O
escritor Raul Brandão conheceu-o, pessoalmente, nos últimos anos da vida. Foi o
último Padre Crúzio. Chamou-se Joaquim Álvares de Moura, mas as populações
periféricas a Santo Emilião e S. Martinho do Campo, ainda em vida,
consideravam-no «santo», tratando-o por D. Joaquim da Boa Morte. Quis ser
envolto numa manta tecida por sua mãe e sepultado em campa rasa, no adro da
Igreja Paroquial daquela freguesia minhota. É do conhecimento de toda a
redondeza que ainda hoje, volvidos mais de dois séculos, diariamente, aflui à
sua sepultura, em romagem de fé e de agradecimento por graças recebidas, gente
de muitos lados. Há testemunhos gravados, escritos e orais de muita gente que se
«apegou» a ele e que, convictamente, afirma ter sido miraculada. Nunca, nos 210
anos já decorridos, nas lanternas do seu túmulo faltou azeite. Mais: em muitas
das habitações da freguesia, à entrada da porta principal, existem azulejos com
a sua imagem e com invocações de uma religiosidade crescente.
Raul
Brandão, nascido na Foz do Douro mas casado em Guimarães, com Angelina Pereira,
quando ali prestou serviço militar, como capitão, no regimento número vinte,
então sediado no Paço dos Duques de Bragança, refugiou-se da peste bubónica na
Quinta que Maria Angelina possuía entre Sto Emilião e S. Martinho do Campo.
Nessa quinta havia uma «Fonte de Boa Água» que o povo batizou de água santa, em
homenagem a D. Joaquim da Boa Morte. Aí se conheceram e conviveram, por essa
altura. Além de militar e de escritor, Raul Brandão era também jornalista.
Nessa qualidade publicou no «Comércio do Minho», de 25 de Abril de 1903, uma
nota necrológica, na qual escreveu: «na freguesia de Santo Emilião, concelho da
Póvoa de Lanhoso, faleceu D. Joaquim da
Boa Morte Álvares de Moura, egresso Agostiniano.
Era
um venerando ancião, contando 92 anos de idade, muito virtuoso e de ilustração
pouco vulgar. Era tio do Padre João Álvares de Moura, secretário do curso
teológico do Seminário de Braga». E no Jornal o Dia que se publicava em
Lisboa, em fins de Abril de 1903, fez publicar uma notícia com o seguinte
título: «Filósofo e Santo». Aí escreveu: «Na idade de 92 anos faleceu há dias
em Sto Emilião (Póvoa de Lanhoso) Frei Joaquim da Boa Morte Álvares de Moura,
natural de Barroso e vindo para o Minho na idade de 4 anos. Era bacharel
formado na Universidade de Coimbra, em filosofia e em matemática. Foi Cónego
regrante da Ordem de Sto Agostinho e doutor pelo colégio da Sapiência».
O
jovem Joaquim Álvares de Moura, aos 4 anos de vida, deixou Medeiros para se
juntar ao irmão mais velho que paroquiava Ronfe e que o preparou para ingressar
na Ordem Crúzia. Quando já missionava, foi extinta essa Ordem religiosa que o
preparara. Refugiou-se então no Baixo Minho que conhecera em criança. Aí (em
casa do Professor Casalta, em Sto Emilião), passou os últimos 30 anos de vida.
Foi nessa altura que se relacionou com Raul Brandão que, não sendo um católico
assumido, teve a ideia de escalpelizar, no opúsculo «O Padre», os desmandos de
alguns clérigos, de entre os quais também havia exemplos notáveis, como D.
Joaquim de Boa Morte. «Era, na verdade um santo. Deixou tudo para viver perto
de S. Martinho de Campo, entre cavadores e gente pobre da terra que adorava. Vi-o
muitas vezes passar a estrada, todo branco, minguado, com o burel que nunca
quis largar, no fio e os sapatos rotos.
Com a
vida ia-se-lhe desfeito o burel, rotos os sapatos. Deixara de dizer missa, mas
o povo daqueles
lugares,
que é ingénuo e crente, consultava-o nas suas doenças e nos seus sofrimentos. É
que D. Joaquim fazia milagres. Escusam de sorrir... O milagre é uma comunicação
entre pessoas que têm radicada e viva esta força enorme: a fé. D. Joaquim da
Boa Morte curava as criaturas simples, as mulheres, as crianças e os homens da
serra que o iam visitar...» Desta notável figura Transmontana de Barroso fala a
Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira e outros livros da época.
Entretanto, já nos nossos dias, foi restaurada a Ordem de Sto Agostinho, no
Sameiro (Braga). Aí vivem vários padres crúzios que passaram a ter sede, a meia
dúzia de quilómetros da sepultura daquele que fora o último da extinta geração.
Aí conhecemos o Padre Samuel (oriundo do Texas) que, em 2003, preparava uma
tese doutoral inspirado em D. Joaquim da Boa Morte.
Em
Sto Emilião e em Montalegre, houve cerimónias evocativas desse Padre Crúzio.
Montalegre inaugurou uma Rua com o seu nome, na descida para o Rolo. Sabemos
que o seu processo relacionado com a santidade se encontra no Vaticano, em vias
de ser assumido o reconhecimento da sua beatificação. Ainda são vivos alguns
familiares desse tronco genealógico, como, por exemplo, da Família do
engenheiro Fernando Gusmão.
Era
interessante que a Câmara de Montalegre, a exemplo do que fez em 2003, ao
invocar os 100
anos da sua morte, assinalasse os 200 do seu nascimento. Temos conhecimento de que este último Padre Crúzio, da Ordem de S. Teotónio, primeiro santo Português, se encontra em fase de análise no departamento da Causa dos Santos.
Barroso
da Fonte
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