LUBANGO (ANGOLA) |
Professor Carlos Fabião |
1921-2016
João de Castro Nunes foi
personalidade com percurso singular no contexto da arqueologia portuguesa, por
conjugar uma notória dimensão cosmopolita e uma abordagem profundamente regionalista.
Teve no megalitismo da região das beiras um dos seus objectos de estudo
preferenciais, o que justificou a sua ligação e colaboração com Vera Leisner.
Nascido em Braga em 1921,
Castro Nunes licenciou-se em Filologia Clássica na Universidade de Coimbra, em
1945, com elevada classificação, e Doutorou-se na mesma área de estudos e pela mesma
Universidade em 1955, com a tese O problema das guturais em indo-europeu e o
testemunho dos factos gregos quanto à existência originária das
labiais-velares. Ao contrário do que era habitual na época, por serem escassos
os Doutores, não foi cooptado pela Academia, tendo seguido um percurso
profissional distinto, associado ao ensino do português em universidades
estrangeiras, querantes quer depois do Doutoramento.
Foi leitor de português
na Universidade de Santiago de Compostela, durante sete anos, na Universidade
de Barcelona, durante dois anos, tendo sido o primeiro leitor de português na instituição,
seguidamente, na Universidade de Salamanca, por cinco anos, finalmente, na Universidade
Católica de Paris, num total de quinze anos ininterruptos de leccionação da língua
portuguesa e, sobretudo, de permanência no estrangeiro. Durante este longo
périplo internacional, privou com a importante geração de arqueólogos espanhóis
do pós-guerra, como Martin Almagro Basch ou Joan Maluquer de Motes.
O interesse de Castro
Nunes pelos temas arqueológicos foi precoce, vasto e diversificado. Logo em 1948
publicou o seu primeiro trabalho sobre epigrafia, do conventus
bracaraugustanus, no periódico da Universidade de Santiago de Compostela, em
1950 deu à estampa nos Cuadernos de Estudios Gallegos um artigo sobre
os miliários de Nerva, amplamente citado e debatido. Simultaneamente, avançou
com o estudo do dólmen da Barrosa (Vila Praia de Âncora), cuja escavação
empreendeu em 1948, com publicação de resultados que se estendeu de 1951 a 1955.
Pela mesma época, publicou dois pequenos opúsculos, um de epigrafia e outro
sobre um machado de bronze, em cadernos do Museu Municipal de Arganil.
Antecedendo a
apresentação do seu Doutoramento, Castro Nunes publicou em1953 nas páginas da Revista
de Guimarães um artigo, Pré-história e Linguística, pleno de erudição, de forte
matriz germânica, mas onde não faltam as referências a Gordon Childe ou George
Dumézil, de certo modo justificativo da conjugação de interesses aparentemente
tão diversos como a sua formação filológica e a sua inclinação para os estudos
pré-históricos. Não parece despropositado recordar como esta corrente de
investigação, muito popular na viragem do século XIX para o XX, mas caída em
desuso na segunda metade do século XX, foi reanimada por Colin Renfrew, de novo
e sempre, em torno do “puzzle indo-europeu”.
Durante a década de 50 do
século XX, o período mais fecundo do seu percurso de investigador, publicou
duas dezenas de estudos na revista Zephyrus, na Revista de Guimarães, e no
periódico regionalista Arquivo Histórico de Góis, para além de manter assídua
colaboração na imprensa da região centro, com especial destaque para o jornal A
Comarca de Arganil, onde deu à estampa alguns estudos que nunca foram objecto
de publicação em outros media, como por exemplo, a notícia do tesouro monetário
da época de Augusto de Moura da Serra (1959). Foi nesta década que mais claramente
se afirmou a sua dimensão de arqueólogo, com sólidos conhecimentos, resultantes
do acesso que tinha à documentação conservada em instituições internacionais e
ao bom domínio de diferentes línguas.
Em 1958 recebeu uma bolsa
de estudo para a Alemanha onde recolheu informação sobre a Idade do Bronze, um
dos novos temas do seu interesse. Nesse mesmo ano, apresentou um conjunto de comunicações
ao I Congresso Nacional de Arqueologia (Lisboa, 1958), revelador dos seus diversificados
interesses: sobre o problema do “Ancorense”, novos aspectos da cultura
megalítica, os petróglifos da Pedra Letreira (Góis), estudos sobre a Idade do
Bronze e uma primeira abordagem ao que então se considerava o “castro” da Lomba
do Canho (Arganil), mas nenhum destes estudos foi publicado nos volumes das
Actas, o que se poderá dever ao facto de ter saído com substancial atraso (somente
em 1970) o segundo volume das ditas.
Estas comunicações
acabaram por se dispersar em pequenas publicações, nas já mencionadas revistas e
os petróglifos da Pedra Letreira em volume monográfico editado pela autarquia
de Góis.
Esta ligação à
Arqueologia justificou a solicitação que lhe foi concedida em 1959 de
equiparação curricular para se propor a um novo Doutoramento, em Arqueologia e
História da Arte, na Universidade de Lisboa. O
tema escolhido foi o megalitismo das bacias hidrográficas do Mondego e Alva,
projecto que não chegou a concretizar, mas que justificará a não publicação da
referida comunicação sobre o megalitismo, de novo apresentada em Madrid nesse
ano de 1959.
Em 1960, com a publicação
da primeira parte do estudo dedicado à estela da Idade do Bronze de Meimão, na
Revista de Guimarães, encerra-se um ciclo na actividade profissional de Castro
Nunes.
