A história secreta
da geringonça
24.09.2019 às 22h14
Na noite de 4 de outubro de 2015, Passos
e Portas preparavam-se para formar Governo, mas já PS, BE e PCP tinham dado
passos que abriam portas ao inédito entendimento da esquerda. Segredos,
bastidores e fait-divers de um acordo cuja paternidade está a ser foco de
polémica entre António Costa e Catarina Martins nesta campanha eleitoral.
Texto publicado a 20 Fevereiro 2016, na
revista do Expresso, quando a 'geringonça' comemorou os primeiros 100 dias.
Sexta-feira, 2 de outubro, último dia de campanha eleitoral das
legislativas de 2015. Depois do clássico almoço na Trindade, o PS faz a não menos
tradicional arruada pelo Chiado. Na cervejaria, ouvem-se discursos de extrema
dureza de Ferro Rodrigues e de Fernando Medina para com os partidos à esquerda
do PS. Talvez inspirados ainda pelas palavras de Manuel Alegre que, na véspera,
em Coimbra, lamentara que "parte da esquerda gaste as suas energias a
fazer do PS o seu inimigo principal" e tentara chamá-la à razão com um
argumento inesperado: "Álvaro Cunhal, com quem tivemos grandes
divergências ideológicas, nunca se esqueceu de que há uma fronteira entre
esquerda e direita. E teve a lucidez e a coragem política de convocar um
congresso extraordinário para lançar a palavra de ordem: contra a candidatura
da direita, vota Soares." Durante o desfile pelas ruas de Lisboa, com a
agitação e o barulho típico do momento, ninguém repara num discreto encontro
entre figuras do PS e do PCP. O comunista, ex-autarca da Área Metropolitana de
Lisboa (AML), parecendo que estava casualmente na rua, espera que o cortejo
passe por ele. Mete conversa com uma ex-presidente de Câmara do PS da AML e, de
seguida, com outro antigo autarca socialista, igualmente da metrópole lisboeta.
O ambiente dos dois diálogos nada tem a ver com a acrimónia acabada de ouvir na
Trindade.
Aqui olha-se pragmaticamente para o futuro. E a mensagem do lado do PCP é
clara: não há razão para precipitações. Há disponibilidade para uma negociação
que possa dar ao PS uma maioria parlamentar, algo que os socialistas não
deverão obter nas urnas. Com efeito, as sondagens dão um avanço à coligação de
direita, mas apenas com maioria relativa.
PCP E BE DESCONCERTADOS COM COSTA
Juntos, PS, CDU e Bloco terão mais deputados. E a contagem dos votos
haveria de confirmar o cenário. No Chiado, do lado do PS, há alguma surpresa
ante a oferta comunista. Mas, ceticismo socialista à parte, os dados estão
lançados.
Nesse mesmo dia, o Bloco está na zona do Porto. Entre bloquistas e
socialistas não há ainda qualquer indício de um acordo da esquerda. A 14 de
setembro, no debate na TV com António Costa, Catarina Martins lançara um repto.
Se o PS desistisse de três pontos do seu programa (congelamento de pensões,
cortes na TSU e regime de despedimento conciliatório), o Bloco veria nisso
"um início de conversa" para poder viabilizar um Governo alternativo
ao da direita.
Ao longo de duas semanas e meia, a porta-voz do BE repete tal
disponibilidade, dezenas de vezes, sem resposta alguma do PS. Nem publicamente
nem em privado - garante agora uma fonte bloquista. Um silêncio que, visto a
esta distância, se percebe melhor. Se fosse para dizer "não", Costa
teria fechado logo as portas; e se pensasse ou admitisse dizer "sim",
como veio a verificar-se, teria de ficar calado, para, entre outras coisas,
poder continuar a pedir ao país uma maioria absoluta.
A perplexidade sobre uma possível negociação à esquerda atinge o auge no
dia 26 de setembro, quando o Expresso intitula em manchete: "Costa chumba
governo de direita minoritário". Sob aquele título acrescenta-se que o
líder do PS "confia na maioria de esquerda e na capacidade para fazer
acordos".
