A rapaziada do BE parte
do princípio de que os respectivos apoiantes possuem apenas dois neurónios, um
razoável e o segundo em vias de aniquilação pelas leituras de Boaventura Sousa
Santos.
No tempo de Pedro
Passos Coelho é que era bom: maridos matavam as mulheres, mulheres matavam os
maridos, pais matavam os filhos, filhos matavam os pais, genros matavam as
sogras, sogros matavam as noras, cunhados matavam quem quer que os cunhados
matam, pessoas matavam-se a si próprias e, no final, podia-se sempre incriminar
o governo e a “troika”.
No “Público”, um dos
vários “media” que descobriu a “violência doméstica”, a angústia existencial e
o sofrimento humano para aí em 2012, um psicólogo escrevia que “uma sociedade
desigual, de baixos salários, desemprego, falta de oportunidades é também mais
desconfiada, mais doente, mais ansiosa e mais violenta.” Não importava que a
frase fosse parcial ou completamente desmentida pelos factos (há muito mais
mulheres mortas por familiares na Suíça do que na Eslovénia; há muito mais suicídios
na Eslovénia do que na Nicarágua; há muito mais homicídios na Nicarágua do que
no Burkina Faso). Também não importava que, em Portugal, a quantidade de
assassínios sortidos tendesse a baixar durante os negros anos da “troika”. O
importante é que se pudesse usufruir das desgraças privadas, decorrentes de
múltiplas causas e insusceptíveis de generalizações, em benefício de campanhas
partidárias e catequização ideológica. Em suma, o oportunismo sem vergonha
viveu uma época dourada.
Desde que a frente de
esquerda tomou conta disto, surgiu um ligeiro obstáculo ao aproveitamento das
tragédias íntimas. Claro que os cidadãos continuaram a matar-se e a agredir-se
com o empenho do costume, que comparativamente com o “estrangeiro” até nem é
demasiado. Mas a impossibilidade logística de culpar Pedro Passos Coelho e a
“troika” pela sessão de pancadaria de anteontem numa marquise de Moscavide
tornou a pancadaria desinteressante, para os “media”, que passaram a noticiá-la
como o caso particular que realmente é, e para os partidos outrora
escandalizados, que partiram em busca de novos desafios. Mesmo em tragédias
públicas, de que os incêndios de 2017 são o maior exemplo, meio mundo decidiu
ignorar a responsabilidade do poder e dos poderes no destino de centenas de infelizes.
Perante os infelizes que perderam a vida e os infelizes que perderam o resto, a
actriz que chefia o Bloco de Esquerda limitou-se a exigir: “Que venha a chuva.
Bom dia!” É triste ver uma profissional da indignação fingida descer a tais
abismos de moderação e doçura.
Por sorte, à
semelhança do sapo africano no Inverno, os profissionais da indignação vão
desenvolvendo técnicas de adaptação à conjuntura política, a fim de se
submeterem à conjuntura sem comprometerem a política. Há sinais. Um dos sinais
foi dado na quarta-feira por outra amadora dramática do BE, a prof. dra. Marisa
Matias, que, “a propósito” de um crime recente, declamou: “Fixem bem este nome:
Lara. Tinha 2 anos e foi assassinada pelo pai (…). Da próxima vez que disserem
que não há desigualdade de género, que não há discriminação ou violência contra
as mulheres, lembrem-se da Lara.”
Não vale a pena entrar
em minudências e notar que, habitualmente, o número de filhos mortos pelas mães
é superior ao de filhas mortas pelos pais. Além de irrelevante, o pormenor
implicaria descer ao nível de “argumentação” da dona Marisa, criatura capaz de
usar (ia escrever “abusar”) um cadáver fresquinho para satisfação pessoal e
abrilhantamento da sua repulsiva “agenda”. Não é esse o ponto. O ponto é que a
eurodeputada (!) em questão diz estas coisas porque sabe que pode dizer o que
calhar sem consequências eleitorais ou sequer contraditório. Nisso, a dona
Marisa traduz com exatidão o respeito que os figurões e as figuronas do BE têm
pelo votante típico da seita: nenhum. A rapaziada do BE parte do princípio de
que os respectivos apoiantes possuem apenas dois neurónios, um razoável e o
segundo em vias de aniquilação pelas leituras de Boaventura Sousa Santos. E,
por uma vez na vida, a rapaziada do BE arrisca-se a estar coberta de razão.
É um tique
indissociável dos comunistas? Não vou tão longe. Veja-se a história da
Venezuela. Os comunistas do PCP assumem sem rodeios a simpatia por uma tirania
sanguinária na medida em que consideram o eleitorado e percebem que este não
lhes perdoaria simpatias por um regime substancialmente distinto. Já os
comunistas do BE passaram a negar qualquer entusiasmo pelo sr. Maduro na
presunção, possivelmente correcta, de que os fiéis não consultam os incontáveis
louvores ao “chavismo” e às suas metástases escarrapachados nos arquivos do
esquerda.net – e não reparam nas sucessivas declarações formais em prol do Odre
de Caracas. Na óptica do utilizador, leia-se o povo, os comunistas do PCP são
coerentes, fanáticos, rigorosos e brutais. Os comunistas do BE são só
ignorantes, ou propensos a engolir as patranhas que os mentores produzem
independentemente da relação das patranhas com a realidade. E da relação das
patranhas entre si. Não é à toa que defendem a Palestina e a “causa” gay em simultâneo.
Ou se opõem às “construções sociais” sem compreender que se resignam a milhares
delas. Ou, lá está, “combatem” a “violência doméstica” enquanto veneram as
culturas que a praticam a coberto da lei.
O votante típico do BE
aceita tudo, excepto lucidez e um mínimo de instrução. Quando uma daquelas
Irmãs Mortágua vem agora propor o fim dos exames do 9º ano, o que a preocupa
não é o “insucesso escolar”: é o sucesso. Para o BE, o analfabetismo é um abono
de família, uma família que reparte as tarefas e a violência sobre o bom senso.
Nota de rodapé
É óbvio que as únicas
greves decentes são as organizadas pelos comunistas para perturbar as
democracias. Sem o aval de uma instituição totalitária e criminosa, qualquer
greve merece desconfiança, requisições, proibições, castigos em suma. Na sua
inocência, os enfermeiros julgavam-se a exercer um direito de países livres e
descobriram-se a desafiar um tabu das ditaduras: a raiva que lhes é dedicada,
do PR ao colunista obediente, não engana. Os enfermeiros têm azar? Não. Têm
sorte de ainda não estar presos. Ao que se vê por aí, vontade não falta, e o
que falta é pouco.
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