quinta-feira, 18 de junho de 2020

A Homenagem justíssima ao Professor João de Castro Nunes

Lubango - A place to relax in Angola | VictoriaFalls24
LUBANGO (ANGOLA)

Professor Carlos Fabião
Ao longo deste mês, o do falecimento (2016), iremos revisitar o percurso académico e poético do Professor João de Castro Nunes, rendendo-lhe a justíssima Homenagem que merece. Ontem dedicámos-lhe escrito singelo. Hoje apraz-nos publicar o seu curriculum académico e pessoal elaborado por um dos seus discípulos: o Professor Doutor Carlos Fabião.


João de Castro Nunes
1921-2016

João de Castro Nunes foi personalidade com percurso singular no contexto da arqueologia portuguesa, por conjugar uma notória dimensão cosmopolita e uma abordagem profundamente regionalista. Teve no megalitismo da região das beiras um dos seus objectos de estudo preferenciais, o que justificou a sua ligação e colaboração com Vera Leisner.


Nascido em Braga em 1921, Castro Nunes licenciou-se em Filologia Clássica na Universidade de Coimbra, em 1945, com elevada classificação, e Doutorou-se na mesma área de estudos e pela mesma Universidade em 1955, com a tese O problema das guturais em indo-europeu e o testemunho dos factos gregos quanto à existência originária das labiais-velares. Ao contrário do que era habitual na época, por serem escassos os Doutores, não foi cooptado pela Academia, tendo seguido um percurso profissional distinto, associado ao ensino do português em universidades estrangeiras, querantes quer depois do Doutoramento.
Foi leitor de português na Universidade de Santiago de Compostela, durante sete anos, na Universidade de Barcelona, durante dois anos, tendo sido o primeiro leitor de português na instituição, seguidamente, na Universidade de Salamanca, por cinco anos, finalmente, na Universidade Católica de Paris, num total de quinze anos ininterruptos de leccionação da língua portuguesa e, sobretudo, de permanência no estrangeiro. Durante este longo périplo internacional, privou com a importante geração de arqueólogos espanhóis do pós-guerra, como Martin Almagro Basch ou Joan Maluquer de Motes.
O interesse de Castro Nunes pelos temas arqueológicos foi precoce, vasto e diversificado. Logo em 1948 publicou o seu primeiro trabalho sobre epigrafia, do conventus bracaraugustanus, no periódico da Universidade de Santiago de Compostela, em 1950 deu à estampa nos Cuadernos de Estudios Gallegos um artigo sobre os miliários de Nerva, amplamente citado e debatido. Simultaneamente, avançou com o estudo do dólmen da Barrosa (Vila Praia de Âncora), cuja escavação empreendeu em 1948, com publicação de resultados que se estendeu de 1951 a 1955. Pela mesma época, publicou dois pequenos opúsculos, um de epigrafia e outro sobre um machado de bronze, em cadernos do Museu Municipal de Arganil.
Antecedendo a apresentação do seu Doutoramento, Castro Nunes publicou em1953 nas páginas da Revista de Guimarães um artigo, Pré-história e Linguística, pleno de erudição, de forte matriz germânica, mas onde não faltam as referências a Gordon Childe ou George Dumézil, de certo modo justificativo da conjugação de interesses aparentemente tão diversos como a sua formação filológica e a sua inclinação para os estudos pré-históricos. Não parece despropositado recordar como esta corrente de investigação, muito popular na viragem do século XIX para o XX, mas caída em desuso na segunda metade do século XX, foi reanimada por Colin Renfrew, de novo e sempre, em torno do “puzzle indo-europeu”.
Durante a década de 50 do século XX, o período mais fecundo do seu percurso de investigador, publicou duas dezenas de estudos na revista Zephyrus, na Revista de Guimarães, e no periódico regionalista Arquivo Histórico de Góis, para além de manter assídua colaboração na imprensa da região centro, com especial destaque para o jornal A Comarca de Arganil, onde deu à estampa alguns estudos que nunca foram objecto de publicação em outros media, como por exemplo, a notícia do tesouro monetário da época de Augusto de Moura da Serra (1959). Foi nesta década que mais claramente se afirmou a sua dimensão de arqueólogo, com sólidos conhecimentos, resultantes do acesso que tinha à documentação conservada em instituições internacionais e ao bom domínio de diferentes línguas.
Em 1958 recebeu uma bolsa de estudo para a Alemanha onde recolheu informação sobre a Idade do Bronze, um dos novos temas do seu interesse. Nesse mesmo ano, apresentou um conjunto de comunicações ao I Congresso Nacional de Arqueologia (Lisboa, 1958), revelador dos seus diversificados interesses: sobre o problema do “Ancorense”, novos aspectos da cultura megalítica, os petróglifos da Pedra Letreira (Góis), estudos sobre a Idade do Bronze e uma primeira abordagem ao que então se considerava o “castro” da Lomba do Canho (Arganil), mas nenhum destes estudos foi publicado nos volumes das Actas, o que se poderá dever ao facto de ter saído com substancial atraso (somente em 1970) o segundo volume das ditas.
Estas comunicações acabaram por se dispersar em pequenas publicações, nas já mencionadas revistas e os petróglifos da Pedra Letreira em volume monográfico editado pela autarquia de Góis.
Esta ligação à Arqueologia justificou a solicitação que lhe foi concedida em 1959 de equiparação curricular para se propor a um novo Doutoramento, em Arqueologia e História da Arte, na Universidade de Lisboa. O tema escolhido foi o megalitismo das bacias hidrográficas do Mondego e Alva, projecto que não chegou a concretizar, mas que justificará a não publicação da referida comunicação sobre o megalitismo, de novo apresentada em Madrid nesse ano de 1959.
