O melhor de Portugal
são aqueles instantes em que se esforça por simular a aparência de uma nação a
sério e acaba a demonstrar espectacularmente que não passa de um equívoco.
O melhor de Portugal?
Não, não são as praias, nem o clima, nem a gastronomia, nem sequer a indústria
das rotundas. O melhor de Portugal são aqueles instantes em que se esforça por
simular a aparência de uma nação a sério e acaba a demonstrar espectacularmente
que não passa de um equívoco. É como o saltador à vara que promete recordes e
se limita a correr de cabeça contra o colchão, sem vara e sem juízo: temos uma
vaga noção do que importa fazer; não temos noção nenhuma dos meios e dos
métodos necessários para chegar lá. Nem temos vontade. Em “Seinfeld”, o sonho
de George Costanza não era ser arquitecto, mas fingir que era arquitecto. O
sonho recorrente de Portugal é fingir que é um país.
A título de exemplo
recente, podia falar da “inauguração” das “obras” da ala pediátrica do hospital
de São João, que o dr. Costa apadrinhou com pompa, descaramento e demagogia
dois ou três antes das “legislativas”. Agora, toda a gente sabe que o projecto,
que o governo do dr. Costa suspendeu em 2016 e adiou repetidamente, continua a
prosperar apenas nos “media” que divulgam estas rábulas sem escrutínio. Não há
obras e não há vergonha.
Podia falar do chefe
de Estado, o exacto chefe de Estado que visitou um “espaço” de variedades
televisivas para revelar ao povo que talvez, ou talvez não, estivesse doente, e
que, de seguida, recebeu em Belém um batalhão de “influencers”. “Influencers”
são pessoas que recebem sapatos e esfoliantes por recomendar sapatos e
esfoliantes, e o prof. Marcelo conta com elas para debater o futuro da pátria,
da Europa e do mundo. Perante o nível dos pensadores tradicionais com quem o
prof. Marcelo priva, de Marques Mendes a Marques Lopes, sempre será um
progresso.
Podia falar da RTP, o
“serviço público” que suspendeu um programa (de Sandra Felgueiras) durante a
campanha eleitoral para não contaminar as massas, aliás abúlicas, com a
informação de que um secretário de Estado adjudicou um contrato potencial de
380 milhões a uma empresa com 50 mil euros de capital, um ex-secretário de
Estado lá dentro e três dias de existência. A RTP tem sessenta e tal anos e a
cada um o enxovalho aumenta: entre a miséria rotineira, esta semana houve vagar
para uma entrevista hagiográfica ao sr. Lula.
Podia falar das
televisões em geral, que repletas de ignorantes e militantes (desculpem a
redundância), adoptam as “causas” do momento com o entusiasmo dos simples.
Ontem eram os transtornos clínicos da pequena Greta, que os pequenos
jornalistas confundem com ecologia. Hoje é o apoio aos “independentistas”
catalães, porque não têm legitimidade democrática, e a aversão aos
“nacionalistas” britânicos, porque têm legitimidade democrática. Amanhã logo se
verá.
Podia falar dos
eurodeputados do PCP e do BE, que coerentemente rejeitaram a equivalência do
comunismo e do nazismo “decretada” pelo Parlamento Europeu. Embora não espante
nenhuma criatura socialmente apta, a resolução do PE conseguiu indignar os
quatro camaradas que em boa hora depositámos em Bruxelas e os 900 mil devotos
do horror comunista que em péssima hora decidiram permanecer aqui.
Podia falar da nova
ministra da Agricultura, que alguns consideraram uma surpresa. Não percebo
porquê. Antes do ministério, a dra. Maria do Céu Albuquerque foi secretária de
Estado de Nãoseiquê Regional, e antes da secretaria foi autarca em Abrantes. E
foi na câmara de Abrantes que a senhora exibiu vastos conhecimentos agrícolas,
ao pagar, com dinheiro público e por ajuste directo, 60 mil euros por 30
oliveiras pertencentes a familiares do então seu homólogo de Proença-a-Nova,
ontem premiado com a secretaria de Estado das Florestas. Além disso, a dra.
Maria do Céu também pagou 515 mil euros – dinheiro alheio – por uns filmes do
filho do deputado socialista Pedro Bacelar de Vasconcelos. Provavelmente, as
protagonistas dos filmes são as oliveiras, e aguardo com ânsia o lançamento em
DVD.
Podia falar da
fresquíssima e (por enquanto) opcional disciplina de “História, Culturas e
Democracia”, que altera o passado à luz da “culpa” e das “vítimas” e sobretudo
da “sensibilidade”, de modo a rimar com a infantilidade dos tempos que correm.
É a troca do realismo patriótico pelo realismo mágico, ou de uma realidade
ocasionalmente enviesada por uma realidade minuciosamente inventada para
acomodar os delírios de burgessos. Quando os burgessos ocupam a mansão, é
natural que plantem couves na banheira.
Podia falar, mas não
falo. No fundo, reescrever o passado é de somenos: convém é reescrever o
presente. Se um dia aparecer por cá vida inteligente, não haverá maneira de
acreditar que o que está a acontecer aconteceu mesmo.
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