No Bloco descrê-se de tal cenário. E duvida-se mesmo que tenha sido a
direção do PS a veicular tal possibilidade. "Não havia qualquer indicação
de que isso fosse verdade", diz agora uma fonte do Bloco. "Até ao
final da campanha, não houve qualquer sinal da parte do PS", acrescenta.
De repente, tudo se precipita: "Os primeiros sinais dados pelo PS foram
recebidos no sábado, dia de reflexão." Mas as "garantias não eram
suficientes", pelo que foi necessário "confirmar a sua credibilidade".
AS RESERVAS INICIAIS RAPIDAMENTE SE DESVANECEM
De sábado para domingo realizam-se contactos entre figuras dos dois
partidos. Ana Catarina Mendes assume que foi nesse dia de reflexão que "o
cenário de entendimento foi posto em cima da mesa". Mas desde pelo menos
quarta-feira, 30 de setembro, que ele vinha ganhando vida nos pensamentos de
António Costa. Nesse dia, ao saber dos resultados da última sondagem para o
Expresso e a SIC, que apontam para uma vitória da PàF mas sem maioria absoluta
(37,7%), o líder socialista comenta: "Não é uma boa notícia, mas também
não é má." Por outras palavras, parecia certo que a maioria parlamentar
seria à esquerda, e isso era quanto (lhe) bastava naquele momento.
A 3 e 4 de outubro, nuns casos, a iniciativa dos contactos parte do lado do
PS; noutros, é do Bloco. Segundo relata agora um dos envolvidos nas
conversações, elas foram no máximo do conhecimento de três a quatro pessoas em
cada partido. O relacionamento é feito sobretudo por telefone. Naturalmente,
nele participam António Costa e Catarina Martins, mas não falam entre si. Há
também encontros presenciais.
O que está em cima da mesa é mais do que um entendimento bilateral. Sendo
já praticamente certo que dois (sejam quais forem) não bastam para conseguir
uma maioria no Parlamento, tudo remete para um acordo a três, que inclua o PCP
(que, pelas sondagens, até deveria ser a segunda força mais importante).
Jerónimo terá sido contactado por António Costa, mas o líder comunista é
perentório: "Não houve contactos formais ou informais com o PS",
garantiu no dia 6 de outubro, no final da reunião do Comité Central.
João Oliveira, que esteve presente em todas as reuniões de negociação,
também confirma a versão oficial de que "não houve contactos antes da
reunião em que António Costa foi à Soeiro Pereira Gomes" (7 de outubro). E
mais: "Não houve troca de opiniões no dia das eleições", garante o
líder da bancada parlamentar.
Ao Expresso, o PCP limita-se a dizer que houve "uma solicitação no dia
3 para se estabelecer um contacto que se efetivou no dia 4, dia das eleições,
limitado a uma troca de informações por telefone sobre o andamento da noite
eleitoral, designadamente quanto ao momento das declarações". Ao início da
tarde do domingo das eleições, com um princípio de diálogo à esquerda já
alinhavado, e sobretudo jogando com essa possibilidade, António Costa mede a
temperatura no seu partido. O líder socialista, que um ano antes fora eleito
secretário-geral prometendo maioria absoluta nas legislativas, liga a Francisco
Assis e aos presidentes das mais influentes distritais do PS para os sondar
sobre um possível entendimento com os partidos de esquerda no caso de o PS
ganhar as eleições com minoria ou, ainda que perdendo-as, conseguir ter mais
deputados do que o PSD. Na noite das eleições, conhecidos os resultados
iniciais, o primeiro sinal público de abertura para um entendimento à esquerda
é dado na sede do PCP, no Centro Vitória.
Francisco Lopes não tem dúvidas de que a anterior maioria PSD/CDS
"perdeu a capacidade de formar Governo" e que a esquerda
"conseguirá isolar politicamente" o anterior Executivo. A frase da
noite seria dita mais tarde por Jerónimo de Sousa: "O PS só não forma
Governo se não quiser." Os comunistas lançam o isco de que "o PS tem
condições para formar Governo" e avançam com a promessa de apresentar uma
moção de censura a uma solução governativa liderada por PSD e CDS. Mas a
prudência comunista é uma marca de ADN. Jerónimo sublinha que, "a menos
que o PS viabilize" um Governo de direita, há uma "alternativa política"
à vista. "A vida dirá" o que se irá passar, conclui o líder do PCP,
assumindo que "a procissão ainda vai no adro".
