Monografia de Zé Beirão
Besteiros: a odisseia de um
Povo
A
cidade de Tondela será palco, no último dia deste mês, da apresentação de um
livro cujo título pretende justificar o nome de Besteiros, sendo que
Tondela prevaleceu, sendo hoje sede de um concelho rico, progressivo e com
estruturas de peso para gáudio da sua população. O seu autor, Joaquim Duarte
Pereira, diz na «nota que a impõe» que «sendo os besteiros soldados
de tantos exércitos, em Portugal e no mundo, poder-se-á questionar como
apareceram eles ligados à toponímia do país nomeadamente ao atual concelho de
Tondela».
Verdade é que o nome Besteiros, nas Terras de Tondela, deu origem ao concelho que chegou a ter alcaide para o Castelo, com esse nome.
Zé
Beirão, pseudónimo de Joaquim Duarte Pereira, nasceu em Tondela em 1940 e, «por
ausência de recursos económicos, não prosseguiu estudos, após a 4ª classe».
Mesmo só com a 4ª classe, de instrução primária, a atual presidente da Câmara,
Engª Carla Antunes Borges, teve a dignidade de fazer justiça ao autodidata,
patrocinando os dois mil exemplares deste excelente volume de 558 páginas, nas
quais insere matéria biográfica, bibliográfica, arqueológica, etnográfica e,
essencialmente, histórica.
A autarca resume na página 17 essas cinco áreas do saber: «Zé Beirão destaca, com mestria, a odisseia das nossas gentes. Figuras que se notabilizaram nos mais variados quadrantes; num concelho que o jornalista descreve como um autêntico cofre das relíquias do passado ancestral e glorioso, deste povo».
Zé
Beirão, na primeira parte, das vinte e sete do livro, escreve que Besteiros
foi o primeiro concelho, estando o seu nome envolto em polémica e em mistério,
pois nenhum historiador medievalista sabe, ao certo, como evoluiu.
Zé
Beirão, desde criança se preocupou com o berço em que veio ao mundo. E como a
força de vontade, muitas vezes, supera barreiras que aparentam ser impossíveis,
cedo começou a escrever em boletins e jornais regionais chegando a jornalista
profissional, sempre em defesa das grandes causas nacionais. Aos 12 anos já era
aprendiz de artes gráficas. No jornal «A Folha de Tondela» aprendeu o grafismo
e muita da experiência da longa vida que fez nesse mundo da comunicação social.
Em 1961 foi convocado para cumprir um dever cívico e por isso obrigatório. Foi
parar a Moçambique, como 1º Cabo, integrado na C.ª de Caçadores Especiais. No
regresso retoma o jornalismo e a escrita que foi o seu grande mérito em cada
dia dos 84 anos de vida.
Este
livro, que vai ser apresentado em Tondela no último dia deste mês, vai espantar
muita gente engravatada. Quem tiver a oportunidade de ler esta obra vai
suspeitar que não tenha sido Zé Beirão a concebe-lo e escrevê-lo para glória da
cultura Portuguesa.
Quem
puder ler este livro irá reparar que tive o privilégio de ser convidado para
escrever o prefácio. No mês e ano em que anunciei
retirar-me do jornalismo, por completar 85 aos de idade e 72 de jornalismo
militante.
Este tipo de livros, escritos com sangue, suor e lágrimas,
deveriam ser expostos nas vitrinas dos espaços públicos, para memórias futuras.
Vou explicar o porquê desta minha solidariedade, respeito e
admiração.
Conheci em meados de 1982 o «Zé Beirão», pseudónimo de
jornalista, que é desde 1962. Ambos tínhamos regressado da guerra do Ultramar,
ele de Moçambique e eu de Angola. Como quase todos os Combatentes, gostámos que
a guerra acabasse. Mas depressa nos apercebemos de que os «capitães» fizeram o
golpe de Estado, não só para salvar o povo mas, sobretudo, para salvarem as
suas carreiras profissionais, contra os milicianos que cumpriam as suas
comissões de serviço obrigatório e, alguns deles, por interrupção dos seus
cursos, procuravam, legitimamente, arrumar as suas vidas profissionais e
familiares.
O Zé Beirão somente «não aceitou um bom emprego nos
correios de Lourenço Marques, em 1964, por fidelidade à Terra e à Família que
falaram mais alto. A maior parte dos soldados emigrou. E os milicianos,
oficiais e sargentos, que tinham sido «os burros de carga», foram traídos pelos
comandos do quadro permanente.
Foi isso que em 1982, esses e outros combatentes,
desagradados com os revoltosos, passaram a criar associações, por todo o país,
formando uma Federação, onde esses amuos se diluíram. Os casos mais visíveis
foram aqueles que, ainda hoje, reivindicam a paternidade do Monumento aos
Combatentes do Ultramar. Aqui repito que esse movimento, que travou o ódio, o
desprezo e as calúnias dos «capitães» do quadro contra os milicianos, sargentos
e oficiais, nasceu em março de 1982.
A aprovação pelo governo de dois decretos-lei – 353 e 409, de julho e agosto de 1973 – para responder às necessidades da guerra ultramarina criou um forte descontentamento profissional entre os oficiais que tinham tido uma formação militar de quatro anos. Estes não aceitavam poder vir a ser ultrapassados pelos novos oficiais milicianos, cuja formação seria feita apenas em dois semestres. O Movimento dos Capitães, de natureza clandestina, foi organizado para a defesa dos seus interesses corporativos. Essa narrativa acusatória contra a guerra, que os soldados em geral e os milicianos, travaram, durante treze anos, motivou a criação do Movimento que inicialmente se chamou Associação dos ex-Combatentes e que dois anos depois, em Assembleia Geral de 30 de Março de 1996, atualizou o nome para Associação Nacional dos Combatentes do Ultramar (ANCU). Este novo nome foi registado no dia 17 de Abril. E também na mesma Assembleia Geral se oficializou a mudança do seu jornal Sentinela para Voz do Combatente. A mudança deveu-se ao facto de já existir outro órgão com o mesmo título. Até essa data publicaram-se 52 edições com o nome de Sentinela. Mas tudo ficou regularizado.
Zé Beirão cedo passou a deslocar-se a Guimarães, sempre
acompanhado com novos aderentes, com sugestões e propostas enriquecedoras. Foi
um incondicional apoiante da ANCU. E foi também ele que convidou o atual
presidente a aderir ao projeto, que veio a assumir em plenitude. É por isso que
faço questão em exarar neste prefácio a transparência de como a ANCU não foi
criada para exibicionismo dos seus fundadores, dirigentes ou qualquer outra
intenção. Mas para afirmar que Tondela mereceu a sede nacional, e,
coerentemente, a autarquia local e a benemerência de alguns associados
apostaram em garantir instalações condignas, ao contrário do que os políticos
da cidade berço minhota fizeram em vinte anos.
A ANCU não é apenas mais uma Associação de Combatentes.
Deve-se-lhe a Paternidade da ideia da construção do Monumento aos Combatentes
do Ultramar em Lisboa, na Zona de Belém, perto do Forte do Bom Sucesso. Mesmo
que não tivesse outras coisas de que se orgulhar, a paternidade do Monumento
bastará.
Graças ao Zé Beirão e ao Dr. António Ferraz, seu presidente desde 2002, a ANCU continua viva e recomenda-se. Tondela também lhes deve muito. O livro que será apresentado amanhã é disso um exemplo vivo.
Barroso da Fonte
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