Cheira-me que a magia negra
vai fazer prescrever todo o enredo, com o especialista em filosofia
socrático-política a ficar com a casa do seu salgadíssimo amigo lá para as
bandas das furnas de Cascais.
Esta semana fui para o divã
do psicanalista, um jovem à la Freud. Coitado, aqui em St Andrews tem levado
grandes abadas deste seu amigo nas partidas de golf que temos disputado. Talvez
por isso, esmerou-se na terapia. E foi desencantar aos confins dos meus
neurónios e sinapses a bibliomania de que sofro. E conseguiu que o meu
subconsciente lhe revelasse uma enfermidade: abrange um misto de culto, droga
dura, nostalgia, e literatomania. A minha vasta biblioteca é, como o Hans bem
sabe, produto de uma desordem organizada nas N estantes que cobrem várias
paredes da casa do Porto e desta aqui em St Andrews. Trazem-me um prazer
erótico-intelectual (?). E entre os 7.000 volumes redescubro tesouros
esquecidos, onde a literatura de língua inglesa tem grande destaque, logo
seguida da francesa (80 volumes da Pléiade, para que saiba, mais a obra
completa do Simenon, etc.), literatura russa (traduzida para francês, bem
melhor que o inglês para transpor toda a beleza daquela língua escrita — falada
é de medo), e também destaque para os grandes escritores lusitanos. Aí continuo
fã de dois contemporâneos (e o Hans também os lê intensamente), que são Mário
Cláudio e Marcello Mathias.
Mas são sobretudo os
“divertimenti” que hoje me tornam vítima fácil dos alfarrabistas.
Não só aqui na Escócia,
como também na Lusitânia, os alfarrabistas abandonaram os catálogos impressos,
em que à terceira página fartam e vão para cesto de papéis, dada a letra ínfima
e as linhas compactas. Agora, felizmente, remetem-me por email catálogos bem
mais sexy (quero apenas dizer atraentes…), com as capas dos livros
digitalizadas, o que apura o apetite, mantendo referências técnicas divertidas
(exemplar cansado, é expressão adorável). E gosto de oferecer, a amigos e
amigas especiais, livros “divertimenti” afins às suas histórias de vida. Sei
que they see the point, e que lhes trago inesperadas alegrias e gratas
memórias. E o intrigante é que a nostalgia me acanha…
Acho engraçado contar-lhe
que na Lusitânia, o único alfarrabista que conheço bem é o Nuno Canavez, da
Livraria Académica no Porto, um monumento nacional português, ele e a loja. A
intelectualidade portuguesa que se preza, incluindo os mais reputados
escritores, para se afirmarem, não podem deixar de ir à Livraria Académica! E
aos sábados de manhã até têm tertúlia com gente do melhor, incluindo o Germano
Silva, jornalista e portólogo doutorado, outro monumento!
E olhe, só o Canavez é
alfarrabista capaz de perceber “84, Charing Cross Road”, da autoria de Helene
Hanff, que creio já lhe ter referido. É livro feito para bibliomaníacos como
eu. Se tivesse seguido a carreira de alfarrabista teria sido feliz ao grau da
perfeição encarnando ESSE alfarrabista de Londres no nº 84 de Charing Cross
Road, o Frank Doel. Existe uma tradução em lusitano, mas esgotada. Além do
original inglês, há tradução alemã. Se estiver interessado, arranjo. Estou
certo que viu o magnífico filme de1987, do mesmo título, com a Judi Dench e o Anthony
Hopkins. Um tearjerker…
Para que esta carta não o
deixe também no sofá do Freud, vou-lhe contar histórias da suave e leve
Lusitânia. Olhe que aquela gente está tão mansa, tão mansa, que o líder da
oposição (chama-se Riacho, ou Ribeiro, ou Afluente, não estou certo) não só
acostou à propriamente dita Costa (esqueça o género…, está na moda) do
adversário, como lhe estendeu a passadeira vermelha para ele não ter de prestar
quase nenhumas contas ao Parlamento. O Boris aqui da Britain está surpreendido!
Mas como se isso não
bastasse, emergiu um Betinho Soviético, de barba à moda e cara de mau que,
apesar de colega do tal Costa, lhe quer cortar umas coisas que eu cá sei com a
foice, e com o martelo esmagar-lhe a cabecinha. Cheira a traição de telenovela
barata.
Recebi por mail o débito
directo da EDP para a casa da Foz do Douro. Não me surpreende que vão todos
dentro: só uma pequena parte do que se paga é electridade! Os lusitanos em
matéria de originalidade são de truz! Por um lado querem meter os autores
dessas proezas na choldra. Mas por outro querem construir uma fábrica de hidrogénio
em Sines, a Mexer com Mansidão, se calhar pondo ao leme os mesmos da EDP, pois
o modelo para o crime é igual! Admire-se.
Esta semana lá tive que ir
a Lisboa, numa urgência. Almocei no Gambrinus que devia ter, não três, mas
cinco estrelas Michelin. A qualidade gastronómica e de serviço que sempre lhe
conhecemos em NADA mudou desde o tempo dos meus Avós. Além dos milionários, servem
pelintras, hoje, tal como no tempo em que, com reverências agradáveis e
guardanapos do melhor, nos apresentavam as inesquecíveis sandwiches de foie
gras com pickles e um cervejola, tudo a 6$00. Agora tudo igual, até no preço:
€6.
