Pintura idealizada da
rainha
Santa Isabel de Portugal,
da autoria de Francisco de Zurbarán
(1598-1664), Museu do Prado.
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Hoje (4 de Julho) celebra-se em todo o mundo uma das figuras mais
encantadoras da história portuguesa. Muitos escreveram sobre ela, mas a melhor
biografia é a publicada em 2011 pelo historiador espanhol José Miguel Pero-Sanz.
Já adivinhou? É uma mulher aparentada com quase toda a realeza europeia: avós
húngaros e alemães, pai aragonês, mãe de sangue alemão e siciliano. Pelo
casamento com D. Dinis, ficou ligada à coroa portuguesa e indirectamente às
famílias reais francesa e castelhana. Tinha um porte elegantíssimo, cabelo
claro, olhos verdes, feições perfeitas. Os cronistas da época falam da «sua
grande formosura, muito louvada nas cortes dos reis e dos príncipes». Media
1,76 m. Isabel era um deslumbramento, naquela época.
Sabia arranjar-se, usava bons vestidos e jóias caras. Era rainha a tempo
inteiro e não deixava que alguém tivesse dúvidas a esse respeito. Até ao fim da
vida, assinou sempre «Isabel, rainha de Portugal e do Algarve». Oficialmente,
começou a ser rainha aos 11 de idade, embora só tenha começado a exercer
funções quando entrou em Portugal, com 12 anos.
Um traço de carácter que se destacava era a autoridade natural. Mandava
(mandou muito!), mas com uma ascendência tão forte que todos lhe reconheciam a
liderança. O marido dizia e repetia que ela «nasceu para ser rei» (escrevia
assim, no masculino) e o povo concordava, porque Isabel não precisava de puxar
por uma espada para pôr em sentido os vassalos mais poderosos e ricos, pouco
dados a obedecer.
Nasceu no palco das intrigas internacionais. Talvez por isso, tivesse um
instinto e uma habilidade política tão extraordinários.
Naquela época, as famílias reais costumavam casar entre si, primos com
primos, de modo que o flagelo da consanguinidade explica muita coisa. O caso de
Isabel foi uma excepção. O seu próprio casamento com o rei português foi um dos
poucos daquela época que não precisou de dispensa papal por razão de
consanguinidade. Por causa dos cruzamentos entre familiares próximos ou do
ambiente decadente da corte portuguesa, ou por várias razões juntas, D. Dinis
foi um homem descontrolado, violento ou, como o descrevia Vitorino Nemésio, «vigoroso,
com uma imaginação aguda e sensual; não lhe faltavam na sua própria casa
exemplos de vida regalada». Este luxo e essa luxúria não ajudaram a formar uma
personalidade íntegra e generosa. Desse descontrolo nasceram muitos filhos
ilegítimos e confrontos sangrentos. Por outro lado, segundo os dados
disponíveis, D. Dinis foi o primeiro rei português não analfabeto o que, só por
si, diz muito sobre a rudeza intelectual daquela corte. D. Isabel tinha outra
formação. Sabia latim. Ai dos padres, se alguma vez eram pouco rigorosos no
latim, na presença dela!
A história descreve-nos D. Isabel como estadista profissional. Não tinha
nada de frágil senhora num mundo desumano dominado por homens violentos. A sua
profissão, a tempo inteiro, foi ser rainha. Administrou um património enorme,
que mobilizou, com mão firme, ao serviço dos mais pobres e da cultura, e
estendeu a sua acção diplomática a grande parte da Europa. Valendo-se dos laços
familiares, tomou a iniciativa de intervir em muitas disputas, com tanto
sentido de oportunidade e de justiça, com tanta capacidade de negociação, que
resolveu conflitos aparentemente insolúveis. O correio diplomático e os
enviados não paravam. A vida desta mulher é um exemplo extraordinário de
capacidade de trabalho.
Em Lisboa, perto da «Loja dos Açores», existe uma lápide que pertenceu a um
padrão ainda mais antigo. Traduzo: «Santa Isabel, rainha de Portugal, mandou
colocar este padrão neste lugar em memória da pacificação que nele se fez entre
seu marido el-rei D. Dinis e seu filho D. Afonso IV, estando para se darem
batalha, na era de 1323». Recentemente, roubaram a cruz e depois a coluna do
padrão. Resta a lápide, a recordar o episódio. Os poderosos preparavam-se para disputar
o poder, à custa de uma guerra civil; intervém a rainha, com coragem física e inteligência
rápida. Cederam o rei, o filho, os nobres.
Os êxitos das mediações nacionais e internacionais de Santa Isabel não
cabem num artigo de jornal.
Em Junho de 1336, chegou-lhe a notícia de mais uma guerra, desta vez entre Portugal
e Castela. A rainha pôs-se a caminho. Tinha 65 anos, eram muitos quilómetros e
vários rios pelo caminho, mas não houve maneira de a convencer.
O calor apertava. Ao fim de uma semana de viagem, chegou a Estremoz,
recebida com imenso carinho, mas com uma úlcera no braço. Os tratamentos não
deram nada. No dia 1 de Julho a febre foi tanta que não conseguiu levantar-se
para assistir à Missa. Os médicos estavam confiantes, a rainha percebeu que
estava por um fio.
No dia 4, confessou-se antes da Missa, celebrada no quarto. Ainda se
levantou para ir à capela. Durante o dia, conversou com as visitas, encantadora
como sempre. Tudo normal, excepto que Nossa Senhora lhe apareceu, quando estava
com a nora. À noite, quis que não atrasassem o jantar por sua causa. Pouco
depois teve um desfalecimento e D. Afonso correu para junto da mãe. Recompôs-se,
e ficaram os dois a falar das netas. Passado um tempo, advertindo que o fim se
aproximava, invocou Nossa Senhora, recitou o Credo, o Pai Nosso e outras
orações. A voz ficou sumida e difícil de entender. Morreu.
Era o dia 4 de Julho. Hoje, festa de Santa Isabel.
José Maria C. S. André
«Correio dos Açores», 7-VII-2014
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