SANTANA CASTILHO - Público
O título deste escrito cita Shakespeare. A formosa aparência dos 0,2% de
défice é vista como uma falsidade pela Unidade Técnica de Apoio Orçamental
(UTAO), que descobriu discrepâncias entre vários documentos referentes ao OE
2019. A mais citada resulta de haver uma diferença de 590 milhões de euros
entre a proposta de lei e o relatório, o que originaria um défice de 0,5% em
vez de 0,2%. A explicação radica na circunstância de os orçamentos serem sempre
exercícios previsionais. Centeno pede ao Parlamento, na proposta de lei,
autorização para gastar mais 590 milhões. Mas considera-os, no relatório,
cativos sobre consumos intermédios. Para ele, o que importa é o 0,2% de défice.
Se as receitas crescerem para além do previsto, talvez os gaste. Se não, não
gasta. Mas, aprovada a proposta, já tem a despesa autorizada, porque não gosta
de orçamentos rectificativos e não quer falhar os 0,2%. É por isso, e para
entreter os parceiros da “geringonça”, que dá uma formosa aparência à falsidade
orçamental. É assim que funciona a ditadura financeira de Centeno,
visceralmente incompatível com qualquer necessidade social que ameace o défice.
O OE 2019 apresenta-se, assim, apenas positivo para as finanças, inibidor para
a economia e politicamente negativo.
As chamadas despesas excepcionais representam mais de 10 mil milhões de
euros, de que não resultam quaisquer benefícios para o cidadão comum.
Outrossim, vão directos para os grandes grupos financeiros e económicos. Aí
estão inscritos 1750 milhões para os bancos, 4000 milhões para as participações
de capital, 1200 milhões para a Parpública e 1518 milhões relativos a rendas de
parcerias público-privadas rodoviárias, quando a UE (Eurostat) estimou que o
seu valor actualizado não devia ser superior a 337 milhões.
Com a realidade a definir mais tarde, as aparências do OE 2019 são
suficientes para perceber o papel da Educação nas prioridades de Costa e
Centeno, que o Governo conta pouco e o ministro da Educação vale zero. Como
referi antes, um orçamento é sempre um exercício previsional, cujo rigor só é
sindicável quando, mais tarde, for cruzado com a respectiva execução. Assim, se
a verba prevista para o ensino não superior cresce 248 milhões de euros quando
comparada com a inicialmente prevista no orçamento anterior, já quando a
comparamos com o que efectivamente se prevê gastar em 2018, o crescimento
reduz-se a 82 milhões, isto é, três vezes menos. Se passarmos de valores
absolutos para indicadores relativos, salta à vista que o OE 2019 coloca o peso
da Educação a evoluir abaixo do que o crescimento económico permitiria. Com
efeito, em percentagem do PIB, esse peso vai valer 3,10% em 2019, quando valia
3,14% em 2015, 3,72% em 2011 ou 5,1% em 2002.
Nenhum dos principais problemas da Educação encontra resposta neste orçamento,
que se limita à gestão corrente do que existe, que não à consideração do que
era preciso mudar. Particularmente grave e incompreensível, face ao já
assumido, é a intenção de diminuir 4% dos gastos com recursos humanos.
No ensino superior, se o normativo que regula a atribuição das bolsas de
estudo aos estudantes não for alterado, a descida de 212 euros no valor máximo
da propina não passa de uma ideia demagógica e perversa. Com efeito, as bolsas
estão condicionadas actualmente a um rendimento anual per capita igual ou
inferior a 7930,40 euros. Esse valor resulta da soma do valor máximo da propina
(1068 euros) ao produto por 16 do valor do Indexante de Apoio Social (428,90
euros). Se baixar a propina como previsto, o rendimento per capita subsidiável
passa para 7718,40 euros e muitos estudantes, com bolsa hoje, não a terão
amanhã. Entretanto, todos os ricos pagarão menos 212 euros, num país que
apresenta uma taxa de 23,3% de pessoas em risco de pobreza ou exclusão social.
Um argumento sólido de oposição ao que acabo de afirmar é dizer que os
serviços públicos, se não puderem ser gratuitos, devem ter o mesmo preço para
todos, já que a redistribuição da riqueza e a justiça social são feitas pela
natureza progressiva dos impostos. Mas só me parece inteiramente válido este
argumento se a receita fiscal recolhida pelos impostos for suficiente para
fazer face ao custo de todos os serviços públicos para todos os portugueses.
A medida representará 50 milhões de euros e aplicar-se-á a 200 mil
estudantes. Não seria socialmente mais adequado melhorar as bolsas de estudo
aos 50 mil que delas carecem, particularmente aos mais pobres e aos deslocados?
Ou investir o dinheiro na construção de residências? Ou, eventualmente, isentar
de propinas os que estudam nos politécnicos do verdadeiro interior?
Portugal continua a não ver definidas estratégias e prioridades para o seu
desenvolvimento económico, permanecendo no espectro sombrio das políticas
financeiras restritivas e empobrecedoras da sua população, agindo sob o peso de
fenómenos e de ocorrências que não controla. As medidas que vão sendo tomadas
surgem sem a garantia de que são as mais adequadas, porque não se estudam e
discutem racionalmente alternativas possíveis. António Costa age sob a força
das circunstâncias, pressionado, desarticulado e revelando um elevado grau de
incerteza quanto à amplitude e profundidade das medidas que o Governo decide.
A economia portuguesa tem características negativas evidentes: défice
crónico, dívida pública elevada, baixos salários, alto desemprego jovem e
reduzida produtividade, quando comparada com a dos países com os quais
competimos. Com efeito, o celebrado crescimento do emprego em percentagem
superior ao crescimento do PIB, sendo intrinsecamente positivo, mostra, por outro
lado, uma redução da produtividade (trabalho extensivo versus acréscimo de
valor ao que fazemos e vendemos). E, do mesmo passo que o discurso oficial
incensa os nossos indicadores de crescimento, omite que 20 dos 28 países da UE
crescem mais que nós e que a maioria dos portugueses deixou de poder comprar
casas nas suas próprias cidades mais importantes.
No que toca à Educação, as teorias sobre o funcionamento do mercado têm
capturado as teorias sobre o funcionamento da Educação, substituindo os
interesses da Pedagogia pelos interesses do dinheiro e da economia que o serve.
A ideia de uma Educação competitiva, tendo a competitividade dos mercados por
modelo, está cada vez mais presente, assim como a ideia segundo a qual a escola
deve ser um instrumento de formação de “capital humano”, útil à economia
global.
Centenas de edifícios junto ao mar vão ser demolidos. Autarcas pedem
reunião ao Governo
A incontornável economia de mercado vai-nos, assim, paulatinamente
transformando numa sociedade de mercado, isto é, numa sociedade rendida ao
valor implacável do dinheiro, em que tudo se compra e tudo se vende, cada vez
mais insensível a valores sociais e à solidariedade entre gerações.
PS: Que formosa aparência de Estado tem a falsidade de felicitar o
presidente eleito do Brasil, um fascista declarado que chega ao Planalto
cavalgando o ódio e a ignorância, prometendo discriminar os brasileiros pela
orientação sexual, pela cor e pela classe social de origem.
Professor do ensino superior
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