JORGE GOLIAS
Mais
ou menos assim me cumprimenta o brasileiro Francimar. E lá fui hoje já algo
atrasado pois é o primeiro corte do ano, adiantando que não o cortei em Janeiro.
Pode pôr-se a pergunta: - mas para que corto eu o cabelo se já pouco tenho?
Pois, para fingir que está tudo com dantes, quartel-general em Abrantes! Mas,
claro que não está!
Quando,
já no fim da tarde, entrei na barbearia estava de fora um sujeito de boné e
barba, ou melhor dizendo de farta barba e boné, mirando o Tm, encostado ao muro
da frente, usando um anorak com capuz, cujo dito estava enterrado no boné,
deixando apenas ver a pála: mau aspecto e mau augúrio para um fim de tarde
cinzento de um Sábado morrinhento.
Estava
a ser atendido um sujeito meio careca que me deu boa aura porque assim não iria
esperar muito. Não gosto de esperar. Nunca gostei de esperar. À parte isso
tenho em mim toda a paciência do mundo! Fernando P. não diria melhor! Saquei do
Tm e tratei de me entreter com alguns dos textos que sempre me acompanham nas
esperas. Noutras eras era um livro que sempre estava no carro e que tinha muita
matéria para desbravar e ajudar a passar o tempo. Mas, afinal, o sujeito meio
careca, também tinha a barba para fazer. Chegado aqui lembrei-me de que nunca
fiz a barba no barbeiro. E a barba do careca, ao contrário do cabelo era
cerrada, adivinhando ali uma luta do metal afiado contra a seara espetada que
iria afinal prolongar mais do que eu esperava a espera do atendimento. Quem espera
desespera e à espera estava afinal também o sujeito do anorak e capuz enfiado
que, lá fora, espiava os movimentos do Francimar.
Lá
chegou a minha vez. Pode sentar-se sr. Joirge! E quando ele pergunta:
-
É o habitual sr. Joirge? Eu respondo: - sim, mas corte pouco, até porque pouco
há para cortar! Dito isto lembrei-me de que sempre digo isto, pouco variando no
menu. Ele riu-se, debaixo daquela cabeleira forte, que até usa curta, estilo
carpete, talvez para não assustar os velhos clientes velhos. Assim mesmo, sem
tirar nem pôr, deixem lá estar a cacofonia porque está bem assim.
Nesta
altura o sujeito do capuz entra na barbearia, já sem capuz, e senta-se não sem
antes cumprimentar o barbeiro. Percebi que também era brasileiro porque
entraram a comunicar em modo de lá, e aí, como eles dizem, eu fiquei de fora do
canal, pois não entendi patavina. Apenas me apercebi de que falavam de casas
para alugar e de preços. É a segunda vez que em Portugal me senti fora do
entendimento do português. A primeira foi no aeroporto de Ponta Delgada, quando
lá cheguei há uns 35 anos. Aí é que não apanhei sequer um cheiro do que estavam
a comunicar. Arrepiante foi quando já no QG e na qualidade de 2º comandante
tinha a supervisão da Banda da ZMA, todos velhos sargentos micaelenses. Mas
eles, quando se me dirigiam, falavam em contenantelês.
E
assim ia decorrendo a conversa entre os dois brasileiros que me ia passando
quase completamente ao lado. E, como em outras vezes, quando a tesoura marca o
ritmo deixando no ar uma sonoridade dormente, eu vou passando pelas brasas. Saí
então da cena onde não estava a contracenar e entrei em modo de voo. Lentamente
fui deixando de os ouvir. Lentamente fui entrando numa onda boa que me abrigou
dos males do mundo e aonde ainda estaria se não fosse uma voz que me tirou do
sonho.
-
Sr. Joirge, está bem assim? - Que sim, que estava bem. Paguei e andei! Andei
então para o resto deste dia de Sábado de tristeza cinzenta deste 1º dia de
Fevereiro de 2025.
CNX1FEV25JG83


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