terça-feira, 29 de outubro de 2019

Quantos anos tem Portugal?



Imagine-se, caro leitor, a participar num teste de conhecimento em que lhe colocam esta pergunta acompanhada das seguintes 4 possíveis respostas, 840, 876, 880 ou 891 e lhe dizem que apenas uma está correta. Qual seria a sua resposta?

Em princípio, para responder corretamente teria de saber em que data nasceu Portugal. E o leitor certamente não terá a resposta na ponta da língua porque em Portugal tudo é polémico, mesmo a data do seu próprio nascimento!
Como vimaranense, eu bloquearia de imediato a hipótese 891, sem usar "joker", porque não conheço outra razão capaz de justificar a frase lapidar inscrita na torre da alfândega, que diz "AQUI NASCEU PORTUGAL", que não seja o facto histórico de Guimarães ter sido o palco da Batalha de S. Mamede, ocorrida no dia 24 de Junho de 1128. Por esta razão, afirmaria com toda a convicção que Portugal completou 891 anos no dia 24 de Junho do corrente ano (2019-1128=891).
E esta data é polémica, porquê? Porque alguns historiadores consideram exagerado dizer-se que Portugal nasceu com a Batalha de S. Mamede, argumentando que neste dia apenas se deu a substituição do governante do Condado. Preferem eleger para a génese de Portugal outros factos históricos ocorridos na vida de D. Afonso Henriques, como a Batalha de Ourique (1139), o Tratado de Zamora (1143) ou a Bula "Manifestis Probatum" (1179).
É inequívoco que o processo de independência de Portugal se iniciou quando D. Afonso Henriques assumiu o governo do Condado Portucalense em consequência da vitória sobre os partidários da mãe na Batalha de S. Mamede, em 24 de Junho de 1128 e terminou com a confirmação e reconhecimento por parte do Papa Alexandre III em 1179, através da bula Manifestis Probatum.
Durante este período de 51 anos, houve outros episódios que contribuíram para a consolidação da política de independência, como por exemplo o Tratado de Tui (4 de Junho de 1137), a Batalha de Ourique (25 de Julho de 1139), o Torneio de Valdevez (primavera de 1141), o Tratado de Zamora (5 de Outubro de 1143) e a Bula Devotionem Tuam do Papa Lúcio II (1 de Maio de 1144).
A verdade, porém, é que o dia 24 de Junho de 1128 foi o dia mais importante em todo o processo da Fundação de Portugal. A batalha de S. Mamede é a verdadeira certidão de nascimento de Portugal! O grande historiador José Mattoso refere-se a ela como a PRIMEIRA TARDE PORTUGUESA e o pintor Acácio Lino representou-a com este mesmo título, numa pintura mural de 1922, no Palácio de S. Bento.
 Com efeito, a partir da Batalha de S. Mamede D. Afonso Henriques entrou no governo do território do Condado Portucalense com o propósito firme e determinado de assegurar a sua autonomia face ao reino de Leão, onde reinava seu primo Afonso VII, e de romper os vínculos de vassalagem que o território mantinha com ele. Este foi o caminho por si preconizado quando em 1125, com apenas 14 anos de idade, se armou a si próprio cavaleiro, conforme o uso e costumes dos réis, afirmando com este ato a sua legítima pretensão de tomar o governo do Condado Portucalense e de o transformar em reino.
De resto, esta intenção já existia na mente de seu pai, o Conde D. Henrique, enquanto governante do Condado Portucalense. E sua mãe, Dona Teresa, que tomou o poder à morte do marido, já em 1121 se auto-intitulou Rainha. E se não fossem os conflitos que ela provocou com o clero e os fidalgos portucalenses ao afastá-los da gestão dos negócios públicos por troca com forasteiros galegos, certamente não se teria registado a insurreição do filho. E se não houvesse a batalha de S. Mamede, este território a que hoje chamamos Portugal não existiria com esta geografia, com este honroso nome e com a gloriosa história que Luís Vaz de Camões cantou de forma sublime!
A destituição de sua mãe como governante do Condado Portucalense sem o assentimento e contra a vontade do Imperador Afonso VII, foi a primeira afronta - e a mais gravosa - que D. Afonso Henriques infligiu a seu primo e constituiu o primeiro ato do processo de rutura com a suserania de Leão sobre o território portucalense. Hoje em dia esta atitude seria classificada como um "golpe de estado".
É certo que D. Afonso Henriques não se auto-proclamou Rei após a Batalha de S. Mamede. Mas também é verdade que não se deixou tratar por Conde e assim não assumiu um estatuto de submissão ao Rei de Leão. Foi tratado de infante e de príncipe, para se colocar na rota de ascensão à realeza.
Nenhum dos restantes factos históricos acima referidos, ocorridos durante o reinado de D. Afonso Henriques, foi mais importante que a Batalha de S. Mamede para a consolidação da independência de Portugal. Este foi, de facto, o primeiro ato do processo de rutura com a suserania de Leão sobre o território portucalense. O combate em Ourique foi muito importante para o alargamento do território, mas teve como adversários 5 réis mouros que não exerciam suserania sobre o território do então Condado. Em Arcos de Valdevez o confronto com Afonso VII não passou de uma represália que este levou a cabo em consequência dos sucessivos ataques que D. Afonso Henriques lhe fazia na Galiza. Os tratados de Tui e Zamora foram acordos de paz entre ambos, em consequência de ataques perpetrados por D. Afonso Henriques a castelos e terras sob protetorado do monarca leonês. As duas bulas papais inscrevem-se no processo diplomático que D. Afonso Henriques implementou, através da primazia dos arcebispos de Braga, no sentido de conseguir que o Papa lhe aceitasse vassalagem direta, para assim afastar de vez, no plano internacional, a vassalagem a Leão que sempre recusou.
Se a Batalha de S. Mamede não é o dia de nascimento de Portugal, a frase AQUI NASCEU PORTUGAL inscrita na torre da alfândega em Guimarães constitui uma pura fantasia! Para afastar a polémica a este respeito, Guimarães deveria completar a frase com as circunstâncias de tempo e lugar. E assim, a ação de nascer (com o verbo no pretérito) do sujeito (Portugal), seria afirmada com a circunstância de lugar (aqui, Guimarães) e aprimorada com a de tempo (em 1128), resultando "AQUI NASCEU PORTUGAL EM 1128". Com esta ligeira adenda os portugueses passariam a responder com mais facilidade e corretamente à pergunta colocada em título.
                                                                                                
                                                               Pel 'a  Grã Ordem Afonsina

                                                               Florentino Cardoso

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