PCP E BE DESCONCERTADOS COM COSTA
A poucos metros dos comunistas, do outro lado da Avenida da Liberdade, no
Cinema São Jorge, o Bloco assenta arraiais. Um dos responsáveis da campanha
comenta a nuance do discurso de Francisco Lopes e desce apressado as escadas,
em direção ao camarim onde Catarina Martins prepara o seu discurso, ainda a
tempo de garantir a sua adequação ao facto político da noite.
A líder do Bloco, que fala entre Lopes e Jerónimo, deixa "bem
claro" que, "se não tiver maioria, não será pelo BE que [a direita]
conseguirá formar Governo". Minutos antes, Mariana Mortágua ainda falara
de "uma possível vitória da direita". Agora, o léxico é corrigido:
"A direita perdeu votos e perdeu mandatos." E se Cavaco empossar PSD
e CDS, o BE "vai rejeitar no Parlamento essa hipótese".
Não muito longe, na Rua Castilho, no Hotel Altis, António Costa reconhece a
derrota. Os apoiantes que o escutam, temendo que a frase seguinte seja a do
anúncio da demissão do lugar de secretário-geral do PS, gritam "não".
Eles pede--lhes paciência: "Já vão dizer que sim." Reitera que o PS
"será inteiramente fiel aos compromissos que assumiu perante os
eleitores" e que, por isso, "a coligação de direita não poderá contar
com ele para viabilizar a prossecução das suas políticas".
E acrescenta: "Ninguém conte connosco para sermos só uma maioria do
contra, sem condições para formar um Governo credível e alternativo ao da
direita." O discurso de Costa é recebido com algum agastamento no Bloco,
pela sua "ambiguidade".
Ao contrário do que os contactos de véspera e desse próprio dia fariam
supor, o líder do PS mantém canais abertos tanto à esquerda como à direita. Já
os comunistas sentem o tapete a fugir-lhes debaixo dos pés quando ouvem Costa
afirmar que não alinhará em "maiorias do contra". Dois dias depois das
eleições, Carlos César, novo líder parlamentar do PS, reúne-se com os
presidentes das federações.
Conta-lhes das negociações à esquerda mas, segundo quem lá esteve, sempre
num tom de que seriam manobras mais táticas do que efetivas, porque
"dificilmente o PCP aceitará um acordo com o PS". Ficaria claro,
ainda assim, que não seria o PS a inviabilizar essa hipótese. Marcos
Perestrello, líder da FAUL, discorda da estratégia. José Luís Carneiro, do
Porto, e Capoulas Santos, de Évora, expressam reservas sobre a orientação, que
admitem arriscada.
Pedro Nuno Santos, líder da distrital de
Aveiro, Ana Catarina Mendes, presidente da federação de Setúbal, e Luís Testa,
de Portalegre, são os maiores entusiastas do que, nessa altura, ainda é apenas
e só uma miragem.
Nessa mesma noite, a Comissão Política do PS aprova (com 63 votos a favor, 4 contra e 3 abstenções) o mandato para António Costa poder encetar diálogo com todas as forças políticas, à esquerda e à direita. Horas antes já Cavaco encarregara Pedro Passos Coelho de "desenvolver diligências" para formar um Governo. Passos chama a Costa "líder do maior partido da oposição" e pede ao PS a adoção de uma "cultura de diálogo". É com este canto da sereia da direita que António Costa (acompanhado de Carlos César e Ana Catarina Mendes, Pedro Nuno Santos e Mário Centeno) entra, ao final da tarde de 7 de outubro, na sede do PCP, na Soeiro Pereira Gomes. O encontro dura cerca de uma hora e meia e, no final, o líder socialista diz que "correu bem" e sublinha que, apesar das diferenças conhecidas, há "pontos de convergência importantes".
