Por BARROSO da FONTE - Voz de Trás-os-Montes
Foi em 17 de janeiro de 1995 que perdemos Miguel Torga. Passaram 24 anos. Andou por cá 88 e entre 1968 e 1974 tive a felicidade rara de conviver com ele, em Chaves, durante o mês de setembro quando para ali se deslocava, com o intuito de se tratar no termalismo.
Foi uma personalidade ímpar desdobrada em duas facetas: a de literato exímio e a de cidadão com cara de poucos amigos. Conheci-o nessa dupla dimensão. E não procurei essa sorte. Beneficiei dela por ser um amigo especial do saudoso diretor clínico das Termas, Mário Carneiro, e também dos seus três irmãos, todos notáveis: o Francisco, o Edgar e o Luís.
Chaves deveria inscrever num espaço público esse quarteto dos “Irmãos Carneiro”. Que eu saiba só o advogado, Francisco, deu o nome a uma escola. Talvez por ser de esquerda. Os restantes três: Médico, Coronel e Professor, brilharam nas suas profissões, como o Chico, na jurisprudência.
Mas volto ao Mário com quem muito aprendi e a quem muito devo pela assistência médica, a mim e aos meus dois filhos e Mulher. Era assim para com muita gente. E ele “casou-se” com as Caldas, dotou a sua cidade com um balneário de referência. E, presumo, que apenas tem um busto no recinto da “Bouvet” colocado pelos veraneantes.
Foi ele próprio que ao longo de trinta anos ofereceu «cama, mesa e roupa lavada» ao mais carismático escritor do seu tempo: Miguel Torga. Nunca lhe retribuiu, fosse o que fosse, por essa hospitalidade. E também nunca lhe autografou qualquer obra, que comprava sem qualquer desconto. Nas horas em que Mário Carneiro dedicava às Termas, era eu que “entretinha” o hóspede. Aos fins-de-semana era eu o motorista porque eles não conduziam.
Tive também a felicidade de lhe apresentar o Fernão de Magalhães Gonçalves, que fora docente em Chaves e, posteriormente, Leitor de Português, em Granada e em Seul, onde morreu. Viria a ser o melhor intérprete da sua obra, no dizer do próprio Torga.
Dia 10 deste mês, outro amigo, o Coronel Alberto Soares, Biógrafo dos Oficiais generais do Exército Português, remeteu-me diversos documentos que se encontram nos arquivos da ex-PIDE, referentes às informações que aquela polícia para ali mandava acerca de cada uma das obras fiscalizadas. Um desses documentos tem a data de 29-2-1956, referente ao livro “O Outro livro de Job”. A informação foi: “Não vejo inconveniente em que seja autorizada a sua publicação”.
Um outro doc. é datado de 23-3-951 sobre o livro Novos Contos da Montanha, assinado pelo Capitão R. Carvalho e mereceu um elogio pelas “lindas descrições campesinas com uma excelente narração que encanta e convida a ler tudo de fio a pavio”. Através da análise a estas peças censuradas, nota-se que, afinal, a ex-PIDE não era tão dramática como fizeram crer.
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