segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

Leitura: A Minha Prisão – e se fosse consigo?



Por JORGE LAGE


A leitura do livro do ilustre mirandelense, Isaltino Morais, editado pela Esfera dos Livros tem-me dado a volta à cabeça porque põe os serviços prisionais e as arbitrariedades da justiça a nu. Devia ser de leitura obrigatória para os juristas quando tiram o estágio em advocacia. É uma sequência da narrativa do seu dia-a-dia na prisão. Primeiro a vergonhosa prisão na Câmara Municipal de Oeiras, enquanto aí trabalhava como presidente, como se fosse um foragido. Quer queiram quer não, o Isaltino era um ex-magistrado do ministério público, sendo tratado como se fosse mais perigoso que violadores e assassinos. No seu processo muitas decisões e a condenação, não bate a bota com a perdigota e a jurisprudência e o bom senso apontavam para uma prisão de pena suspensa. 

A outros pergunta-se quando querem cumprir a pena e a onde? Os primeiros dias na prisão da Polícia Judiciária. Depois a transferência para o presídio da Carregueira e o seu encaixotamento numa cela com mais quatro presos a cumprirem pena próxima dos dez a vinte anos. Não fosse o Isaltino um mirandelense temperado como o aço ou como o bom minério de Moncorvo, depois de derretido, e teria saído de lá num farrapo. Quando penso na prisão de outros ex-governantes que quase escolhem o hotel em que querem ficar, não tenho dúvidas de que o Isaltino desceu ao inferno e regressou de lá fortalecido. Nesta sua narrativa vemos as arbitrariedades do sistema judicial e seus actores e o prazer que muitos sentirão em diminuir e humilhar quem foi condenado. Neste caso, condenado por fraude fiscal e pagando tudo o que o fisco exigiu, isto é, não ficou a dever nada a ninguém. Mais, para além de ser encarcerado foi condenado pela opinião pública, pela comunicação social e pelos políticos tendo todos nós telhas de vidro. Alguns perseguiram-no porque não receberam dele as pratadas de lentilhas que desejavam e outros queriam ver a manjedoura do condado de Oeiras escancarada. Foi difamado na prisão sendo ele um preso exemplar, desempenhando, altruisticamente, o papel dos que se alimentavam da presidiária gamela e não eram capazes ou não queriam desempenhar. Hoje sei que se um doente for detido e for acometido de uma doença grave na prisão quase esperam que ele morra. Se fosse ministro da justiça ou director do sistema presidiário não dormiria descansado se não fizesse uma visita, de quando em vez, a uma prisão e sem me fazer anunciar. Os melhores aliados dos guarda-prisionais são os reclusos e as revoltas destes deviam ser tratadas com mais humanidade e não com uma violência desigual. Só a conjugação de estratégias entre presos e guardas podem dar alguma força a estes últimos nas suas reivindicações. Não percebo porque não vêem o óbvio. Os guardas-prisionais deviam ser escolhidos com um perfil mais humano. Os atropelos aos regulamentos são constantes. A lei nas prisões não existem. Nenhum recluso, no seu perfeito juízo, se atreve a desafiar o seu poder, seja ou não de acordo com os regulamentos. A leitura deste livro deu comigo a pensar se certos aspectos não fazem lembrar as polícias de regimes totalitários. Muito do que se diz sobre este ou aquele momento da prisão pode ser uma farsa. Aliás, parte do mundo em que vivemos é povoado de comediantes. A leitura deste livro tornou-me mais próximo deste nosso conterrâneo e admiro-o muito mais. Só não o visitei no cárcere porque familiares seus me informaram que o Isaltino não recebia visitas na prisão. Alguns excertos: «Cícero: “Um juíz ímpio é pior que um carrasco”». Na contracapa: «Assistiu à morte de um companheiro de ala por falta de intervenção médica, testemunhou cenas de violência, foi sujeito a revistas todo nu  (…) A MINHA PRISÃO é um livro contundente. É o relato da (sua) descida ao inferno de um homem com carisma invulgar (…)». Hoje fico com a sensação de que foi preso porque gozava de grande popularidade entre as gentes de Oeiras pela sua obra notável como autarca. Em Trás-os-Montes precisávamos de ter um Isaltino em cada Município e a nossa região seria mais respeitada e muito mais desenvolvida. Parabéns Isaltino, pela grande coragem de saberes despir o sistema prisional (e, em parte, o judicial). Só um panzer seria capaz de deixar escrito todo o sofrimento vivido (e de outros).

Sem comentários:

Enviar um comentário

Apresentação do livro IV Congresso Transmontano e Alto Duriense - 2018

                                     https://www.calameo.com/read/0058874319c4c6809d1bb                                          Notas da mi...