Nessa mesma noite, a Comissão Política do PS aprova (com 63 votos a favor, 4 contra e 3 abstenções) o mandato para António Costa poder encetar diálogo com todas as forças políticas, à esquerda e à direita. Horas antes já Cavaco encarregara Pedro Passos Coelho de "desenvolver diligências" para formar um Governo. Passos chama a Costa "líder do maior partido da oposição" e pede ao PS a adoção de uma "cultura de diálogo". É com este canto da sereia da direita que António Costa (acompanhado de Carlos César e Ana Catarina Mendes, Pedro Nuno Santos e Mário Centeno) entra, ao final da tarde de 7 de outubro, na sede do PCP, na Soeiro Pereira Gomes. O encontro dura cerca de uma hora e meia e, no final, o líder socialista diz que "correu bem" e sublinha que, apesar das diferenças conhecidas, há "pontos de convergência importantes".
Mas é, surpreendentemente, Jerónimo quem vai mais longe. A reunião
"produtiva" vai continuar "nos próximos dias" e o líder
comunista viabilizar um Governo do PS". O acordo da esquerda começa ata deixa
uma mensagem clara: o PCP está disposto a " mover-se de modo notório e aos
olhos de todos.
Ana Catarina Mendes diria mais tarde, sobre essa reunião, que Jerónimo
tinha "vontade de superar--se a si próprio".
À distância, João Oliveira lembra que este primeiro encontro "acabou
por ser o decisivo". Para surpresa dos socialistas, os comunistas puseram
as cartas todas em cima da mesa: assumiram a disponibilidade para viabilizar o
Governo socialista.
Em contrapartida, queriam "discutir o programa de Governo e a solução
alargada e interpartidária na formação" desse mesmo Executivo. Nesta
primeira reunião, o PCP não afastou a possibilidade de participar no Governo. A
hipótese acabou por cair mais à frente, no caminho das negociações. O
importante, na altura, era deixar um sinal claro de que o PS podia, desta vez,
contar com os comunistas.
A primeira reunião entre PS e BE só chegará dias depois. O Bloco pretendia
um encontro técnico em primeiro lugar; o PS, então a negociar também no
tabuleiro da direita, exige uma reunião política.
Inicialmente marcado para dia 8, o encontro acaba por se realizar apenas a
12 de outubro, na sede do Bloco, na Rua da Palma. É bastante mais produtivo,
com frutos imediatos, do que o mantido seis dias antes, entre socialistas e
comunistas.
O que Costa deixara por esclarecer durante quase um mês tem agora uma
resposta clara: o PS aceita as três condições colocadas por Catarina Martins na
TV. Com uma maratona negocial em perspetiva, socialistas e bloquistas adotam um
princípio que os isentará da tarefa de partir muita pedra na mesa negocial:
decidem que, logo à partida, constarão do acordo os assuntos em que há
convergência dos respetivos programas eleitorais e os temas que votações
anteriores no Parlamento demonstraram ser "chão comum", conta um dos
negociadores.
Há sintonia num terceiro aspeto: não figurará no acordo qualquer referência
aos pontos sobre os quais venha a ser impossível obter um consenso (ao
contrário do que a posição conjunta de PS e PCP viria semanas depois a
consagrar).
COMUNISTAS E BLOQUISTAS EM MESAS SEPARADAS
Socialistas e comunistas, primeiro; socialistas e bloquistas, depois -
estão estabelecidas as bases de duas negociações. Para rematar o triângulo,
falta perceber como evoluirá o binómio PCP-BE. Os dois partidos encontram-se no
dia 16 de outubro, uma sexta-feira à tarde, no Parlamento.
À saída da reunião dá-se um caso
extraordinário.
Catarina Martins fala em primeiro lugar.
Catarina Martins fala em primeiro lugar.
Analisa o estado das relações do Bloco com o PS, mas não dedica uma única
palavra ao encontro que acabara de ter. Ninguém lhe coloca essa questão. A
seguir intervém Jerónimo de Sousa. Lê uma declaração, na qual só menciona o BE
na primeira frase (referindo-se ao encontro). No resto, comenta as negociações
com o PS. Também aqui as perguntas colocadas não se desviam um milímetro do
tema inicial de conversa.
