GRAÇA FRANCO RENASCENÇA |
Os nossos miúdos de dezasseis anos tiveram azar. Nisto estou de acordo com
Brandão Rodrigues, no seu comentário aos resultados do PISA 2018 que acaba de
avaliar a sua capacidade de aplicar conhecimentos em áreas-chave. Segundo a
tese do ministro, o azar deveu-se a terem nascido no tempo errado, apanhado a
"troika", a crise, o desinvestimento e, claro, as políticas
educativas de Nuno Crato nos três anos anteriores. É incrível a desvergonha e a
desresponsabilização que esta interpretação significa.
Estes miúdos não voltam a ter quinze anos, mas talvez António Costa possa
olhar para os resultados obtidos e salvar os que hoje ainda têm onze anos. Para
isso, talvez deva começar por travar os desvarios experimentalistas do atual
ministro. Tanto mais que já não teremos nenhum outro indicador útil para nos
indicar o caminho. As séries dos resultados das provas de aferição tornaram-se
inúteis porque incomparáveis.
Sim. Tiveram azar. Viveram de crise em crise, reforma em reforma,
contestação em contestação. Mas o seu pior azar foi o de, depois de Crato,
terem apanhado com um ministro que dá este exemplo de assunção das
responsabilidades e padece, de novo, da síndrome do iluminado. Pretende
reescrever a história, mudar currículos, destruir os vagos instrumentos de
aferição da qualidade. Um ministro que, tal como o antecessor, quis reverter,
mudar, deixar a sua marca em nome de uma ideologia de pretenso sucesso. Como se
o sucesso pudesse ser decretável a partir da 5 de Outubro e não tivesse de ser
acompanhado de uma pedagogia de trabalho, rigor, persistência, esforço e resiliência.
Tudo coisas essenciais à sobrevivência num mundo ultra-competitivo. Neste,
a pior exclusão será a do conhecimento porque vai ser sobre ele que se vai
edificar tudo o resto. O que é grave é a fotografia traçada pelo PISA 2018.
Essa é que devíamos começar todos a discutir.
Os próximos tempos serão de “excelência” e entre os jovens alunos
portugueses, 43,6 por cento, ou seja, quase metade, a nível de interpretação de
textos, fica-se pelos dois níveis mais baixos na escala, isto é, “ Não consegue
identificar a ideia principal de um texto moderadamente longo (nível 2) e/ou
“compreender o significado literal de frases e pequenas passagens, o tema
principal ou a intenção do autor…” ( nível 1).
Custa pensar que um quinto dos nossos alunos revelou dificuldades em
aspetos básicos de leitura e que apenas 7,5 por cento atingem os dois níveis
superiores de interpretação numa leitura demorada. Isto significa que coisas
tão básicas quanto entender os manuais de instrução de máquinas, a forma como
se devem ou não tomar medicamentos, a interpretação de como se devem movimentar
na cidade, o acesso à cultura estão praticamente vedado a boa parte dos nossos
jovens (não estamos a falar de trabalhadores em idade ativa, mas da geração dos
nativos digitais).
Contas feitas aos dois últimos ciclos de avaliação, os resultados são
verdadeiramente desanimadores: entre 2012 e 2015, as competências de
interpretação e leitura tinham aumentado dez pontos, colocando-se bem acima da
média, e, agora, caíram 6, ficando-se o saldo positivo dos últimos seis anos em
4 pontos. Em Ciências, a subida com Crato tinha sido de 11 pontos e a descida
de Brandão foi de 9, desastre total. Em Matemática, a subida do PISA anterior
foi 5 e o último manteve a cotação, seis anos estagnados.
Os nossos nativos digitais não estão preparados para o século XXI. Nem a
família nem a escola os preparou e agora, provavelmente, já não se vai a tempo
de arrepiar caminho. O estudo diz-nos que para o mesmo grau de sucesso em
Matemática e Ciências, 48 por cento dos rapazes já escolheu engenharias e só 15
por cento das raparigas optaram pelo mesmo. Viva a consagração dos estereótipos
de género.