Mas a Rua das Portas de
Santo Antão, onde está o Gambrinus, parece saída de um daqueles blockbusters em
que a guerra química arrasa com todos: a rua não tem vivalma, está tudo
fechado, sai-se de lá…, olhe, para o seu divã do Freud!
Uma das eminências que
estava nesse almoço foi vítima indirecta das malandrices de um tal Pinto de
Sousa. Ele está a ver que não vai haver juízo final ou alma Suprema que lhe
valha. Esse Sousa gosta das grandezas, e apropriou-se não só de alguns
cêntimos, como do apelido do ilustre filósofo grego Sócrates. Com essa alcunha
fez um acto de ilusionismo que nem o magnífico Luís de Matos (vi-o a triunfar
em Las Vegas!) chegando a Primeiro Ministro (desculpe lá as maiúsculas, é por
respeito a outros). Como, em histerismo incansável, aprendeu de A a Z o manual da contabilidade
criativa e em notas vivas, acabou na cadeia acusado de ignomínias sem par. Mas,
assegurando, para ele e para os quarenta ou mais colegas de turma, uma caverna
de Ali Bábá recheada até à porta. Apesar de na Lusitânia ser tudo estupendo, a
terra implica tribunais, juízes, etc,. Pois olhe, um desses, por sinal rosado
forte, está tão baralhado no meio dos polícias e ladrões que não tem tempo para
julgar o filosófico personagem! Magia negra lusitana, tipo barreira defensiva
do rugby, gente musculada.
E o meu amigo, coitado, vê
o socrático navio a fugir e a prescrever no horizonte enevoado pelo CV19..
Como o homem já está
familiarizado com a senda do vale tudo, devia ler na revista “Deviant
Behaviour”, uma prestigiada publicação académica (consulte a Wikipédia sff). Aí
se explica a existência de um mercado disponível de gente que, a soldo, liquida
desde sogras, a inimigos de ex-primeiro-ministros, a credores, a juízes, a
testemunhas inconvenientes, etc. Os preços variam: por US$5.000 vai ter de se
contentar com uns encapuchados que se limitam a fazer a folha ao indesejável
num simples parque de estacionamento ou coisa parecida, indo depois beber uma
cerveja a qualquer lado. Mas como ele está à vontade para arejar US$100.000
vindos da caverna, pode optar por um trabalho mais cuidadoso, em que até se
consegue fazer desaparecer o cadáver, ou provar em tribunal que foi tudo um
acidente… Um dos fornecedores aparece na dark web com 48 especialistas de
serviço 24 horas por dia…, contratáveis de Sidney ao Algarve.
Ando a aconselhar o meu
amigo para não se deixar tentar, e não usar esses serviços, seja para dar
destino ao juiz com excesso de trabalho, seja ao próprio filósofo. Seria
irracional! Digo-lhe para se emparedar-se em local secreto, evitando a morte
certa no caso de os outros se quererem antecipar
Cheira-me que a magia negra
vai fazer prescrever todo este enredo, com o especialista em filosofia
socrático-política a acabar por ficar com a casa do seu salgadíssimo amigo lá
para as bandas das furnas lagosteiras de Cascais. Aí poderá passar a
bronzear-se tranquilamente naquela magnífica piscina rodeada de belos painéis
de azulejos que um banqueiro do antigamente com tanto amor e arte mandou
construir.
Isto tudo num indecifrável
“está tudo fantástico”, “somos os campeões do mundo”, proclamado pelo supremo
magistrado lá da terra.
E acho que estou a imitar o
William e a ficar um maçador nas minhas cartas que só falam desta Lusitânia,
cujas originalidades nos trazem obcecados.
Para amainar o William da
vontade, que partilho moderadamente, em pousar a pena e desertar a nossa
correspondência, talvez lhe levante o castigo, e o deixe assistir à
apresentação do novo logo da Woschiems AG. Não o vou deixar ficar mal, e até
pode ser que nesse dia o apresente ao Musk. O meu amigo da Tesla está chateado
com a Lusitânia. Imagine que o colossal projecto de energia natural IT que ele
tem para o Alentejo está a ser objecto da concorrência de um tal qualquer coisa
Guilherme, que tem o costume de conferir liberalidades, no mínimo de 14
milhões, aos amigos que lhe dão sal à medida. E como sente as cartas marcadas
pelo Soviético a que o William, com propriedade, chama Betinho, de seu nome,
creio, Pedro Santos Nuñez, para conseguir resultados à la Mexia, parece tentado
a não perder mais tempo com os US$ mil milhões que tem alocados ao Projecto!
Aufwiederschreiben, mein
Freund!
Palavras Cruzadas é o título de uma série de cartas
íntimas trocadas entre dois amigos. Um é alemão (Hans Hoffmann), residente em Krefeld, perto de Dusseldorf, e outro
escocês (William Archibald), residente em St Andrews,
na Escócia, mas ambos com casa em Portugal, país que os apaixonou. A
correspondência tende a revelar um Portugal e um mundo vistos por Hoffmann na
perspectiva da floresta, mas mais como árvore nas cartas de Archibald. Misturam
nessa correspondência acontecimentos políticos, sociais culturais e económicos
tanto portugueses como internacionais, revelando o seu cosmopolitismo. Usam de
ocasional ironia em factos por vezes semi-ficcionados.
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