sábado, 19 de janeiro de 2019

Assim se vê a hipocrisia do PCP


Como é que se responde à injustiça? É com factos. Com argumentos. Com documentos. Não com esta gritaria desvairada, onde tanta chinfrineira parece ter um único objectivo: evitar dar explicações.

João Miguel tavares – jornal Público

O PCP acha que é um partido muito diferente dos outros, mas assim que é confrontado com uma notícia eticamente embaraçosa, reage com os mesmos argumentos – e com o mesmo destrambelhamento – de Sócrates, Vara e companhia. Só pode ser “calúnia”. “Mentira”. “Manipulação”. “Difamação”. “Uma abjecta peça de anticomunismo”, reveladora da “mercenarização” do jornalismo e do “atrevimento inqualificável” da TVI, que adoptou como “critérios editoriais” (estou a citar o maravilhoso comunicado do PCP) o “insulto gratuito” e a “reabilitação de Salazar e do regime fascista”.
Santa Maria Mãe de Deus. O que é que fez a TVI, afinal? Pediu a Manuel Luís Goucha e a Mário Machado para espancarem a múmia de Lenine? Não. Atreveu-se apenas a investigar uma curiosa contratação ocorrida no município de Loures, onde quem manda é o comunista Bernardino Soares. Um senhor, genro de Jerónimo de Sousa, cuja experiência profissional se resumia a empregos num talho, num supermercado e numa florista, celebrou vários contratos de ajuste directo com a Câmara de Loures, totalizando mais de 150 mil euros.
Só em Outubro de 2018, segundo a TVI, o senhor (ou melhor: a empresa unipessoal do senhor) terá facturado 11 mil euros para mudar oito lâmpadas e dois casquilhos (os contratos com a autarquia têm o objectivo de assegurar a limpeza de vidros dos espaços de publicidade institucional, mudar cartazes e substituir lâmpadas). Em Novembro, revelou ainda a TVI, o seu volume de trabalho aumentou, e os mesmos 11 mil euros foram facturados em troca da mudança de dez lâmpadas e a substituição de 160 cartazes publicitários.
Quando questionado sobre esta inusitada situação, Jerónimo de Sousa ficou verde, e balbuciou qualquer coisa sobre a família não dever ser utilizada como arma de arremesso. E Bernardino Soares justificou os avultados montantes despendidos com uma frase que terá feito Karl Marx dar duas voltas no caixão e Álvaro Cunhal soluçar a partir do além: “São os preços do mercado.” Após este surto neoliberal de Bernardino, apareceu então o referido comunicado do PCP em linguagem leninista-delirante, sugerindo por duas vezes que há uma ligação clara entre a reportagem e a ida de Mário Machado ao programa de Goucha, na medida em que a estação de Queluz está empenhadíssima no branqueamento do fascismo.
 “A insidiosa invocação da relação entre uma empresa e as relações familiares do secretário-geral do PCP só pode ser vista como uma gratuita provocação”, diz o comunicado. A bem dizer, também pode ser vista como uma simples notícia. Em quantos países do mundo seria esta história digna de ser publicada? Em todos, excepto, vá lá, a URSS e a Coreia do Norte. Pode a TVI ter-se enganado e estar a ser extremamente injusta para com Jerónimo de Sousa? Pode, com certeza. Mas então a forma certa de responder a esse tremendo erro é explicando em pormenor aquilo que realmente aconteceu.
Será que o genro de Jerónimo tem imensa experiência a trocar cartazes e a limpar vidros? Será que não foram dois casquilhos, mas dois mil? Será que estamos perante um competentíssimo prestador de serviços que descobriu a sua oportunidade nos classificados da autarquia? Tudo é possível. Às tantas, invocar a sua proximidade com Jerónimo de Sousa é realmente injusto. Mas, mais uma vez, como é que se responde à injustiça? É com factos. Com argumentos. Com documentos. Não com esta gritaria desvairada, onde tanta chinfrineira parece ter um único objectivo: evitar dar explicações.
Jornalista


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