponímica para trás, recordo o amigo e investigador, José Manuel Carvalho Martins, que me dizia que «a toponímia é uma janela luminosa da História» e muito mais da História Monográfica. Ao que nos parece, seguindo a tradição, Camões terá nascido em «Nantes/freguesia de Vilar de Nantes/concelho de Chaves» e quando era estudante em Coimbra (o tio Bento era Prior do Mosteiro de Sta. Cruz) e servia na casa dos Noronha (Biolante tinha 13 anos quando casou e o marido, D. Francisco de Noronha com 30 e este passava grandes temporadas em campanhas no estrangeiro), Luís de Camões voltou a Nantes/Chaves, onde tinha família, acompanhando a «Biolante» que foi visitar as terras que tinha na Galiza, na região de «Monte Rey, en Bal de Laça». Sem qualquer dúvida, para servir a sua «ama», Camões, fez o caminho de «Nantes/Vilar de Nantes/Chaves/Verín/Monterei/Vale do Lassa (Laza)», sempre próximo do rio Tâmega. A fundamentar a proposta de criação do «Caminho Romântico de Luís de Camões e Biolante», anexo o seu soneto (dos primeiros que fez) e escrito em galego:


«À lá en Monte Rei, em Bal de Laça

A Biolante bi, beira de un rio,

Tan fermosa en berdá, que quedé frio

De ber alma imortal en mortal maça!

 

De um alto e lindo copo a seda laça!

A pastora sacaba, fio a fio.

Quando lhe disse: Morro! Corta o fio!

Bolbeu: Não cortarei! Seguro passa!

 

- E como passarei! Se eu acá quedo?

Se passar, não bou seguro

Que este corpo sem alma morra cedo!

 

- Com a minha, que lebas, te asseguro

Que não morras, Pastor! – Pastora hei medo,

O quedar me parece mais seguro!»

 

Camões fala do Vale do Laça, onde viu Biolante, com o rio (Tâmega) a separá-los. Será «o rio do casamento de Biolante (Andrade) com D. Francisco Noronha» e a proibição de um amor impossível? É este subterfúgio de dizer a verdade. Depois, de Vilar de Nantes avista-se o Castelo de Monterrey. «O quedar me parece mais seguro!», isto é, não avançar mais no relacionamento entre os dois (Camões e Biolante) do que apenas servir na casa dos Noronha, ainda que sofresse por paixão. «Tan fermosa» que até arrepiava. O temperamento impulsivo de Camões, de entrar em farras e a paixão pelas damas, derretendo todos parcos réis que tivesse à mão, condu-lo a nunca conseguir o almejado. Era um desgraçado, no granjeio da vida, como outros grandes das artes e letras mundiais: Cervantes, Balsac, Camilo Castelo Branco… E acredito que se tivessem nascido num berço dourado não teriam as mesmas criações literárias. Camões terá adquirido muito do imenso saber que lhe permitiu criar os Lusíadas, como uma das raríssimas epopeias mundiais, com os estudos que fez em Coimbra, completado em Goa na biblioteca pessoal do médico e botânico castelovidense, Garcia de Orta. A casa deste esteve sempre aberta para Camões se refugiar, matar a fome e cultivar-se, onde a criada Antónia (e jardineira) lhe franqueava a porta. Aqui, terá completado a bagagem intelectual para cantar com clave sublime os filhos de Luso. Mas, por que não se conhecia esta fase da vida adolescente de Camões? Porque o primeiro biógrafo, Pedro Mariz, da família dos Noronha, omitiu os primeiros 25 anos da vida de Camões, para não pôr em causa a reputação dos Noronha. Até se inventaram amores inexistentes de Camões, como fez Diogo Paiva de Andrade, dizendo que o verdadeiro amor do poeta foi Catarina de Ataíde, e não a sua tia Violante, a quem serviu. Assim, a omissão do nascimento e juventude de Camões foi devido aos amores ilícitos de Camões e «Biolante», para não se porem em causa as famílias, Noronha e Ataíde.

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Bibl.ª: Capela J. V. e outros (2006), «As Freguesias do Distrito de Vila Real nas Memórias Paroquiais de 1758 (séc. XVIII)». Braga, p. 263-264; Paiva, J. (2015) «As plantas na obra poética de Camões» in «Humanismo e Ciência» coord. de Andrade, A. e outros. Ed. UA Editora – Imprensa da Univ. Coimbra: Aveiro, Coimbra, S. Paulo; Saraiva, António J. (2024), Luís de Camões, ed. Gradiva). Reproduz-se excerto do retrato de Camões pintado em Goa.

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Tellus, nº 81 - Revista de cultura transmontana e duriense

Acabadinha de chegar aos leitores e assinantes, por via do Município de Vila Real,   é seu director o renomado escritor A.M.Pires Cabral.