Nos meios favorecidos, 93 por cento dos alunos só se veem doutores, mas
apenas metade dos jovens de meios desfavorecidos acha que talvez consiga lá
chegar. À partida, são 43 pontos de diferença “ambicional” que nos faz ganhar o
"óscar" da discrepância social entre os europeus.
Na Alemanha, a diferença é de 45 pontos, mas deriva de uma composição
totalmente diferente: um quarto dos favorecidos acha que talvez não consiga
seguir para a Universidade e praticamente um terço dos favorecidos também não
sonha com ela e vê outras saídas.
Por cá, em matéria de ambição, sucesso e excelência salvaram-se, como
sempre e sobretudo, os mais ricos. Portugal surge entre os países com maior
disparidade económica social e cultural e um daqueles onde mais pesa a educação
dos pais e as condições económicas de partida no sucesso social das gerações
seguintes.
Em Portugal, a probabilidade de um aluno que se encontre entre os os 25 por
cento mais desfavorecidos ficar entre os dois piores níveis de desempenho na
compreensão de textos é três vezes superior à de um aluno vindo dos 25 por
cento por cento mais favorecidos (a classe média alta/ ou alta)
O elevador social está parado. Mas o mito do ensino privado “para meninos
ricos” e público para os desfavorecidos também morre aqui. Há segregação
social? Há. Em ambas encontramos alunos muito ricos e muito pobres. Embora
exista maior homogeneidade nas escolas privadas, ela está muito longe da que
lhe é imputada. Uma seleção total de alunos implicava um nível 1 (nós ficamos
em 0,4), não há um ensino para a elite . É bom ter isso em conta em políticas
de financiamento indireto como a gratuitidade dos manuais escolares.
A culpa de Crato
Se o desaire de Brandão Rodrigues é culpa de Nuno Crato, o mérito de Maria
de Lurdes Rodrigues deve ser imputado aos seus antecessores. O absurdo desta
tese leva-nos à seguinte conclusão: depois de quatro anos de governo socialista,
em que os resultados em Português subiram 17 pontos, em Ciências 20 e em
Matemática 21, o quadro resulta do trabalho desenvolvido pela oposição e pelos
três anteriores ministros que se sucederam a ritmo alucinante entre finais de
2002 e 2006. Foram eles que ofereceram uma política de estabilidade,
consistência, continuidade e investimento que esteve na base do sucesso obtido
nesse ano de 2009.
Alguém compra esta tese? Ninguém, senhor ministro, nem mesmo a direita ou o
PSD. Não nos tome por tolos.
Nos últimos seis anos, os primeiros três foram de avanço e os três últimos
de marcha atrás. Resumindo, lá continuamos a marcar passo. Podemos fixar o
número que nos define em todos os domínios 492. Para consolo, estamos na média.
Médias são médias, mas para não deprimirmos de todo, a Itália, Espanha
(481), Hungria, Estados Unidos e Grécia (451) ficam abaixo. Em contrapartida a
Holanda (519), Dinamarca, Bélgica, Finlândia, Suécia, Reino Unido, Noruega,
Alemanha, Irlanda, República Checa e França (495) estão todos acima e nem é
preciso referir que a China encima o topo de excelência exibe 591 pontos com
Macau a pontuar 558. Vale a pena pensar quem vão ser os novos senhores do mundo
onde a Europa “corre atrás do prejuízo”, com a honrosa excepção Estónia (523),
em levas sucessivas de testes perante a liderança consolidada da Ásia (China,
Singapura, Japão e Coreia).
Há sempre maneiras de ver copos meios-cheios e meios vazios. Mas, depois de
entornar o conteúdo, é geralmente difícil reencher o copo. Brandão Rodrigues está
claramente a entornar o copo. Ninguém vê?
Alguns vêm, mas têm pouco peso neste mundo de bestas quadradas, complexadas e incompetentes, mas com poder de "quero posso e mando" e ninguém trava!
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