sexta-feira, 29 de março de 2019

A propósito da tragédia Moçambicana



Caro Relator de Tragédias
Verifica-se que na estrada N6 que liga a Beira a Umtali (hoje Mutare),
na fronteira com a ex-Rodésia do Sul (hoje Zimbabué), passando na ex-Vila Pery, (hoje Chimoio) sempre que há cheias no rio Púngué, os encontros das pontes
sobre esse rio na chamada “Baixa do Púngué”, a uns 90Km da Beira, deslizam para dentro da corrente e a ponte colapsa, cortando as ligações com o interior.
A ruina advém do FACTO de a “vazão linear total” (soma dos vãos Úteis) ser 5 ou mais vezes MENOR que a “vazão linear total” das pontes ferroviárias, que, na mesma Baixa, estão uns 2Km a jusante. E nenhuma das pontes ferroviárias ruiu até hoje. Há 62 anos, quando cheguei ao LEM, em LMarques e fui encarregado de ir ver um desses deslizamentos e indicar solução, informei dessa insuficiência de vazão na ponte rodoviária da N6 então aí única, tendo desde logo dito, que enquanto não se construíssem pontes rodoviárias com vazão linear total, igual ou próxima da das pontes ferroviárias, sempre que houvesse cheia no Púngué, a  EN6 seria cortada.
(transitoriamente remediava-se a situação, colocando um batelão na travessia para transporte de veículos e pessoas, enquanto a ponte com deslizamento não era reparada). Claro que o Director do LEM, então o Engº Pimentel dos Santos, que foi depois o último governador de Moçambique, transmitiu tudo à então “Direcção
de Obras Públicas”.         
Hoje, 62 anos depois, continua tudo na mesma e as populações, só puderam fugir da terrível tempestade tropical por helicóptero, que, no total, consegue, muito a custo, e com grandes risco, salvar um reduzido número de pessoas.
Em 1957 havia em Moçambique um “CONSELHO SUPERIOR de OBRAS PÚBLICAS”, onde, por lei, tinham de ir e ser aprovados antes da execução, TODOS os Projectos de OBRAS PÚBLICAS e até Privadas, edifícios de grande altura, etc.) , que tivessem relevância no que diz respeito a segurança dos usuários, fosse quem fosse o gabinete projectista, nacional ou estrangeiro.
Ora, para o projecto de uma ponte sobre um dado rio há dois parâmetros fundamentais a considerar: a “vazão linear” (VL) e a cota (Zmax),  das máximas cheias do rio, no local da ponte a construir.          
O LEM tinha delegações em todas as cidades capitais de distrito, onde havia pelo menos 1 Engº. do LEM e pessoal operário para apoiar as funções do LEM no distrito, e uma das funções era registar e enviar para a sede em LMarques (hoje Maputo) as medidas das (Zmax) dos rios, lidas na réguas limnimétricas, se existissem nas margens, ou vistas a “ôlho nú” pela posição de farrapos de pano ou folhas secas, que as cheias sempre deixam nas margens dos rios. As delegações do LEM possuíam teodolitos, para, neste caso, registarem as (Zmax) pela posição desses indícios (farrapos ou folhas secas). No caso do rio Púngué, julgo que o pessoal da ferrovia era encarregado de marcar a tinta indelével o Zmax no fim de cada cheia e escrever a data da medida. Isto era assim, na ponte rodo-ferroviária sobre o rio Umbeluzi, perto de Boane. Também se faziam tais marcações nas paredes das construções próximas da estrada e do rio Umbeluzi, construções que chegaram a pertencer à Faculdade ou Instituto de Agronomia da Universidade de LMarques (hoje de Eduardo Mondlane). De facto, nas máximas cheias o Umbeluzi invadia aí a estrada que o margina e cortava a ligação com Boane e a fronteira
com a África do Sul. Quando a 1ª. vez fui a Moçambique em Serviço, o então director da Direcção Nacional de Estradas (DNA), pediu-me que fosse,  com um colega sueco, em serviço pedagógico em Moçambique, mostrar-lhe onde estavam esses (Zmax)s, quer na ponte rodo-ferroviária do Umbeluzi, quer nas  construções vizinhas da estrada e das margens desse rio, porque o Governo Sueco se tinha oferecido para financiar a reconstrução dessa estrada a uma cota que impedisse o rio, em cheia, de cortar a ligação em causa. Fiz esse serviço com todo o gosto, mas, ao que me consta, o Governo Sueco não chegou a financiar tal reconstrução da estrada e hoje continua tudo como dantes. Será que este ciclone (como o ciclone “Claude” de 1966) também cortou a ligação de Maputo com Boane e a fronteira?
Quando os ciclones atingem o Sul do Save, as tragédias principais ocorrem na “Baixa do Chimcumbane”, foz do rio Limpopo. Aí a extensão da Baixa é de uns 9Km, enquanto que na “Baixa do Púngué” é de uns 23Km. A ponte principal da Baixa do Chimcumbane situa-se encostada à cidade do XaiXai, cujas ruas estão a cotas superiores às das (Zmax)s do Limpopo. Por isso, não se verificam
inundações enormes como as da Beira. Mas, a “vazão linear total” na Baixa do Chimcumbane tem de garantir os escoamentos das águas do Limpopo nas GRANDES CHEIAS, tanto na maré enchente como na vazante. Por isso, o Projectista (Engenheiro Edgar Cardoso) teve o cuidado de, além da ponte principal, onde profundidade das águas atinge os 60m, projectar mais uns 6 “pontões” distribuídos na dita Baixa para “garantir” tal “vazão linear total”. Só que os ditos “pontões” não estavam nos “enfiamentos” das veias principais do Limpopo em cheia. Por isso, as águas do rio, que a tingiam o aterro, corriam ao longo deste para poderem entrar no respectivo pontão. Claro que nessa “corrida”  as águas “lambiam” a base do aterro e, quando não provocavam o deslizamento do mesmo, entravam muito turbulentas no pontão e escavavam-lhe as fundações levando à derrocada dele. Isso o Projectista não previu. Mais tarde tentou “remediar” reforçando com estacas as fundações dos pontões, o que também não resolveu. Ao que me consta, hoje há um VIADUTO que atravessa toda a “Baixa do Chimcumbane”. A ponte principal continua a “resistir” a todas as cheias do Limpopo, pela simples razão de que a cota da face inferior das vigas da ponte está 1.50m (o que é de “lei”), ou mais acima do Zmax das maiores cheias do Limpopo até agora registadas.
Tudo isto para lhe dizer, que os Projectistas COMPETENTES de Pontes (e não só), têm de aprender na FACULDADE e depois nos FACTOS, a forma de “Dialogar” com as “Tempestades” ou com os  “SISMOS” sejam elas e eles quais forem, de forma a garantirem a SEGURANÇA de Pessoas e Bens durante tais “caprichos” da Natureza.
Aconteceu que há uns 4 ou 5 anos houve um sismo centrado em Espungabera, fronteira de Moçambique com o Zimbabué, que atingiu Maputo com o grau
+-4,0 na escala de Richter, e as Torres Vermelhas, com 25 andares e uma antena de Televisão no topo, começaram as oscilar. As pessoas fugiram dessas Torres, entre elas, o Doutor Engenheiro João Salomão, que tinha o nº do meu telefone celular. Por isso, resolveu, eram umas 6 da manhã em Portugal, telefonar–me a contar o sucedido e a perguntar-me se as Torres Vermelhas tinham sido projectadas tendo em conta, sismos de tal magnitude. Respondi, que as pessoas podiam estar tranquilas porque as Torres Vermelhas foram projectadas, com a folga de 1.5,  para o SismoMax em Moçambique, registado pelos “Serviços Meteorológicos” de Moçambique (SMM), fundados pelo ano de 1900 e também para os ventos ciclónicosMax registados pelos SMM, com a mesma folga.

