António Magalhães (em Sheffield ) |
A palavra desassossego,
mais do que a palavra ideal é a palavra certa. No entanto, nós que nos seria
impossível falar ou escrever sem usar as palavras uns dos outros, (não
necessariamente na mesma ordem) temos que admitir que há palavras que pertencem
a um número restrito de génios que as conquistaram por mérito próprio.
Desassossego pertence a
Fernando Pessoa. Não só pelo que a palavra significa na sua obra literária, mas
acima de tudo pelas vias que o autor percorreu para a ela chegar.
Cada via, cada artéria,
tem um misto de sentir e de sentimentos, sentir e vivências que por elas palmilhadas
vieram desaguar à palavra que resume, mas acima de tudo, que representa da
maneira mais fiel todo este percurso.
E no entanto, não poderei
dizer faço das dele, as minhas palavras, muito embora também a mim me falte o
tempo, e não que eu tenha uma enorme força de vontade para nada fazer, quando
tenho tanto ainda para fazer, mas na parede interior da minha mente, onde vejo
projetar a minha consciência, tudo me diz que o tempo passou sem que eu me
tivesse apercebido disso. Na impossibilidade de lhe chamar desassossego, que
lhe chamo? Inquietação? Também. Mas desassossego senhor Fernando Pessoa é a
palavra que melhor define, as vias, as artérias por onde tem andado a minha
vida desde o momento em que comecei a notar a consciência. Tornou-se tudo tão
claro, e, no entanto, esse claro é uma maneira estranha e quase bizarra de
falar de escuridão dos meus dias incertos, o constante desassossego, (palavra
que pela sua genialidade por direito lhe pertence).
Se me sentasse aqui nas
margens deste rio que desce correndo, a montanha, se seguisse o percurso da
água que bate contra os pequenos rochedos e pedras dispersas pelo seu leito,
como quem dança uma música feita de sons da natureza, ver-me-ia, não nesse rio,
mas na água que por ele passa a correr, como quem cheio de pressa vai sem
destino à procura da vida que se esqueceu de viver. Ou, eu que passei anos a
ignorar-me a mim mesmo, arranjava uma maneira eficaz de ignorar as vozes da
minha mente, e não que sejam as vozes da loucura, mas antes as vozes de uma
consciência que tardia melhor seria que nunca chegasse, porque dela nasce este
constante desassossego.
Desassossego é a palavra
que não me pertence, mas o seu conteúdo, tem tudo de mim.
Desassossego é este
sentir que bate passo a passo com uma consciência que faz as perguntas a si
mesma que se não querem fazer, as perguntas que sem respostas, fazem dos
ignorantes pessoas felizes. Desassossego, para mim, é o que não quero ver, é o
que não quero sentir, é o que não quero saber, e é tudo isso a multiplicar-se
em verdades às quais já não há mentiras que lhe possam resistir, mentiras onde
as verdades não têm por onde se esconder. A realidade é crua. A verdade é nua.
A consciência das duas é…desassossego(...)
(Excerto de “Confissões
de um Adicto”)
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