Clemente Pedro Nunes, professor catedrático do Instituto Superior Técnico, Jornal i (14/08/2020).
Por decisão do Governo de José Sócrates, desde 2005 que o sistema elétrico
português está baseado em potências elétricas intermitentes, as eólicas e as solares.
Sendo intermitentes – ou seja, ora existem ora não existem –, e porque a
eletricidade não se armazena, esta decisão foi um erro clamoroso porque
compromete a estabilidade de fornecimento que a eletricidade tem de ter.
Para atrair investimentos para estas potências elétricas intermitentes que,
além de desestabilizarem o sistema, estavam ainda numa fase de grande
imaturidade tecnológica, o Governo Sócrates/Pinho decidiu brindar os
investidores que alinhassem nessa estratégia com FIT (feed-in tariffs).
As FIT dão a quem delas beneficie generosas tarifas garantidas em
simultâneo com uma reserva absoluta de mercado, e tudo isto durante 15 anos!
Como as FIT expulsam do mercado todos os concorrentes, mesmo os que vendem
eletricidade a preços muito mais baixos, estes privilégios conduziram a um
grande aumento do preço da eletricidade, que é, em Portugal, um dos mais altos
da Europa, para além duma dívida tarifária de 3 mil milhões de euros, a
suportar pelos consumidores.
Por isso, hoje, em 2020, os consumidores continuam a estar obrigados a
pagar 380 euros/MWh de eletricidade proveniente de 900 MW de potências solares
intermitentes, quando o preço de mercado de eletricidade é de apenas 40
euros/MWh!
E assim, todos os anos, os consumidores têm de pagar 600 milhões de euros
de sobrecustos, que massacram as famílias e as empresas portuguesas.
Mas as desgraças não se ficam por aqui…
Entre 2011 e 2017 não foram concedidas mais FIT a potências intermitentes
mas, após a substituição de Jorge Seguro Sanches como secretário de Estado da
Energia, a partir de 2018, a dupla Matos Fernandes/João Galamba voltou a
atribuir ainda mais FIT a mais potências intermitentes, que já atingem 8700 MW
quando o consumo nas horas de vazio é apenas de 3900 MW.
A central de Sines é a maior e mais eficiente da Península Ibérica e, como
já está amortizada, podia vender a preços muito baixos, o que faria descer o
preço da eletricidade para os consumidores. Mas como funciona em regime de
mercado, vê-se confrontada com as FIT das potências intermitentes, que lhe
“roubam” os clientes e a impedem de produzir.
Perante esta situação, que está a arruinar a economia portuguesa, o Governo
tinha a obrigação de cancelar todas as concessões de novas FIT a mais potências
intermitentes e renegociar as já anteriormente concedidas, mas,
lamentavelmente, o Governo quer apostar no hidrogénio, fechar a central de
Sines e continuar a distribuir mais FIT a novas potências intermitentes!...
Deitar fora a atual central e depois gastar milhares de milhões de euros
dos contribuintes numa nova central a hidrogénio é o cúmulo do massacre que as
famílias e as PME vêm sofrendo: por causa das FIT concedidas a potências
intermitentes, que fizeram disparar o preço da eletricidade, os consumidores
irão ser agora obrigados a pagar uma nova aventura megalómana com uma
tecnologia imatura, para assim se salvarem as contas de exploração duma empresa
privada.
A estratégia mediática do atual Governo é igual à do Governo
Sócrates/Pinho: “é preciso salvar o planeta e, para isso, os consumidores
portugueses têm de pagar o que for preciso”.
Mas o encerramento forçado da central de Sines não faz qualquer sentido em
termos da redução global das emissões de CO2, porque:
– Portugal tem uma percentagem de energias renováveis que é já hoje das
mais elevadas da Europa;
– Ao encerrar Sines, Portugal irá importar ainda mais eletricidade de
Marrocos, produzida em centrais a carvão;
– A Alemanha acaba de arrancar com uma central a carvão idêntica à de Sines
e que irá funcionar até 2038.
Por dizer isto na televisão, fui publicamente insultado há dias pelo
secretário de Estado da Energia, João Galamba.
Estando a “Estratégia do Hidrogénio” em discussão pública por iniciativa do
próprio Governo, as opiniões divergentes ajudam a construir uma “nova
estratégia nacional para a energia”, pelo que os insultos pessoais de que fui
vítima revelam uma completa falta de ética e ausência de argumentos para
rebater as minhas afirmações.
Os insultos ficam com quem os proferiu e com o ministro e o
primeiro-ministro que mantêm João Galamba no Governo.
Porque não me deixarei intimidar pelos insultos violentos de que fui
vítima!
E porque assim o exigem uma democracia de qualidade e o futuro de Portugal.
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