BARROSO da FONTE |
Distinto
Apresentador do Programa VOCÊ NA TV
No
passado dia 10 de Junho, o programa que Vª Exª regularmente apresenta exibiu
uma peça (ver hiperligação seguinte) em que se fizeram várias perguntas a 9
pessoas nas ruas de Guimarães sobre factos históricos relacionados com o nosso
país, a primeira das quais foi:
-
Quantos anos tem Portugal?
Na
falta de respostas inequívocas por parte dos interpelados, Vª Exª concluiu que
Portugal deveria ter 840 ou 876 anos, conforme se considerasse ter nascido em
1179 ou 1143. E esclareceu que o ano de 1179 se refere à confirmação pelo Papa
Alexandre III, para a qual se inclinou, enquanto o ano de 1143 respeita à
assinatura do Tratado de Zamora celebrado entre D. Afonso Henriques e seu primo
Afonso VII.
A Grã
Ordem Afonsina, subscritora desta carta, é uma associação sem fins lucrativos
sediada em Guimarães, que tem como objetivos:
1 - O
estudo , investigação e divulgação dos mais variados aspetos da Vida e Obra do
Primeiro Rei de Portugal e, em especial, daqueles que constituem um património
imaterial da cidade de Guimarães;
2 - A
promoção da figura do Primeiro Rei de Portugal como símbolo identitário de
Guimarães que lhe serviu de berço, como fundador da nação portuguesa e como
pedra angular da construção da grande pátria lusófona.
Nesta
qualidade, permitimo-nos discordar da posição que Vª Exª tomou relativamente a
esta questão, porque para nós vimaranenses, Portugal completou em 24 de Junho
do corrente ano a bonita idade de 891 anos e está prestes a atingir os 9
séculos de vida.
Com
efeito, a cidade de Guimarães é considerada o Berço da Pátria e ostenta com
muito orgulho na torre da alfândega a frase de exaltação patriótica que todos
conhecem:
Porque
razão se diz que Portugal nasceu em Guimarães? Será esta frase lapidar uma
quimera?
Não se
conhece outra razão capaz de justificar este título que não seja o facto
histórico de Guimarães ter sido o palco da Batalha de S. Mamede no dia 24 de
Junho de 1128, na sequência da qual D. Afonso Henriques assumiu o governo do
Condado Portucalense, por ter derrotado os partidários de sua mãe D. Teresa.
Este
episódio histórico foi cantado por Camões no canto III dos Lusíadas, com estes
versos decassilábicos:
"De
Guimarães o campo se tingia
co
sangue próprio da intestina guerra
onde a
mãe que tão pouco o parecia
a seu
filho negava o amor e a terra".
Alguns
historiadores consideram exagerado dizer-se que Portugal nasceu em 24 de Junho
de 1128, por nesse dia, segundo eles, apenas se ter dado a substituição do
governante do Condado.
A verdade, porém, é que este foi um
dia determinante no processo da fundação de Portugal ou, como diz o grande
historiador José Mattoso, o dia em que se viveu a PRIMEIRA TARDE PORTUGUESA,
simbolizada no quadro de Acácio Lino.
De
facto, a partir do dia 24 de Junho de 1128, em que derrotou os partidários de
sua mãe, D. Afonso Henriques entrou no governo do território do Condado
Portucalense, com o propósito firme e inequívoco de romper os vínculos de
vassalagem que o território mantinha face ao reino de Leão, onde reinava o seu
primo Afonso VII.
Este
foi o caminho por si preconizado quando em 1125, com apenas 14 anos de idade,
se armou a si próprio cavaleiro, conforme o uso e costumes dos reis, afirmando
com este ato a sua legítima pretensão de tomar o governo do Condado
Portucalense e de o transformar em reino.
De resto, esta pretensão já existia
na mente de seu pai, D. Henrique, enquanto governante do Condado Portucalense.