Em 1960, com a publicação da primeira parte do estudo dedicado à estela da Idade do Bronze de Meimão, na Revista de Guimarães, encerra-se um ciclo na actividade profissional de Castro Nunes.
Realizou a habilitação para o ensino nas escolas secundárias e, de 1961 a 1973, leccionou nesse nível de Ensino, foi Director da Escola Técnica de Gouveia. Contudo, não cessou a actividade arqueológica, tendo participado no II Congresso Nacional de Arqueologia (Coimbra, 1970), com comunicações reveladoras dos seus habituais interesses e labores: a anta do Pinheiro dos Abraços, Bobadela, Oliveira do Hospital, e novo complexo de petróglifos de Góis, a Pedra Riscada. Uma vez mais, não entregou os textos para as actas onde figuram somente os resumos, que só mais tarde publicou.
Durante este período, não se registam novos trabalhos publicados. Figura ainda na lista de participantes do III Congresso Nacional de Arqueologia (Porto, 1973), identificado como professor da Escola Técnica de Gouveia, não constando que tivesse apresentado qualquer comunicação.
Em 1973, com a criação do Ensino Superior nas Colónias, Castro Nunes rumou a África e ingressou na Universidade de Luanda, mais concretamente à então Sá da Bandeira (actual Lubango) onde funcionou o Curso de Letras. Este ingresso na universidade deu novo alento aos seus estudos. Em Sá da Bandeira publicou o volume monográfico sobre a Pedra Riscada e o notável Introdução ao estudo da cultura megalítica no curso inferior do Alva, anteriormente apresentado ao I Congresso Nacional de Arqueologia e divulgado em Madrid. O volume tem prefácio de Vera Leisner, datado de 1964, um claro indício de que estaria preparado para edição muitos anos antes. Ali se apresentam os resultados da escavação da anta dos Moinhos de Vento, Arganil, escavado com uma inovadora metodologia, inspirada no chamado método dos quadrantes de Mortimer Wheeler. Ao contrário do que era habitual na época, sublinhe-se, finais dos anos 50 do século XX, Castro Nunes não se limitou à escavação da câmara e corredor da anta, abordando o estudo global do monumento.
Vítor Oliveira Jorge foi um dos autores que destacou a relevância deste estudo. Conhecedor do trabalho de Castro Nunes, pela sua passagem pela Universidade de Angola, referiu ser o Introdução ao estudo da cultura megalítica… “um dos raros trabalhos portugueses em que é desenvolvidamente focada a metodologia usada na escavação de um túmulo megalítico” (JORGE, 1978: p. 248).
Depois do do 25 de Abril de 1974, assumiu as funções de Director dos Cursos de Letras, por nomeação da Comissão Ad Hoc, ratificada por votação de professores, alunos e funcionários da Universidade. No verão desse ano, com vista à preparação de prova académica, fez novo périplo internacional pelas Universidades de Salamanca, Paris e Oxford.
Em 1976, com o início da guerra civil angolana, regressou definitivamente a Portugal, ingressando no Quadro Geral de Adidos, que acolheu o funcionalismo público das ex colónias portuguesas. Nesse mesmo ano, esteve destacado na delegação de Coimbra do Serviço Cívico Estudantil (o ano intermédio entre o Ensino Secundário e a Universidade, criado no ano lectivo de 1974-75, antes da instituição do décimo segundo ano de escolaridade). Neste contexto, promoveu várias acções no domínio do levantamento e estudo do Património Cultural da região Centro.
Em Setembro de 1976 assumiu funções de Professor Auxiliar no Departamento de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, leccionando Arqueologia Romana e Epigrafia Latina, a par das unidades curriculares de línguas clássicas.
A partir de 1977/78, as disciplinas de Arqueologia e Epigrafia estenderam-se à área de História, em regime opcional, veio ainda a assumir, mais tarde, a leccionação da unidade curricular de Pré-História.
Nesse mesmo ano lectivo iniciou colaboração como Professor Convidado de Civilizações Clássicas, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, então em fase de instalação.
Em 1979 / 1980 prosseguiu a colaboração com a FCSH da UNL, na leccionação da área de Arqueologia a par das Civilizações Clássicas, esta colaboração estendeu-se até ao ano lectivo de 1983-1984.
Em 1979, ascendeu à categoria de Professor Associado na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, passando a dirigir o seu Instituto de Arqueologia, em 1980.
A partir de 1982 passou a leccionar também no Mestrado em Literaturas Clássicas e a dirigir dissertações de Mestrado e Doutoramento.
Criou o Museu Regional de Arqueologia, em Arganil, em 1981, em conformidade com a persistente defesa que sempre fez da regionalização das unidades museológicas de Arqueologia.
No ano de 1991, quando completou 70 anos, jubilou-se na Faculdade de Letras de Lisboa, com a categoria de Professor Associado.
Manteve ainda uma ligação à Universidade Lusíada, onde colaborou desde 1988.
Nesta última etapa da sua carreira de investigador, mais do que obra publicada, João de Castro Nunes distinguiu-se pela dimensão formativa, marcando fortemente uma nova geração de arqueólogos, como António Dias Diogo, Amílcar Guerra, João Carlos Senna-Martinez, Inês Vaz Pinto, bem como o autor destas linhas, entre outros que directamente com ele privaram.
JORGE, V.M.O. (1978) Escavação de um túmulo megalítico: problemas metodológicos. Setúbal Arqueológica, IV, p. 241-255.
Elaborada  pelo Professor Doutor Carlos Fabião.

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