Há uma razão para que nem Catarina nem Jerónimo mostrem qualquer vontade de
falar do que se passara minutos antes: as posições dos dois partidos são
diametralmente opostas. Instado a relatar as divergências, um dos presentes na
reunião diz apenas: "Houve perspetivas muito diferentes sobre a
necessidade de fazer refletir no acordo um debate sobre as questões
orçamentais." Fontes conhecedoras do processo negocial dão mais
pormenores. O Bloco solicitara a reunião para aferir o grau de empenhamento
efetivo do PCP na concretização de um acordo à esquerda. E para saber da
possibilidade de uma conversação direta com os comunistas .
À semelhança da reunião dos presidentes de federação do PS, também no PCP
se está de pé atrás em relação à efetivação de um acordo. Acreditam que ele
nunca verá a luz do dia, por uma (ou várias) de três razões: uma divisão do PS;
obstáculos colocados por Cavaco Silva; pressões externas, de Bruxelas às
agências de rating.
Já quanto a uma negociação direta, os comunistas deixam claro que só a
farão com o PS. O que só muito mais tarde seria evidente - a impossibilidade de
um acordo tripartido - fica cavado no dia 16 de outubro.
Esta geometria variável entre PS, Bloco e PCP ganha letra de forma dois
dias depois. Mas é uma subtileza que passa despercebida e só numa leitura
posterior se torna clara. A 18 de outubro, um domingo, reúne-se a Mesa Nacional
do Bloco. Na resolução política, distinguem-se dois comprimentos de onda:
"O prosseguimento das negociações com o PS com vista à consagração, no
programa de Governo", por um lado, e "o prosseguimento do diálogo com
o PCP sobre o processo de negociações com o PS", por outro. Para bom entendedor...
Não é a única decisão cifrada no comunicado: ele é omisso sobre os termos
da negociação com o PS. O facto mais relevante da reunião só é destapado na
conferência de imprensa. Então, Catarina Martins afirma aos jornalistas que a
Mesa Nacional "aprovou por unanimidade a ratificação do mandato da equipa
negocial do Bloco para as negociações de um Governo que proteja empregos,
salários e pensões".
Antes, na reunião, em relação a cada ponto passível de figurar num acordo,
a porta-voz do Bloco apresentara o ponto de partida da negociação e o limite
até onde o BE admitia ceder. A aprovação meramente verbal foi considerada pelos
bloquistas a melhor forma de preservar uma informação que se fosse divulgada
iria ser mais um grão de areia no espinhoso caminho da esquerda.
A SEMANA DE TODAS AS VERTIGENS
Com partidas desencontradas, as duas negociações bilaterais (PS-Bloco e
PS-PCP) avançam a velocidades diferentes. Há grande atenção mediática sobre
cada uma das reuniões entre os vários partidos, mas ocorrem alguns encontros
longe dos olhares dos jornalistas, tanto nas sedes partidárias como no
Parlamento.
Na última semana antes da assinatura do acordo, a primeira de novembro,
jogam-se todas as decisões. Num ambiente em que é preciso juntar as pontas, os
ânimos até começam por ficar mais inflamados logo no dia 1, um domingo.
Uma entrevista de Catarina Martins ao "Diário de Notícias"
incendeia os ânimos. Um pouco no PS, onde criticam um "excesso de
protagonismo", mas sobretudo no PCP. Por um lado, a líder do Bloco é vista
como alguém que gosta de aparecer a dar as boas notícias - "Há acordo à
esquerda, as pensões vão ser todas descongeladas", intitula o
"DN" na primeira página -, algo que irrita os parceiros da esquerda.
A tampa salta mesmo aos comunistas quando Catarina afirma: "Seria
demagógica se dissesse que acredito que seria possível ter [um salário mínimo
de] 600 euros em 2016." "Demagógica" passa assim a ser a
proposta do PCP, que defendia tal valor. E "demagógica" passa também
a ser uma das promessas eleitorais do Bloco, que se apresentara às legislativas
com a mesmíssima medida no programa.
