Fotografia do UK Ventilator Challenge
Team da qual o autor fez parte
Por António Magalhães
Técnico Aeroespacial
Sheffield
A aventura como técnico na indústria aeroespacial começou na Irlanda do Norte, numa pequena vila piscatória chamada Kilkeel, situada entre, mais a norte da ilha, Belfast (cerca de 50 milhas) e a Sul da vila, Dublin (84 milhas).
Se começo
esta crónica pela bonita e acolhedora vila de Kilkeel, de onde guardo algumas
boas recordações dos inícios desta minha jornada, profissionalmente, pelos
meandros da indústria aeroespacial, mais propriamente a aviação, é só para que
me possa situar no contexto da razão de ser e da mensagem que se pretende
transmitir no texto, uma vez que, como um dos efeitos colaterais da corrente
pandemia, a indústria foi, em termos económicos é obvio, uma das primeiras a
ser implacavelmente afetada.
A
companhia para a qual eu iniciei esta minha aventura como técnico, no ramo
aeroespacial, foi uma das leaders mundiais no fabrico de grande parte do
interior dos aviões, entre os quais os assentos, regulares, primeira classe,
business executive, platinum etc.
As instalações
da então BE Aerospace situadas na pequena vila de Kilkeel davam abrigo laboral
a mais de mil trabalhadores, e eu era um deles.
Não é
minha intenção pormenorizar detalhes do meu trabalho como técnico da indústria,
mas não resisto em mencionar, nesse período, uma oferta para que me deslocasse
à Carolina do Norte, Estados Unidos, para dar suporte a uma equipa de mecânicos
da United Airlines, que seriam os responsáveis por colocar os assentos de
primeira classe e business executive, dentro dos aviões, produto que a BE
Aerospace, companhia para quem eu trabalhava em Kilkeel, fabricava.
“Então e
que faço eu na terra do Tio Sam durante essas três semanas?” perguntei ao meu
manager que me respondeu prontamente, “Nada. Os mecânicos vão desmontar os
assentos lá na Carolina do Norte para os colocarem dentro do avião e depois
voltam a montá-los no devido lugar. A tua tarefa é apenas observar e estar
disponível para responder a quaisquer dúvidas que eles tenham ao executar o
trabalho”.
O produto
de que se fala era um projeto novo da companhia, desenvolvido em exclusivo para
a United Airlines, produto esse bastante sofisticado, com todas as mordomias a
que um bilhete de cerca de doze mil dólares dava direito. E luxo não lhe
faltava. Desde as cómodas reclinações do dito cujo, às consolas, vídeos,
compartimentos para higiene pessoal etc. Tudo isto numa espécie de concha que
fazia parte do assento.
A razão
pela qual eu fui nomeado para representar a companhia na assistência à
colocação do novo produto dentro dos aviões, lá na Carolina do Norte,
prendeu-se com a boa impressão que os Ianques tiveram quando enviaram a equipa
de mecânicos para duas semanas de demonstração de desmontagem e montagem dos
assentos, demonstração essa da qual eu fiz parte pois trabalhei no projeto com
os devidamente qualificados engenheiros, desde o princípio, e por isso tinha
conhecimento, mas acima de tudo, a dedicação que acabaria por impressionar a
dita equipa de mecânicos da United Airlines, e daí o terem requerido o meu
apoio na Carolina do Norte. Tanto que, regressados à América, depois de
concluídas as duas semanas de demonstração, o chefe da equipa enviou um email à
BE Aerospace a agradecer todo o apoio que lhes foi facultado, e um “special
thanks to the Portuguese Fanando, pelo indispensável e tão proveitoso apoio e
partilha de conhecimento.”
Chamem-lhe
falta de modéstia se quiserem, mas em minha defesa posso argumentar que só
mencionei o episódio porque os nossos amigos Ianques foram incapazes de
mencionar o meu nome corretamente uma vez que, na minha certidão de nascimento
se prova que sou Fernando e não Fanando, pormenor que, apesar de tudo eu
perdoei aos amigos Maricanos, pois sabia que dariam o erro mesmo antes de eles
atentarem a escrever o nome.
Talvez
por isso que, cá por terras de sua majestade quase todo mundo que me conhece
começasse por me chamar António, ao que parece mais fácil de pronunciar. Tenho
quatro nomes…sirvam-se. Escolham.
Quando
concluído o contrato na Irlanda do Norte, surgiu um outro em Amesterdão, no
Schipool Airport a trabalhar para a KLM.
Novo
contrato, novo desafio. Desta vez no hangar 14 do aeroporto a reparar as
galleys, ou seja, para os mais leigos na matéria, as cozinhas que normalmente ficam
situadas na frente, junto ao cockpit, e na parte de trás do avião.
Era um
novo desafio e eu gosto de novos desafios.
