Ao contrário
da máfia siciliana, o Estado “social” (desculpem) não avisa nem visita nem
explica: limita-se a assaltar as pessoas até à falência destas. Se, entretanto,
as avisar, é para efeitos de coima
Alberto
Gonçalves - OBSERVADOR
Pouco depois
da criação da “geringonça”, uma daquelas Irmãs Metralhas do Bloco estabeleceu o
mote para os tempos que começavam: “Temos de perder a vergonha de ir buscar
dinheiro a quem está a acumular”. Claro que os socialistas, na versão assumida
ou na “moderada”, nunca deixaram de “ir buscar dinheiro a quem está a
acumular”. A influência dos comunistas, a partir de 2015, traduziu-se apenas no
descaramento com que se passou a roubar. E no montante do roubo.
Não quero com
isto comparar o atual Estado à máfia. É muito pior. A máfia detecta os cidadãos
que conseguem juntar uns trocos, providencia-lhes uma simpática visita e
explica-lhes com doçura que seria uma pena um negócio próspero ver-se
comprometido por, digamos, “acidentes”. No final, estabelece-se um “donativo” a
troco de “proteção”. O “donativo” permite que o comerciante ainda continue a
amealhar qualquer coisa. A “proteção” é eficaz.
Ao contrário da máfia siciliana, o Estado “social” (desculpem) não avisa nem visita nem explica: limita-se a assaltar as pessoas até a falência destas. Se, entretanto, as avisar, é para efeitos de coima. Se, entretanto, as visitar, é para fechar-lhes o estaminé. Se, entretanto, explicar, é mentira. Aqui, o “donativo” é incomportável. E a proteção é nula, tão nula quanto a proporcionada por um SNS a cair aos bocados.
Também não
quero comparar as inspirações da Irmã Metralha às do dr. Costa. Aquela rege-se
pelo velho motor da História marxista, a inveja: perceberem que alguém vive
razoavelmente do próprio trabalho provoca justa indignação em espécimes que
vivem do trabalho alheio. O dr. Costa rege-se pela sobrevivência. Parecendo que
não, ou parecendo muito evidentemente que sim, o assalto generalizado aos
otários que imaginavam conseguir poupar dinheiro honesto em Portugal dá uma
folga sofrível aos cofres públicos. Para o próximo ano, o assalto atinge tais
proporções que a propaganda do regime fala em “excedente orçamental” e volta a
incensar o “Ronaldo das finanças”. Na prática, o “Ronaldo das finanças” –
analogia que devia suscitar um processo do futebolista por calúnias – é um
feirante especializado em enganar pategos e que, sem a ajuda de um poder
arbitrário, seria incapaz de gerir a tesouraria do condomínio.
Apesar disso,
alguns condôminos, perdão, alguns pategos aplaudem a proeza “excedentária”. Uns
porque são genuinamente estúpidos e julgam que a quadrilha que manda nisto
gasta euros com mais sabedoria do que os infelizes que os ganharam. Outros
porque são genuinamente oportunistas e contam beneficiar do saque. Os segundos
têm razão, além de terem a cegueira dos primeiros a legitimá-los. A maior
extorsão de sempre, ou a maior carga fiscal de sempre, ou a maior viragem de
página de austeridade de sempre permite ao governo proceder à tradicional
redistribuição da riqueza entre os amigos, os amigalhaços, os compinchas, os
grupos de interesses e os “sectores estratégicos” necessários à manutenção do
poder. Não se compram votos de mãos vazias.
A fim de
encher as mãos, e de cumprir o desígnio de patrocinar o que não presta e taxar
o que funciona, no Orçamento de Estado de 2020 o governo volta a atirar-se ao
que, sabe Deus, ainda vai funcionando. No país da “vanguarda tecnológica”
(falem com o prof. Marcelo), tão avançado no combate à “emergência climática”
que se desconchava inteiro a cada chuvisco, ou lucramos com o turismo ou não
lucramos com nada. E onde há lucro há um socialista gordo e babado, a afiar os
dentes. No caso do OE, o apetite incide sobretudo no alojamento local, cujos
proveitos os socialistas tencionam recolher de modo literalmente exaustivo.
É mau para
todos? Longe disso. É bom para o PS e suas metástases. É bom para a Associação
de Hotelaria de Portugal, presidida pela mulher do ministro que tutela o
turismo. E não é mau para empresários do ramo como o marido da dona Catarina
Martins, que vê os seus “projetos” turísticos financiados pelo QREN e pelo
FEDER em centenas de milhares. Estudos mostravam que a máfia não teria
sobrevivido se hostilizasse toda a gente. Aos socialistas basta agradarem às
criaturas certas, na quantidade certa. No que toca aos restantes, o saque vai
prosseguir. E só terminará quando os restantes perderem a paciência ou o último
tostão. Nesse dia, o socialismo terminará também. Ninguém o chorará, por não haver
motivo. Ninguém festejará, por não haver dinheiro.
Nota de
rodapé
Muitos comentadores
transformaram a censura de Ferro Rodrigues [foto] a André Ventura num deslize
de uma alta figura da nação que serviu para promover um populista. Acredito que
o dr. Ventura seja um populista, mas se o dr. Ferro representa a nação,
coitadinha desta. Nem falo do currículo democrático do dr. Ferro, que culminou
naturalmente neste recente e grotesco ato. Falo daquilo de que sempre evitei
falar: a aparência da personagem. Olhem para qualquer imagem do dr. Ferro.
Atentem nos pormenores, depois no aspecto em geral. Sei que estes não são os
critérios fundamentais da avaliação política. Sucede que há limites. O dr.
Ferro ultrapassa estes com o mesmo empenho com que ultrapassou os outros. É
exato que, no invólucro e no conteúdo, o dr. Ferro representa o regime – e
sobretudo o estado em que o regime se encontra.
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