O mal-estar entre bloquistas e comunistas, que haveria de ter novos
episódios no fim de semana seguinte, não impede Catarina Martins de entrar na
Soeiro Pereira Gomes, a sede do PCP, poucos dias depois, a 4 de novembro. Foi
um dos vários encontros que envolveram líderes partidários que passou
despercebido até hoje. A única referência fê-la o Expresso no sábado seguinte,
mas ainda com poucos pormenores.
A meio da manhã, numa altura em que o bar está cheio de gente, alguns
militantes e funcionários do PCP veem com surpresa a chegada da porta-voz do
Bloco, acompanhada por outro membro do partido. Segundo fonte oficial do Bloco,
a reunião foi pedida por Jerónimo de Sousa, e pretendia-se que decorresse com
discrição. Já o PCP dá uma versão diferente em relação àquele encontro: a
iniciativa partiu do BE e ocorreu no dia 5 (e não 4).
Na Soeiro, Catarina informa os comunistas sobre o estado das conversações
com o PS, já concluídas em relação às medidas a inscrever no documento final.
Os comunistas percebem que o Bloco vai assinar o acordo com os socialistas e
que não lhes resta outra saída se não entenderem-se também com o PS. O tempo
urge. O fim de semana está a chegar e para ele estão marcadas as reuniões de
PCP e PS (Comité Central, no primeiro caso; Comissão Política e Conselho
Nacional, no segundo), às quais as respetivas direções têm de submeter a
ratificação do texto aprovado entre ambas (e, no caso do PS, também com o BE e Os
Verdes).
Um filtro que a direção do Bloco já não enfrenta, pois tem um mandato da
Mesa Nacional. Se os ecos da entrevista de Catarina Martins ao "DN"
tiveram réplicas na reunião que manteve com Jerónimo de Sousa na sede do PCP é
algo que o Expresso não conseguiu apurar. Nessa mesma noite de 4 de novembro, a
líder do Bloco é entrevistada na SIC. Para os comunistas tem palavras de mel.
Questionada sobre o facto de o PCP negociar só com o PS, Catarina responde:
"Se há uma coisa em que eu tenho toda a confiança e certeza é que o PCP
será o defensor de parar o ciclo de empobrecimento do país." E vai mais
longe, metendo comunistas e bloquistas no mesmo campo, numa alusão à soma dos
votos dos dois partidos: "Um milhão de pessoas são os obreiros de uma nova
solução de Governo." Praticamente à mesma hora, pela segunda vez neste
processo, António Costa vai à sede do PCP, onde de manhã estivera Catarina. O
líder do PS passara uns dias de férias em Itália, deixando Carlos César na
condução das negociações, e foi no estrangeiro que soube das dificuldades
persistentes entre socialistas e comunistas. A ida de Costa à Soeiro, entre
outras coisas para um cara a cara com Jerónimo, é uma das formas de desbloquear
o impasse.
No dia 5, quinta-feira, o prazo para conseguir um acordo da esquerda
aproxima-se do fim. Nas segunda e terça-feira seguintes é discutido e votado o
programa do segundo Executivo de Pedro Passos Coelho. Se PS, Bloco e PCP não se
entenderem antes disso, os socialistas não chumbam o Governo.
ENCONTRO SECRETO...NO LARGO DO RATO
É nessa quinta-feira que António Costa e Catarina Martins se encontram mais
uma vez, num encontro no Largo do Rato até agora mantido em segredo.
Com a hipótese de um acordo subscrito a três (ou a quatro, com Os Verdes)
já desde há muito descartada, socialistas e bloquistas debatem a
"simetria" dos textos. Para o Bloco, sobretudo, trata-se de "uma
questão crucial" - a simetria iria garantir um grau de responsabilização
igual para todos. Ainda que preâmbulos e anexos pudessem assumir forma distinta
em cada "posição conjunta", o elenco de medidas objeto de
entendimento teria de ser o mesmo para todos.
É já depois desta reunião que se reúne a
Comissão Política do Bloco, ainda na noite de 5 de novembro. Catarina informa
os seus pares dos últimos desenvolvimentos do processo, entre os quais os
encontros mantidos com Jerónimo, uma surpresa para quase todos, e com Costa. A
Comissão Política dá luz verde às medidas já acordadas com o PS para viabilizar
o Governo e, sobretudo, o OE. Ficam também assentes os termos do acordo
político, mas não a aprovação formal do mesmo. A ratificação final só terá
lugar depois de socialistas e comunistas acertarem as suas agulhas.
