Por JORGE LAGE
A leitura do livro do ilustre mirandelense,
Isaltino Morais, editado pela Esfera dos Livros tem-me dado a volta à cabeça
porque põe os serviços prisionais e as arbitrariedades da justiça a nu. Devia
ser de leitura obrigatória para os juristas quando tiram o estágio em
advocacia. É uma sequência da narrativa do seu dia-a-dia na prisão. Primeiro a
vergonhosa prisão na Câmara Municipal de Oeiras, enquanto aí trabalhava como
presidente, como se fosse um foragido. Quer queiram quer não, o Isaltino era um
ex-magistrado do ministério público, sendo tratado como se fosse mais perigoso
que violadores e assassinos. No seu processo muitas decisões e a condenação,
não bate a bota com a perdigota e a jurisprudência e o bom senso apontavam para
uma prisão de pena suspensa.
A outros pergunta-se quando querem cumprir a pena
e a onde? Os primeiros dias na prisão da Polícia Judiciária. Depois a
transferência para o presídio da Carregueira e o seu encaixotamento numa cela
com mais quatro presos a cumprirem pena próxima dos dez a vinte anos. Não fosse
o Isaltino um mirandelense temperado como o aço ou como o bom minério de
Moncorvo, depois de derretido, e teria saído de lá num farrapo. Quando penso na
prisão de outros ex-governantes que quase escolhem o hotel em que querem ficar,
não tenho dúvidas de que o Isaltino desceu ao inferno e regressou de lá
fortalecido. Nesta sua narrativa vemos as arbitrariedades do sistema judicial e
seus actores e o prazer que muitos sentirão em diminuir e humilhar quem foi
condenado. Neste caso, condenado por fraude fiscal e pagando tudo o que o fisco
exigiu, isto é, não ficou a dever nada a ninguém. Mais, para além de ser
encarcerado foi condenado pela opinião pública, pela comunicação social e pelos
políticos tendo todos nós telhas de vidro. Alguns perseguiram-no porque não
receberam dele as pratadas de lentilhas que desejavam e outros queriam ver a
manjedoura do condado de Oeiras escancarada. Foi difamado na prisão sendo ele
um preso exemplar, desempenhando, altruisticamente, o papel dos que se
alimentavam da presidiária gamela e não eram capazes ou não queriam
desempenhar. Hoje sei que se um doente for detido e for acometido de uma doença
grave na prisão quase esperam que ele morra. Se fosse ministro da justiça ou
director do sistema presidiário não dormiria descansado se não fizesse uma
visita, de quando em vez, a uma prisão e sem me fazer anunciar. Os melhores
aliados dos guarda-prisionais são os reclusos e as revoltas destes deviam ser
tratadas com mais humanidade e não com uma violência desigual. Só a conjugação
de estratégias entre presos e guardas podem dar alguma força a estes últimos
nas suas reivindicações. Não percebo porque não vêem o óbvio. Os
guardas-prisionais deviam ser escolhidos com um perfil mais humano. Os
atropelos aos regulamentos são constantes. A lei nas prisões não existem. Nenhum
recluso, no seu perfeito juízo, se atreve a desafiar o seu poder, seja ou não
de acordo com os regulamentos. A leitura deste livro deu comigo a pensar se
certos aspectos não fazem lembrar as polícias de regimes totalitários. Muito do
que se diz sobre este ou aquele momento da prisão pode ser uma farsa. Aliás,
parte do mundo em que vivemos é povoado de comediantes. A leitura deste livro
tornou-me mais próximo deste nosso conterrâneo e admiro-o muito mais. Só não o
visitei no cárcere porque familiares seus me informaram que o Isaltino não
recebia visitas na prisão. Alguns excertos: «Cícero: “Um juíz ímpio é pior que
um carrasco”». Na contracapa: «Assistiu à morte de um companheiro de ala por
falta de intervenção médica, testemunhou cenas de violência, foi sujeito a
revistas todo nu (…) A MINHA PRISÃO é um
livro contundente. É o relato da (sua) descida ao inferno de um homem com
carisma invulgar (…)». Hoje fico com a sensação de que foi preso porque gozava
de grande popularidade entre as gentes de Oeiras pela sua obra notável como
autarca. Em Trás-os-Montes precisávamos de ter um Isaltino em cada Município e
a nossa região seria mais respeitada e muito mais desenvolvida. Parabéns
Isaltino, pela grande coragem de saberes despir o sistema prisional (e, em parte,
o judicial). Só um panzer seria capaz de deixar escrito todo o sofrimento
vivido (e de outros).
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