Entre
muitas outras memórias que guardo desses tempos em Amesterdão o que mais
vivamente recordo com satisfação foi o concerto que tive a oportunidade de
assistir, de Roger Waters, em Landgraaf, na tour “Dark Side of The Moon”.
O desafio
agradava-me imenso, mas depois de vários meses longe dos meus amados, com
alguma pena deixei Amesterdão e iniciei um outro desafio de volta a território
Inglês, numa cidade chamada Byfleet, nos arredores de Londres.
À medida
que o tempo foi passando e à medida que fui ganhando experiência tornei-me num
bom profissional. A experiência por vezes é um bom certificado de competência e
profissionalismo.
Por esse
motivo tive o privilégio de trabalhar com algumas companhias líderes mundiais
no ramo aeroespacial.
A
acrescentar à Irlanda do Norte, Amesterdão e Byfleet, temos também Gatwick,
País de Gales, Cambridge, Dinninghton, Leighton Buzzard, Luton e Bradford.
Em
Leighton Buzzard, um contrato que era para seis meses, foi sendo sempre
renovado durante sete anos.
Quem
trabalha na indústria aeroespacial sabe que a interpretação e execução de
desenhos de engenharia, referentes ao trabalho que se executa, é muitíssimo
importante.
Mas, em
sete anos de companhia, de dedicação e profissionalismo, acima de tudo, sentido
de responsabilidade, chega-se ao ponto em que, a maior parte das vezes já nem
sequer é preciso recorrer ao computador para consultar as direções que os desenhos
de engenharia proporcionam uma vez que, como já foi dito no decorrer desta
crónica, a experiência é um dos melhores certificados de competência e
conhecimento.
Tudo
então a correr sobre rodas. Tudo a correr sobre rodas até que…vindo lá dos
quintos da Gronelândia aparece o inimigo invisível, e uma das indústrias mais
robustas em todo o mundo, de repente torna-se uma das mais frágeis e
vulneráveis de sempre. Milhares de pessoas, eu entre elas, perdem o seu
emprego.
Nessa
época escrevi uma crónica que foi publicada no Bom dia e no blog Tempo
Caminhado. Crónica essa que até me trouxe alguns dissabores. Mas isso aí talvez
fosse culpa minha porque não me terei explicado bem. A ideia não era que, das
poucas pessoas que leram o artigo, algumas delas pensassem que eu me estaria a
lamentar, e por esse motivo me estivessem a dar uma espécie de pesar, do qual
eu não tinha mesmo necessidade nenhuma.
Como
diria Diácono Remédios…Ó meus amigos zzz não havia necessidade zzz.
Não sou
homem de baixar os braços, mas sim de ir à luta, nas boas e nas más
circunstâncias.
Por isso
mesmo, duas semanas depois recebo um telefonema para fazer parte do projeto “UK
Ventilator Challenge” e começo a trabalhar em Luton, na GKN Aerospace,
companhia que fazia parte de um vasto leque de prestigiadas companhias como a
Rolls Royce, Mc Laren, Smiths Medical, etc. no fabrico de ventiladores para o
Serviço Nacional de Saúde, NHS.
Alem de
ser mais um desafio, novo, novíssimo, foi acima de tudo um desafio muito
especial uma vez que, o meu trabalho e dos meus colegas que fizeram parte desta
equipa de profissionais dedicados, ajudou com toda a certeza a salvar vidas.
Depois, à
medida que o tempo foi passando, os números de vítimas fatais foram descendo. E
ainda bem que sim. O Reino Unido infelizmente fez, e continua a fazer, parte
das listas de maior número de mortes pela covid 19 na europa e no mundo.
Os
números desceram. E ainda bem que desceram, mesmo que por esse motivo o governo
tivesse cancelado o projeto e mais uma vez eu ficasse sem trabalho.
Desempregado, quero eu dizer.
Desta vez
não escrevi um artigo acerca do assunto. Também não me fiquei a lamentar pelos
cantos. Servi-me do computador para apelar para qualquer tipo de trabalho.
Qualquer tipo de trabalho. Desde que, obviamente, decente.
Depois de
quase três semanas e muitas aplicações para tudo o que viesse à rede, eis que
recebo um telefonema de Bradford. Novo desafio. Desta vez a fabricar máquinas
de alta precisão, numa companhia que é líder de mercado e que orgulhosamente
exibe the Queens Awards for Enterprise.
O meu
curriculum falou por si só, e a companhia ofereceu-me um contrato bastante
decente. Não fosse este vírus, (que não deixa de ser um maldito) e eu não viria
parar a um outro interessante desafio na minha vida.
O covid
tirou, o covid voltou a dar, voltou a tirar e acabou por proporcionar…New
challenge.
... E vai ficar na História! Parabéns. O Mundo vai ficar-lhe grato...
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