Não foi à primeira que BE e PCP aceitaram, já na reta final das negociações, a versão que o PS lhes apresentou, com uma referência aos "compromissos com as regras europeias", formulação que os dois partidos à esquerda do PS chumbaram.
Não foi à primeira que BE e PCP aceitaram, já na reta final das negociações, a versão que o PS lhes apresentou, com uma referência aos "compromissos com as regras europeias", formulação que os dois partidos à esquerda do PS chumbaram.
Noutro caso, no vaivém de e-mails com o
elenco de medidas sectoriais passíveis de acordo, os socialistas acabam por
fazer sair à luz do dia propostas que nem sequer haviam sido discutidas ou eram
desejadas pela outra parte. Naturalmente, foram devolvidas à origem e
expurgadas do documento final. No dia da queda do segundo Governo de Passos
Coelho, o acordo está feito. Mas ninguém sabe onde, quando e por quem será
assinado. A exigência partiu dos comunistas, que recusam uma cerimónia conjunta
e a presença de jornalistas. "Na nossa perspetiva, a discussão foi bilateral,
não fazia sentido uma assinatura coletiva", diz João Oliveira.
"Não queríamos uma encenação, não víamos vantagem nisso", acrescenta. Face à posição do PCP, o BE faz uma exigência: ser o último a assinar, por ter a bancada mais numerosa. João Oliveira acompanha Jerónimo à Sala Europa, do PS, mas só o secretário--geral assina: e é o primeiro dos parceiros de António Costa a rubricar a posição conjunta. São 14h34 de 10 de novembro, poucas horas antes da queda do Governo de Passos. Seguem-se, quatro minutos depois, Os Verdes, representados por Heloísa Apolónia e Manuela Cunha. Por fim, chega a vez do Bloco.
"Não queríamos uma encenação, não víamos vantagem nisso", acrescenta. Face à posição do PCP, o BE faz uma exigência: ser o último a assinar, por ter a bancada mais numerosa. João Oliveira acompanha Jerónimo à Sala Europa, do PS, mas só o secretário--geral assina: e é o primeiro dos parceiros de António Costa a rubricar a posição conjunta. São 14h34 de 10 de novembro, poucas horas antes da queda do Governo de Passos. Seguem-se, quatro minutos depois, Os Verdes, representados por Heloísa Apolónia e Manuela Cunha. Por fim, chega a vez do Bloco.
Num protocolo improvisado, com convocatórias em cima da hora, Catarina
Martins telefona a Pedro Filipe Soares, para que este a acompanhe. Mas o líder
parlamentar está nesse momento no refeitório, num almoço de trabalho, já
marcado. Não tem como sair da sala. E, como não faz questão de ser ele a
assinar o acordo, avança Jorge Costa, um dos vice-presidentes da bancada. É
então selada a terceira posição conjunta que vai viabilizar um Governo do PS
apoiado pela restante esquerda.
Ao fim de 34 dias de negociações, o folhetim termina às 14h42 do dia 10 de novembro de 2015. É nesse momento, ainda sem conhecer o nome que a há de celebrizar (via Paulo Portas, a partir de uma crónica de Vasco Pulido Valente), que a "geringonça" ganha pernas para andar. Fez 100 dias na última quinta-feira.
Comentário:
Não foi apenas isto, algo mais esteve por trás. Este trabalho do Expresso, não refere, uma única vez, o nome de Francisco Louçã (ou de Rosas). E por aqui me fico...
Ao fim de 34 dias de negociações, o folhetim termina às 14h42 do dia 10 de novembro de 2015. É nesse momento, ainda sem conhecer o nome que a há de celebrizar (via Paulo Portas, a partir de uma crónica de Vasco Pulido Valente), que a "geringonça" ganha pernas para andar. Fez 100 dias na última quinta-feira.
Comentário:
Não foi apenas isto, algo mais esteve por trás. Este trabalho do Expresso, não refere, uma única vez, o nome de Francisco Louçã (ou de Rosas). E por aqui me fico...
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