Realizou a habilitação
para o ensino nas escolas secundárias e, de 1961 a 1973, leccionou nesse nível de
Ensino, foi Director da Escola Técnica de Gouveia. Contudo, não cessou a
actividade arqueológica, tendo participado no II Congresso Nacional de
Arqueologia (Coimbra, 1970), com comunicações reveladoras dos seus habituais
interesses e labores: a anta do Pinheiro dos Abraços, Bobadela, Oliveira do
Hospital, e novo complexo de petróglifos de Góis, a Pedra Riscada. Uma vez
mais, não entregou os textos para as actas onde figuram somente os resumos, que
só mais tarde publicou.
Durante este período, não
se registam novos trabalhos publicados. Figura ainda na lista de participantes
do III Congresso Nacional de Arqueologia (Porto, 1973), identificado como
professor da Escola Técnica de Gouveia, não constando que tivesse apresentado
qualquer comunicação.
Em 1973, com a criação do
Ensino Superior nas Colónias, Castro Nunes rumou a África e ingressou na Universidade
de Luanda, mais concretamente à então Sá da Bandeira (actual Lubango) onde funcionou
o Curso de Letras. Este ingresso na universidade deu novo alento aos seus
estudos. Em Sá da Bandeira publicou o volume monográfico sobre a Pedra Riscada
e o notável Introdução ao estudo da cultura megalítica no curso inferior do
Alva, anteriormente apresentado ao I Congresso Nacional de Arqueologia e
divulgado em Madrid. O volume tem prefácio de Vera Leisner, datado de 1964, um claro
indício de que estaria preparado para edição muitos anos antes. Ali se
apresentam os resultados da escavação da anta dos Moinhos de Vento, Arganil,
escavado com uma inovadora metodologia, inspirada no chamado método dos
quadrantes de Mortimer Wheeler. Ao contrário do que era habitual na época,
sublinhe-se, finais dos anos 50 do século XX, Castro Nunes não se limitou à escavação
da câmara e corredor da anta, abordando o estudo global do monumento.
Vítor Oliveira Jorge foi
um dos autores que destacou a relevância deste estudo. Conhecedor do trabalho
de Castro Nunes, pela sua passagem pela Universidade de Angola, referiu ser o
Introdução ao estudo da cultura megalítica… “um dos raros trabalhos portugueses
em que é desenvolvidamente focada a metodologia usada na escavação de um túmulo
megalítico” (JORGE, 1978: p. 248).
Depois do do 25 de Abril
de 1974, assumiu as funções de Director dos Cursos de Letras, por nomeação da
Comissão Ad Hoc, ratificada por votação de professores, alunos e funcionários
da Universidade. No verão desse ano, com vista à preparação de prova académica,
fez novo périplo internacional pelas Universidades de Salamanca, Paris e
Oxford.
Em 1976, com o início da
guerra civil angolana, regressou definitivamente a Portugal, ingressando no Quadro
Geral de Adidos, que acolheu o funcionalismo público das ex colónias
portuguesas. Nesse mesmo ano, esteve destacado na delegação de Coimbra do Serviço
Cívico Estudantil (o ano intermédio entre o Ensino Secundário e a Universidade,
criado no ano lectivo de 1974-75, antes da instituição do décimo segundo ano de
escolaridade). Neste contexto, promoveu várias acções no domínio do
levantamento e estudo do Património Cultural da região Centro.
Em Setembro de 1976
assumiu funções de Professor Auxiliar no Departamento de Estudos Clássicos da
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, leccionando Arqueologia Romana e
Epigrafia Latina, a par das unidades curriculares de línguas clássicas.
A partir de 1977/78, as
disciplinas de Arqueologia e Epigrafia estenderam-se à área de História, em regime
opcional, veio ainda a assumir, mais tarde, a leccionação da unidade curricular
de Pré-História.
Nesse mesmo ano lectivo
iniciou colaboração como Professor Convidado de Civilizações Clássicas, na Faculdade
de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, então em fase de instalação.
Em 1979 / 1980 prosseguiu
a colaboração com a FCSH da UNL, na leccionação da área de Arqueologia a par
das Civilizações Clássicas, esta colaboração estendeu-se até ao ano lectivo de
1983-1984.
Em 1979, ascendeu à
categoria de Professor Associado na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa,
passando a dirigir o seu Instituto de Arqueologia, em 1980.
A partir de 1982 passou a
leccionar também no Mestrado em Literaturas Clássicas e a dirigir dissertações
de Mestrado e Doutoramento.
Criou o Museu Regional de
Arqueologia, em Arganil, em 1981, em conformidade com a persistente defesa que
sempre fez da regionalização das unidades museológicas de Arqueologia.
No ano de 1991, quando
completou 70 anos, jubilou-se na Faculdade de Letras de Lisboa, com a categoria
de Professor Associado.
Manteve ainda uma ligação
à Universidade Lusíada, onde colaborou desde 1988.
Nesta última etapa da sua
carreira de investigador, mais do que obra publicada, João de Castro Nunes distinguiu-se
pela dimensão formativa, marcando fortemente uma nova geração de arqueólogos, como
António Dias Diogo, Amílcar Guerra, João Carlos Senna-Martinez, Inês Vaz Pinto,
bem como o autor destas linhas, entre outros que directamente com ele privaram.
JORGE, V.M.O. (1978)
Escavação de um túmulo megalítico: problemas metodológicos. Setúbal Arqueológica,
IV, p. 241-255.
Elaborada pelo Professor Doutor Carlos
Fabião.
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