E sua mãe, Dona Teresa, que lhe sucedeu por morte, já em 1121 se auto-intitulou
Rainha. E se não fossem os conflitos que ela provocou com o clero e os fidalgos
portucalenses ao afastá-los da gestão dos negócios públicos por troca com
forasteiros galegos, certamente não se teria registado a insurreição do filho.
E se não houvesse a batalha de S. Mamede, este território a que hoje chamamos
Portugal poderia não existir com esta geografia, com este honroso nome e com a
gloriosa história que Luís Vaz de Camões tão sublimemente cantou.
Reconhecemos
que o processo de independência de Portugal se iniciou quando D. Afonso
Henriques assumiu o governo do Condado Portucalense em consequência da vitória
sobre os partidários da mãe na Batalha de S. Mamede, em 24 de junho de 1128 e
que terminou com a confirmação e reconhecimento por parte do Papa Alexandre III
em 1179, através da bula Manifestis Probatum.
Além
destes dois episódios, durante este período de 51 anos aconteceram outros em
que D. Afonso Henriques foi protagonista e que contribuiram para a consolidação
da sua política de independência, como por exemplo o Tratado de Tui (4 de Junho
de 1137), a batalha de Ourique (25 de Julho de 1139), o Torneio de Valdevez
(primavera de 1141), o Tratado de Zamora (5 de Outubro de 1143) e a Bula
Devotionem Tuam do Papa Lucio II (1 de Maio de 1144).
Como
se sabe, a fundação de Portugal aconteceu na idade média, num período em que vigorava
o regime feudal. E em consequência, para qualquer vassalo conseguir a
independência de um território teria de romper os vínculos de vassalagem ao
respetivo suserano. Como o Condado Portucalense era um feudo do reino de Leão,
a independência de Portugal exigia que se afrontasse o suserano, que neste caso
era Afonso VII de Leão, primo de D. Afonso Henriques.
Ora, a
destituição de sua mãe como governante do Condado Portucalense sem o
assentimento do suserano, foi a primeira afronta - e a mais gravosa- que D.
Afonso Henriques fez a seu primo Afonso VII. Hoje em dia esta atitude seria
classificada como um golpe de estado.
É
certo que D. Afonso Henriques não se auto-proclamou Rei após a Batalha de S.
Mamede. Mas também é certo que não se deixou tratar por Conde, para não assumir
um estatuto de submissão ao Rei de Leão. Deixou-se tratar por infante e por
príncipe, para assim se colocar na rota de ascensão à realeza.
Nenhum dos restantes factos
históricos, acima referidos, ocorridos durante o reinado de D. Afonso Henriques
foi mais importante que a Batalha de S. Mamede para a consolidação da
independência de Portugal. Este foi, de facto, o primeiro ato do processo de
rutura com a suserania de Leão sobre o território portucalense. O combate em
Ourique foi muito importante para o alatgamento do território, mas teve como
adversários 5 reís mouros que não exerciam suserania sobre o território do
então Condado Portucalense. Em Arcos de Valdevez o confronto com Afonso VII não
passou de uma represália que este levou a cabo em consequência dossucessivos
ataques que D. Afonso Henriques lhe fazia na Galiza. As duas bulas papais
inscrevem-se no processo diplomático que D. Afonso Henriques implementou no
sentido de conseguir a vassalagem ao Papa, em substituição da vassalagem a Leão
que sempre recusou.
Em
conclusão, vimos solicitar de Vª Exª a oportunidade de fazer valer perante o
auditório do programa VOCÊ NA TV todo o arrazoado que aqui expressámos em prol
da defesa do dia 24 de Junho de 1128 como o DIA UM de Portugal. Toleramos quem
pense de outra maneira, mas sentimos a obrigação de expressar aquele que é o
sentir e pensar dos vimaranenses.
Guimarães,
25 de OUTUBRO de 2019
João
Barroso da Fonte
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