Como é que se responde à injustiça? É
com factos. Com argumentos. Com documentos. Não com esta gritaria desvairada,
onde tanta chinfrineira parece ter um único objectivo: evitar dar explicações.
O PCP acha que
é um partido muito diferente dos outros, mas assim que é confrontado com uma
notícia eticamente embaraçosa, reage com os mesmos argumentos – e com o mesmo
destrambelhamento – de Sócrates, Vara e companhia. Só pode ser “calúnia”.
“Mentira”. “Manipulação”. “Difamação”. “Uma abjecta peça de anticomunismo”, reveladora da
“mercenarização” do jornalismo e do “atrevimento inqualificável” da TVI, que
adoptou como “critérios editoriais” (estou a citar o maravilhoso comunicado do
PCP) o “insulto gratuito” e a “reabilitação de Salazar e do regime fascista”.
Santa Maria Mãe
de Deus. O que é que fez a TVI, afinal? Pediu a Manuel Luís Goucha e a Mário
Machado para espancarem a múmia de Lenine? Não. Atreveu-se apenas a investigar
uma curiosa contratação ocorrida no município de Loures, onde quem manda é o
comunista Bernardino Soares. Um senhor, genro de Jerónimo de Sousa, cuja
experiência profissional se resumia a empregos num talho, num supermercado e
numa florista, celebrou vários contratos de ajuste directo com a Câmara de
Loures, totalizando mais de 150 mil euros.
Só em Outubro
de 2018, segundo a TVI, o senhor (ou melhor: a empresa unipessoal do senhor)
terá facturado 11 mil euros para mudar oito lâmpadas e dois casquilhos (os
contratos com a autarquia têm o objectivo de assegurar a limpeza de vidros dos
espaços de publicidade institucional, mudar cartazes e substituir lâmpadas). Em
Novembro, revelou ainda a TVI, o seu volume de trabalho aumentou, e os mesmos
11 mil euros foram facturados em troca da mudança de dez lâmpadas e a
substituição de 160 cartazes publicitários.
Quando
questionado sobre esta inusitada situação, Jerónimo de Sousa ficou verde, e
balbuciou qualquer coisa sobre a família não dever ser utilizada como arma de
arremesso. E Bernardino Soares justificou os avultados montantes despendidos
com uma frase que terá feito Karl Marx dar duas voltas no caixão e Álvaro
Cunhal soluçar a partir do além: “São os preços do mercado.” Após este surto
neoliberal de Bernardino, apareceu então o referido comunicado do PCP em
linguagem leninista-delirante, sugerindo por duas vezes que há uma ligação
clara entre a reportagem e a ida de Mário Machado ao programa de Goucha,
na medida em que a estação de Queluz está empenhadíssima no branqueamento do
fascismo.
“A insidiosa invocação da relação entre uma
empresa e as relações familiares do secretário-geral do PCP só pode ser vista
como uma gratuita provocação”, diz o comunicado. A bem dizer, também pode ser
vista como uma simples notícia. Em quantos países do mundo seria esta história
digna de ser publicada? Em todos, excepto, vá lá, a URSS e a Coreia do Norte.
Pode a TVI ter-se enganado e estar a ser extremamente injusta para com Jerónimo
de Sousa? Pode, com certeza. Mas então a forma certa de responder a esse
tremendo erro é explicando em pormenor aquilo que realmente aconteceu.
Será que o
genro de Jerónimo tem imensa experiência a trocar cartazes e a limpar vidros?
Será que não foram dois casquilhos, mas dois mil? Será que estamos perante um
competentíssimo prestador de serviços que descobriu a sua oportunidade nos
classificados da autarquia? Tudo é possível. Às tantas, invocar a sua
proximidade com Jerónimo de Sousa é realmente injusto. Mas, mais uma vez, como
é que se responde à injustiça? É com factos. Com argumentos. Com documentos.
Não com esta gritaria desvairada, onde tanta chinfrineira parece ter um único
objectivo: evitar dar explicações.
Jornalista
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