sábado, 14 de setembro de 2024

EXCERTO - LIVRO "A ÚLTIMA ESTAÇÃO DO IMPÉRIO"

 

Por MARIA da GRAÇA

EXCERTO - LIVRO "A ÚLTIMA ESTAÇÃO DO IMPÉRIO"

 UM ADEUS AO EXMO. DR.ANTÓNIO CHAVES, MESTRE EM ECONOMIA EUROPEIA E ESCRITOR -ORGULHOSO BARROSÃO

... - Então, vais aparecer fardado na tua terra?

- Não. Não é possível.

- Porquê?

- Porque se entra fardado o gado não vai conhecer e acontece coisa ruim.

- Como assim?

- Uma vez, na família, um soldado foi com farda a casa. O gado estremeceu. Morreu o gado todo.

                                                  * *  *

Um dia, o Cambrunhanga comprou, ou ofereceram-lhe, um rinoceronte bebé, justamente acabado de nascer.

Criou-o a biberão, até começar a pastar, no exterior. Para o pastoreio, arregimentou um guarda nativo, com a particularidade de gostar da pinga. O rinoceronte foi ganhando empatia com o pastor e tratador e, a pouco e pouco, inverteram os papéis. Quando o guardador se tomava da pinga, muitas vezes adormecia. Nesses casos o rinoceronte é que passava a guardar o pastor.

O rinoceronte foi crescendo e a partir de certa altura já não era conveniente mantê-lo ali próximo da população local. O Cambrunhanga resolveu oferecê-lo ao Jardim Zoológico de Lisboa.

O rinoceronte foi transportado de barco de Moçâmedes para Lisboa. Para reduzir o stress do animal, o pastor e tratador acompanhou-o na viagem e ficou cerca de seis meses a colaborar na sua adaptação à realidade específica do Jardim Zoológico, em Lisboa.

Terminado esse período, regressou à origem. Então é que foi um tempo de novidades. A população local tinha contacto com os brancos do "puto», com os homens que vieram do mar como se referiam a eles, nos primórdios das viagens marítimas. Mas não era a mesma coisa ver como eram e viviam na sua própria terra, contado e visto por um dos seus; era a ocasião certa de ficar a saber, de fonte limpa, como era a terra de onde vieram os brancos.

Os curiosos chegavam de sanzalas distantes para escutar o relato do viajado.

Contava a sua experiência, o seu dia a dia em Lisboa, o que o tinha impressionado, o que jamais teria imaginado sem ter visto.

Contava, por exemplo, que o branco não vivia numa cubata térrea, dentro de um Kimbo, como eles. Os brancos do «puto» dormiam uns por cima dos outros, em casas que construíam, umas sobre o tecto das outras. Aquilo deixava-os completamente incrédulos ; como é que eram tão «bárbaros»para fazerem uma coisa daquelas?

Contava que para ele era muito difícil andar nas ruas de Lisboa.    

       «Muito difícil andar na rua. A rua tem lugar para passar automóvel e passeio para as pessoas passarem.

         Com tanto branco que andava na rua, quando punha pé no passeio vinha logo branco e eu descia; quando voltava a colocar pé no passeio já vinha outro branco, e eu descia. Muito, muito difícil andar no passeio , no puto (...) »

A viagem deste humilde pastor perdurou por muito tempo na memória daquela gente e constituiu um momento de orgulho para todos eles. Afinal, formas simples de contacto e de aproximação humana espontânea, natural, vestida de graciosa ingenuidade, mas profunda nos seus efeitos. O reconhecimento das diferenças entre povos e culturas, ocorrência que se repete desde o fundo dos tempos, tanto pode gerar conflito e confronto, como proporcionar aproximação e convivência pacífica, miscigenação, de que emerge mais cedo ou mais tarde, uma nova síntese cultural, novos padrões de ser e de agir.

... (...)

In  A ÚLTIMA ESTAÇÃO DO IMPÉRIO

1 comentário:

  1. Bento da Cruz fez deste livro a maior recensão que conheço, 12 páginas de apreciação altamente elogiosa, onde se escreveu: “A ÚLTIMA ESTAÇÃO DO IMPÉRIO - UM LIVRO NOTÁVEL
    Desde a Ilíada de Homero que a guerra tem sido fonte de inspiração de livros imorredoiros. Podemos dizer afoitamente que este de António Chaves enfileira entre os melhores. Para além do ambiente de quartel, captado e descrito com mão de mestre, fala-nos do sortilégio dessa África misteriosa, sob muitos aspectos ainda mal conhecida…”

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