segunda-feira, 29 de maio de 2023

Almoço de Família


JORGE GOLIAS
Então hoje, Domingo, vamos ao restaurante indiano. De que toda a família gosta menos a Teresa. E eu até agora gostei de todos os pratos que me puseram, mesmo por vezes mal sabendo o que continham, o certo é que me souberam muito bem.

O atendimento é impecável, equivalente ou melhor ainda que o do chinês. A Teresa vai comendo o que mais se parece com a comida portuguesa. Estes almoços funcionam para mim como a hipótese de ver a filha, as netas e o neto.

Hoje só vai uma neta, a Marquinhas que, desde que se empregou, mal aparece, só mesmo num almoço de Domingo. A Constança está em Turim, no Erasmus, e o João está na apresentação do filme Nação Valente, aí por Extremoz.

Sinto que cada vez estão mais distantes, cada vez nos vemos menos e ao telefone quase nem falamos. Estarei a queixar-me? E terá algum mal que o faça? Estarei com receio dos dias depois da velhice caminhante e falante? Ou seja, tenho mesmo medo de um dia estar aqui com a Teresa sem mais companhias? Ou, pior, que a Teresa um dia esteja aqui sozinha? Eu pratiquei a solidão muito bem em mais de 2 anos na Guiné e 2 anos nas Ilhas Desconhecidas. E como leio e escrevo o tempo passa e não me sobra. Mas…vêm-me à memória estes versos do poeta AA:

Qualquer dia/ fico eu de vigia (…) Qualquer dia/ ficas tu de vigia.

Já percebi várias coisas. Por exemplo que não irei ler toda a minha biblioteca de mais de 3000 livros. Que não irei escrever tudo o que queria e gostava. Pior ainda, que irei partir com as mesmas dúvidas existenciais com que acordei para a vida.

Sobre Deus nunca direi que estamos conversados ou que já dei para esse peditório. Ainda há dias tive a sempiterna discussão com o António Pedro Vasconcelos. Então foi assim: recebi num Domingo um sms dele a perguntar se podia ligar. Estava com o meu melhor amigo civil, o João Rocha, em Paço d’ Arcos. Liguei-lhe a perguntar que cerimónia ele estava a fazer comigo. Respondeu que era Domingo. Retruquei que não ia à missa. Replicou que também não, que era ateu. Botei-lhe em cima a minha resposta para este tema, que eu era agnóstico porque não tenho inteligência suficiente para concluir que não há Deus. Então, o velho realizador (83 anos) explicou-me que todos vivemos com um mistério: o mistério da Criação do Mundo! E alguns, para resolver este mistério acrescentam outro: criam um Deus para explicar tudo isto, ou seja, em vez de um mistério ficam com dois. Ele opta só por um, por ser mais leve de suportar.

Pois, eu que tenho sempre respostas, ou quase sempre, desta vez fiquei calado, tacitamente dei-lhe razão, mas isso não me fez mudar de campo – o agnosticismo.

E sobre outros temas, idem, sou tão ignorante sobre eles e não invejo os sábios que sabem melhor do que eu que nada sabem. Será preciso ir à hermenêutica disto? Creio que não, toda a gente sabe desta ciência. Agora fala-se em aprendizagem contínua, toda a vida. Pergunto a ninguém, porquê só agora? Toda a vida aprendi de tudo e mais alguma coisa, mas incomoda-me a repetição do aprendizado. Porque significa que esqueci.

Por exemplo, ontem veio-me às mãos um livrinho onde se explicava o significado de “levar a carta a Garcia”. Pois já me tinha esquecido da história de um cidadão americano que teve de levar uma carta do presidente dos USA ao General Garcia, comandante dos revoltosos cubanos contra o ocupante espanhol (na guerra entre os USA e Espanha em 1898). O pensador Elbert Hubbard (1856-1915) escreveu esta história assim:

Para tal missão e sem quaisquer explicações de quem era este general e apenas sabendo que ele se encontrava nas montanhas de Cuba (Sierra Maestra?), foi escolhido um homem de nome Rowan, que “pegou na carta, a guardou numa bolsa impermeável, que prendeu sobre o coração, desembarcou à noite ao largo da costa de Cuba, desapareceu na selva e três semanas mais tarde saiu pelo outro lado da ilha, tendo atravessado a pé um terreno hostil e entregue a carta a Garcia”.

 Este conto fez 200 milhões de exemplares, foi traduzido em quase todas as línguas e, reza o Google, só a Bíblia o ultrapassa em publicações. Só se percebe o porquê deste sucesso pela análise desta autêntica lição de moral, num tempo mais material.

Pois então, o almoço correu bem, continuei a gostar da comida indiana e a Teresa continuou a não gostar da comida indiana. A Teresa Paula e a Marquinhas adoram, mas sempre dentro da linha de não comerem carne, que seguem há mais de 1 ano.

Este último Domingo de Maio num Maio, maduro Maio, já adiantado, está a chegar ao fim. Aqui no meu posto de trabalho consulto a folha de Excel para ver o que me calha amanhã. Consulta às 11h20 de medicina geral para seguimento de rotina. E, enquanto for de rotina tudo está bem. Qualquer dia, deixo de passar por entre os pingos da chuva e molho-me, como os demais meus amigos. Mas, até lá, vou folgando…

 

Carnaxide, 28 de Maio de 2023 (o de 1826 é de má memória)                        JG82                                                                                         

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