Caro Relator de Tragédias
para responder às preocupações 
do Senhor Ministro das Obras Públicas, Habitação e Recursos Hídricos, há que perguntar-lhe, se, com tantos milhões de dólares gastos, os Projectistas das Pontes Rodoviárias da Baixa do Púngué chegaram a usar os dois parâmetros acima indicados: “vazão linear total” (VLT) e a cota (Zmax), das máximas cheias do rio. Mas, certamente que NÃO, pois se o tivessem feito, não haveria apenas umas 2 ou 3 pontes rodoviárias nessa baixa, com “vazão linear total” 5 ou mais vezes MENOR que a “vazão linear total” das pontes ferroviárias. Além disso, as ditas pontes a construir terão de estar nos “enfiamentos” das veias principais do rio, o qual tem “meandros” que podem variar de cheia para cheia. Porém, como as pontes ferroviárias estão lá, estáveis, há muitos anos, em meu entender (e referi isso no meu relatório técnico de 1957), bastará que os “eixos” das ditas pontes rodoviárias a construir se situem nos “enfiamentos” das pontes ferroviárias.
E talvez seja oportuno pedir ao Senhor Ministro das Obras Públicas, Habitação e Recursos Hídricos, que sejam atribuídas ao LEM funções semelhantes às que já teve em1957. Note-se que para isso nem é preciso gastar mais dinheiros do OGE de Moçambique, basta que o governo legisle no sentido de que todas as empresas públicas e privadas que tenham obras em execução, devem TESTAR a QUALIDADE dos materiais que empregam no LEM, devendo como é óbvio, pagarem ao LEM os ensaios respectivos. E os “fiscais” para verificarem tais medidas, poderão ser, como então o eram os das câmaras municipais de TODO o País.
E também não seria displicente que o Governo de Moçambique voltasse a instituir um “CONSELHO SUPERIOR de OBRAS PÚBLICAS” ou órgão governamental semelhante com idênticas  funções LEGAIS. Note-se que em 1957, tinham assento nesse Conselho Todos os Engenheiros Civis do Estado residentes em LMarques e mesmo alguns Engenheiros Civis Privados convidados. Hoje, Moçambique até tem
catedráticos de ECivil. De certeza que, nesse caso, não voltariam a suceder tragédias como a de agora na Beira se, Projectistas COMPETENTES, tivessem projectado pontes ADEQUADAS para a travessia rodoviária da Baixa do Púngué, onde o Estado Moçambicano, com apoios externos, gastou tantos milhões de
dólares.

Abraço JBM  



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