ANTÓNIO MAGALHÃES
Um rasto de destruição e morte era o
cenário deixado por uma batalha sangrenta onde as duas partes eram o inimigo
uma da outra. Mesma espécie, mesmo medo, mesma ambição, mesmas alegrias, mesmas
tristezas, mesmas angústias e mesmos comprazimentos, mesmo tudo, e mesmo assim
batem-se em batalha de uma maneira feroz e desumana, à medida que vão
levantando bandeiras de moralismos que justifiquem a hipocrisia da sua
inabilidade de viverem juntos e em paz, quando em cada um deles, entre o
nascer, viver, e morrer, as aspirações são exatamente as mesmas.
O soldado, carregado com a mochila que
transportava às costas, cheia de todo o conteúdo exigido numa guerra, segurando
a arma com as duas mãos, aos poucos foi perdendo a nitidez da imagem
devastadora que se apresentava à sua frente. Era como se tudo começasse a ficar
ofuscado, como quem olha através da janela num dia de inverno e o calor que
emana de dentro da casa, em contraste com o frio e a chuva lá fora, embacia a
vidraça obscurecendo o cenário que se comtempla.
Eram as lágrimas que lhe invadiam o
glóbulo ocular. Esmagou-as com as costas da mão e limpou-as.
Na vasta planície jaziam corpos sem
vida, abatidos sem dó nem piedade pelo outro inimigo. Aqui e ali emergiam alguns focos de fumo,
como o rescaldo de um incêndio depois de ser combatido.
Do outro lado da planície, algures fora
do alcance da vista, esporadicamente ainda se viam como que faíscas das balas
que saíam da arma de um ou outro resistente por detrás da linha.
O soldado sabia que era arriscado
continuar em frente, mas sabia também que por detrás de si surgiria a qualquer
momento um batalhão de soldados inimigos. Tinha que continuar em frente.
Pela primeira vez sentiu o verdadeiro
medo atacá-lo na forma de pânico. O coração começou a bater de uma maneira
feroz, as mãos a suar, as pernas a tremer, o formigueiro na barriga, a
dificuldade de respirar, uma espécie de vertigem na cabeça, a boca seca, e um
monte de agulhas provavelmente a saírem das mãos e dos pés, dos braços e das
pernas.
Neste momento o soldado está ocupado de
mais com o seu ataque de pânico para perceber que a maior parte dos sintomas
que lhe tomaram conta do corpo seriam praticamente os mesmos que sentiria se
estivesse num estado de excitação proporcional ao medo que agora o atacou, com
a única diferença de que é a mente, que mediante o cenário que dos olhos colhe
informação, lhe diz que está em perigo. Ótimo, isso é um sinal de alerta para
dele se precaver.
Mas o medo não serve os seus propósitos
se depois do “alerta”, nos paralisar. Há que agir.
Mesmo assim, o seu natural instinto de
sobrevivência, através de um subconsciente que não serve só para moralismos,
diz-lhe numa voz que soa como que vindo lá bem do fundo do túnel, que é o
momento de agir.
Este era o verdadeiro teste à sua
coragem. Até aqui teve forças para continuar uma guerra que não pediu, mas
agora que lhe faltavam as forças, só lhe restava a coragem de continuar quando
essas forças se fragmentavam.
“Está tudo bem, vai que vais conseguir.
Não se vence o medo fugindo dele.”
A força não vem da capacidade física.
Vem de uma vontade indomável. (Mahatma Gandhi)
(Diário das Pequenas Reflexões)
António Magalhães
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